Crónica de Jogo

O Sporting entrou em Turim a ser um desassossego tremendo. Só que, depois, sossegou

O Sporting entrou em Turim a ser um desassossego tremendo. Só que, depois, sossegou
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O início de jogo que o Sporting fez contra a Juventus pareceu uma orquestra a tocar sinfonia, os seus instrumentos a tangerem num futebol ao primeiro toque, de passes simples e jogadas bonitas. Marcou primeiro, depois levou com a reação da Juventus. Os leões passaram dificuldades, tiveram de aguentar e terão de agradecer ao guarda-redes Rui Silva. Ainda não foi desta que ganharam em Itália (1-1), mas os leões lá deixaram uma prova de como são capazes de impor a sua vontade contra adversários de outra tarimba

Luciano Spalletti queria era sossego, acabara de ser campeão em Nápoles e confessou fadiga, a forma simpática de indicar que estava exausto da redoma do sangue a ferver na guelra do povo no sopé do Vesúvio, mas sobretudo de não dizer, com todas as letras, que estava cansado de aturar um presidente de clube. Isto em 2023, naquele verão azul-celeste, quando ele quis descansar, dar um tempo à relação com o futebol. Esse hiato seria uma graçola, acabou em agosto, quando cedo se desassossegou para ser o selecionador de Itália até ser despedido em junho último e virar treinador da Juventus cinco dias antes do que nos traz aqui.

Muito da visita do Sporting em Turim pendia na incógnita que era esta Juventus com Spalletti. Só havia um jogo para amostra. Confirmou-se a ideia de Koopmeiners, um médio de ataque, ser um central à esquerda no trio de defesas. O resto, de início, apresentou uma Juventus a querer ver antes de ser, de resguardar-se num bloco médio-baixo, equipa tímida, meiga até na disputa da posse contra a qual os leões, sentindo a mansidão, foram cheios de personalidade e com todo o volume ofensivo que se tem visto esta temporada.

A bola, desde cedo, foi deles, a trocarem-na com passes rápidos e precisos pelos jogadores que se agrupavam no centro do campo, posicionados entre linhas para fomentarem o jogo interior que lhes é habitual. A Juventus abrir a sua casa para ver o Sporting divertir-se.

Vestidos de negro, eles mascararam-se de sombras para os adversários os verem e perderem de vista ao tentarem alcançá-las. O golo (13’), a misturar geometria com pinceladas de impressionismo, mostrou a inspiração coletiva do Sporting com a bola. Foi tudo feito quase ao primeiro toque. Os adolescentes João Simões e Quenda combinaram à direita, atraíram a pressão, o extremo tocou no Pote que se aproximou e foi automático a procurar um passe em diagonal para Ioannidis; o grego tocou de calcanhar no apoio frontal de Francisco Trincão, que rapidamente lançou Maxi Araújo na esquerda para este rematar na passada.

ALESSANDRO DI MARCO

Porque em italiano até a mais sonsa lenga-lenga soa a música, no relato da Gazzetta dello Sport lia-se: “Grandissima azione della squadra portoghese”.

Não só essa jogada foi superlativa nos leões. Seria um quarto de hora diabólico dos leões, desempoeirados em noite de Champions, descarados a expressarem-se com requinte em casa de uma equipa que apontava não assim há tanto tempo a estar entre as quatro ou oito melhores da prova. No minuto seguinte ao golo, outra jogada de combinações simples deixou Trincão a rematar à barra da baliza da Juventus. O duplo aviso repentino, a cumear a supremacia dos visitantes, foi o choque elétrico que repôs o batimento dos italianos.

Pouco demorou o poço de potência que é Dušan Vlahović, na área, a antecipar-se a Diomande num cruzamento e apenas Rui Silva, de reflexos felinos, impedir o golo com um açoite instintivo na bola. Na jogada seguinte, uma perda de bola de Maxi na saída foi aproveitada pela Juventus para colocar um passe logo no sérvio que, a uns 25 metros da baliza, bateu para o guarda-redes do Sporting salvar a equipa de novo. Os italianos despertavam do respeito que concederam aos leões, subiram as linhas de pressão. Já não esperavam, queriam agir, pressionar a todo o campo, envolver os extremos agitadores no jogo.

O ritmo da Juventus mudou do dia para a noite, e com ele o jogo. Já não passiva, nem a precaver-se dos ataques com uma postura mais zonal, os italianos acertaram na marcação ao homem emperrou as combinações do Sporting. Custou-lhe lidar com a mudança na pressão. Pote e Trincão perderam bolas, os médios deixaram de os descobrir com facilidade. O incómodo dado pelos italianos encurtou a vida às jogadas dos leões, que não davam tempo a Maxi e Vagiannidis contribuírem para baralhar as referências aos adversários. O Sporting era empurrado para trás, encolhia no jogo.

Stefano Guidi

Numa saída de Koopmeiners a encontrar Kenan Yıldız, o turco soltou-se de atenções com uma simulação de corpo, esperou pela corrida de rompante de Khéphren Thuram, filho de quem muito corria, deu-lhe a bola e o francês cavalgou por aí fora até cruzar rasteiro e Vlahović empatar (34’). A rotação dos anfitriões engolia um Sporting então já incapaz de chegar à outra baliza, perro a tentar levar jogadas a Ioannidis. E ainda se teve de apoquentar quando o engenhoso Yıldız, rapaz de finta curta enquanto corre com pequenos passinhos, arrancou pela esquerda e serviu uma bola rasteira a Francisco Conceição, que quase festejou. Os leões precisavam do sossego do intervalo.

De pouco lhe parecia ter servido nos primeiros minutos do regresso, quando foram devolvidos ao ritmo incessante da Juventus de tração à frente, cheia de pressa, ao ponto de Dušan Vlahović pedir calma tal era a voragem com que a equipa se projetava para o ataque.

Só outra paragem por motivo calcante teve mais valor para o Sporting, quando uma disputa entre Koopmeiners e lutador Ioannidis, sempre em disputas de corpo com os centrais, descalçou o neerlandês, esfarrapando-lhe a chuteira esquerda que o jogador demorou a restaurar. Foi um par de minutos. A interrupção serviu aos leões, não muito, mas o suficiente para reaverem alguma calma com a bola. Continuou longe da baliza, mas afastou-se da aflição do jogo, mesmo que Thuram tivesse um par de remates à entrada da área que pingaram para a bancada.

Atenuado na sua intensidade, já sem a mesma rotação urgente da Juventus, o jogo pôs-se mais a jeito da apetência do Sporting para controlar a bola. Baixando o ritmo, aumentou a influência dos leões. Coincidiu com a refrescada que Rui Borges deu ao corredor direito depois do relógio marcar uma hora de ação, trocando Quenda e Vagiannidis por Geny Catamo e Eduardo Quaresma. Era preciso frescura em cima das constantes mudanças de velocidade misturadas com quebras de direção de Kenan Yıldız. Com outra vigilância ao turco, a Juventus insistiu ainda mais nos cruzamentos.

Daniele Badolato - Juventus FC

Sem fervura, apenas morno, o jogo reviu aqui e ali as combinações do Sporting por dentro, ao primeiro toque, já com Luis Suárez no campo para os minutos que o joelho enfaixado permitia. A equipa ligou de novo passes com Trincão e Pote, mas já não tinha energia para acionar os movimentos coletivos para as jogadas chegarem aos últimos metros. As meias de João Simões caídas canelas abaixo eram um sinal, também os leões tinham caído de ritmo. Foi quando predominava já esta sobriedade geral que entrou o acelerador que é Alisson.

Nem ele, nem nada agitariam o ramerrame com que a partida se foi adormecendo além de um remate de Catamo, embalado atrás de um passe de Suárez numa saída rápida. O Sporting foi controlando as tentativas flanqueadoras da Juventus, rendida a acossar só com cruzamentos a área onde Diomande imperou após a saída de Vlahović, salvo um beliscão: já nos descontos, Jonathan David, sem conspirar muito na desmarcação, cabeceou sozinho para Rui Silva ser o garante do empate. Fora isso, a partida já se tinha sossegado há algum tempo.

A descrição soprada em italiano, além de mais terna para o ouvido, é certeira: “Dopo un primo tempo di grandi occasioni, nel secondo il ritmo si abbassa fino al finale concitato.”

Não foi nesta ida a Turim que o Sporting, à vigésima tentativa, conseguiu ganhar um jogo de futebol em Itália. Mas, nas subidas e descidas de ritmo, entre as melhores fases de cada equipa, a mais impositiva pertenceu aos leões que voltarão a Lisboa com mais bola, mais passes e mais pontos (sete) contra os poucos (três) que a equipa pela qual Luciano Spalletti fugiu ao descanso. A de Rui Borges teve a sua de completo desassossego para o adversário, chegou a parecer orquestra a tocar sinfonia, os seus instrumentos a tangerem. Para o futuro, é arranjar forma de tocarem assim durante mais tempo.

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