De uma maneira ou de outra, o FC Porto sabe sempre como sair do fundo do poço
Diogo Cardoso
O FC Porto-SC Braga (2-1) foi um clássico por vezes no mau sentido do termo, com encaixes castradores. Os minhotos tiveram mais espasmos criativos e deixaram os dragões em estado de alerta. Farioli teve mão na resposta que chegou perto do final, mas chegou
Muitos ainda não veem o SC Braga como um dos cabecilhas do campeonato. Desse modo, fica difícil convencer esses mesmos céticos que os jogos em que os minhotos enfrentam os restantes membros do gangue possam ser considerados clássicos. Nesses duelos cabeça de cartaz, há uma estética que os une e os compila no mesmo género.
O FC Porto-SC Braga decorreu, inicialmente, de maneira atravancada. No entanto, já nos habituámos, faz parte da essência destas partidas. Temos que nos contentar em não ver o melhor dos melhores em prol de compromissos táticos. Tendo o encontro da décima jornada da I Liga correspondido a tudo isto, não há razão para o embate ser relegado para um plano secundário.
Os azuis e brancos até pareceram surpreendidos por terem alguém a fazer-lhes frente. Afinal, os adversários do FC Porto não têm tido pudor em copiarem-se uns aos outros, deixando a tampa no fundo do frasco. É verdade que os dragões, em certos momentos do campeonato, mostraram desconforto frente a quem os defendia tão acanhadamente. O antídoto foi-lhes receitado em Moreira de Cónegos, onde, na jornada anterior, a equipa de Farioli teve uma segunda parte produtiva.
O treinador italiano reciclou ideias. Agarrou-se ao sucesso da fórmula e repetiu-a. William Gomes e Rodrigo Mora, como parte dessa versão, foram para o onze, levando Farioli a deixar de lado o estoicismo na escolha dos titulares. Ainda assim, sentia-se que o plano idealizado previa outro tipo de postura por parte dos bracarenses.
O SC Braga, que, em teoria, atuava apenas com Gorby e Grillitsch no meio-campo, chamava Ricardo Horta e Zalazar para, em conjunto, montarem uma gaiola dourada ao jogo interior portista. Em caso de adiantamento da pressão, o português acudia a apagar a criatividade de um dos centrais. Por fora, os laterais que mordessem os homólogos.
MANUEL FERNANDO ARAÃJO
A utilização de luvas não impede Diogo Costa de ser um dos melhores jogadores do FC Porto a fazer leituras táticas. Afinal, pensa-se com a cabeça e não com as mãos. Com as peças dispostas nesses termos, o guarda-redes começou a direcionar a saída longa para zonas onde os centrais exteriores arsenalistas tivessem que lidar com a presença dos extremos azuis e brancos, nomeadamente William Gomes.
O SC Braga ganhava território com bola. É que o FC Porto era menos audacioso e recuava os extremos para cobrir Lelo e Víctor Gómez, afundando-se no campo. As decisões iam sendo transpostas para outra dimensão. As bolas paradas são as predadoras principais das organizações. Aqui, não houve exceções. A maior preocupação para Diogo Costa surgiu a partir de um pontapé de Ricardo Horta oriundo de uma sequência de maus alívios após um livre. Também Lukas Hornicek passou mal com um canto do FC Porto, onde o golo de Victor Froholdt foi anulado devido à carga que o checo sofreu por parte de Jan Bednarek.
Outro elemento que importa referir sobre os clássicos é a transcendência. Samu foi apanhado a benzer-se sem que estivesse propriamente a agradecer nada. Quanto muito, estava a pedir auxílio. Imediatamente a seguir, encheu-se de fé. O remate foi feito de uma zona incompreensível e quase não se separou da relva. Por intervenção alheia, desviou em Rodrigo Mora e traiu Hornicek.
MANUEL FERNANDO ARAÃJO
A racionalidade foi pouca na vantagem que o FC Porto levou para o intervalo e que perdeu logo no recomeço. Carlos Vicens superou Farioli na intuição. Os esquemas táticos foram trabalhados com o detalhe de quem lhes conferiu relevância. Nos cantos, a maioria dos guerreiros na área esconderam-se ao segundo poste, movimentando-se para postos específicos assim que o cobrador iniciava a marcha junto à bandeirola. Tamanha sintonia foi acompanhada por bloqueios, um dos quais soltou Zalazar. Nas condições possíveis, o uruguaio direcionou a bola para o centro e esta embateu em Víctor Gómez. Eis outro golo cujo autor pouco fez por marcá-lo.
Rodrigo Mora deu mais nas vistas pela tigela fulva na cabeça do que por aquilo que o fluxo de acontecimentos lhe permitiu fazer. Farioli acabou então por recuperar o meio-campo mais tradicional, com Gabri Veiga incluído.
Na última meia hora, o SC Braga, além de vincar o maior engenho com bola, abrilhantou a exibição. Zalazar conduziu com ferocidade até à entrada da área e rematou aparatosamente, mas foi o passe picado de Ricardo Horta para Fran Navarro que fez subir as possibilidades de reviravolta.
Quando sentiu que o controlo estava a escapar, Farioli colocou o vigoroso Pablo Rosario que logo fez a recuperação prévia a uma grande oportunidade de Deniz Gül. Como se tivesse ingerido um refresco, o FC Porto ganhou fôlego para a ponta final. Assim o demonstrou a proatividade de Borja Sainz. Víctor Gómez julgou ter a interceção ao passe de Gabri Veiga garantida, mas o extremo antecipou-se e deixou Hornicek sem resposta para o sucesso do seu remate.
Pelo segundo jogo consecutivo, o FC Porto viu-se desnorteado, encurralado pela desinspiração. Porém, já se percebeu que há nesta equipa um talento especial para sobreviver a momentos de aperto. É por isso que, podendo ter perdido muito mais pontos do que os que perdeu, os dragões seguem invictos no topo da classificação.