Para que é que serve a Taça da Liga? Para dois miúdos de 18 anos brilharem, por exemplo (a crónica do Sporting-Alverca)
RODRIGO ANTUNES
Um Sporting pejado de miúdos e com as segundas linhas em evidência bateu o Alverca por 5-1 e está nas meias-finais da Taça da Liga. Quenda bisou, Salvador Blopa estreou-se na equipa principal com mais dois golos e houve uma alegria contagiante em Alvalade
A cada ano voltamos à discussão ontológica de sempre, ao drama existencial em que vivem os neuróticos quadros competitivos nacionais, permanentemente deitadinhos no divã. Mas afinal para que serve a Taça da Liga? Qual é o préstimo de uma competição com oito equipas e que obrigou o Sporting a jogar duas vezes em pouco mais de 48 horas? Qual é o sentido da vida?
O Sporting-Alverca pode ter sido o estaladão de realidade que o adepto mais cético necessitava. A Taça da Liga sim, pode servir. E serve, ou devia servir, essencialmente, para o que se viu esta noite em Alvalade: um treinador a criar grupo, a aumentar a profundidade do plantel, a tentar geometrias novas, dando liberdade de movimentos aos jogadores. E a dar oportunidades reais a jovens que responderam com uma vontade danada de jogar e fazer parte. Serve, por exemplo, para dois miúdos de 18 anos serem heróis. Há coisa mais saudável do que isso?
É certo que Geovany Quenda já pouco tem de promessa, para o ano estará em Londres, mas foi a primeira vez que Alvalade o viu a bisar. Já Salvador Blopa estreou-se na equipa principal com dois golos, livre e solto pela direita, olhos postos na baliza. Dos onze titulares de domingo, em Tondela, ninguém foi convocado. Para quê? Por Alcochete há, aparentemente, matéria-prima para cirandar pelas quatro competições da temporada.
RODRIGO ANTUNES
Um Sporting feito de segundas linhas e miúdos bateu o Alverca por 5-1, num jogo em que, a tempos, foi espectacular, divertido, alegre. Noutros, apenas controlador, gerindo criteriosamente os momentos do jogo. Com Quenda a pisar terrenos mais centrais, Blopa, um ala de origem, a extremo, saída a três e cinco atrás no momento defensivo, o Sporting deu também novas soluções a Rui Borges, numa temporada longa e dura, em que delas irá necessitar.
Depois de 20 minutos iniciais sossegados, mas já de grande dinâmica dos leões, Vaggianidis incorporou esse vanguardismo: é nele que começa a jogada do primeiro golo no lado direito, abocanhando depois o grego o corredor central onde, numa posição de quase segundo avançado, fez de cabeça a assistência em movimento para o aparecimento de Quenda na área. Tudo simples.
No ataque, Ioannidis dava exemplos e mais exemplos do que pode oferecer em profundidade e a jogar de costas. A esticar a equipa fez lembrar, à sua escala, claro, certo avançado sueco. Atrás, Matheus Reis divertia-se com certeiros lançamentos longos, quase sempre aproveitados. É de lá que vem a bola que o avançado grego tornou em lance de perigo, ganhando o lance com um movimento pélvico que deixaria Michael Jackson impressionado. Virando-se ao jogo, encontrou a correria de Blopa para direita, com o miúdo a tirar um adversário em drible antes de rematar para o golo. Não haverá melhor maneira de se apresentar. À meia-hora, já ninguém se lembrava que não estavam ali os titulares.
Mais ainda seria evidente a opção sábia de Rui Borges quando Quenda bisou aos 58’, com o Sporting a aproveitar um erro da defesa do Alverca como um predador a cheirar sangue. Alisson tinha várias linhas de passe, escolheu a de Quenda, que à entrada da área, bem ao centro, rematou para o 3-0.
RODRIGO ANTUNES
Quenda deixaria o campo pouco depois para dar lugar a outro jovem de 18 anos, Flávio Gonçalves, que daí a nada daria a assistência para novo surgimento de rompante de Salvador Blopa pela direita e para novo remate cruzado certeiro do miúdo da equipa B. Há estreias de sonho e esta estará numa destas listas. Ioannidis fecharia a contagem do Sporting, com um extraordinário remate de meia-distância, em jeito, depois de se desvencilhar da pressão adversária. Um golo merecido para o grego, que muito se deu à equipa durante todo o jogo.
Já num momento de descompressão, o Alverca marcaria, com Sandro Lima a aproveitar uma escorregadela de Matheus Reis para cavalgar até à baliza de João Virgínia.
Não mancha este golo uma exibição do Sporting que foi, à sua maneira, uma afirmação de coragem e um justo prémio para o que a equipa B leonina anda a fazer na II Liga. E estes prémios talvez só aconteçam porque existe uma competição como a Taça da Liga. E, portanto, sem mais pensamentos urbano-depressivos ou discussões metafutebolísticas, longa vida à Taça da Liga, nunca percas essa alegria.