Uma aspirina que causou uma dor de cabeça gigante ao Benfica
Gualter Fatia
O Benfica cedeu a quarta derrota em outros tantos jogos na Liga dos Campeões esta temporada, ao perder com o Bayer Leverkusen por 1-0, num jogo em que desperdiçou várias oportunidades para fazer melhor. As esperanças na qualificação são cada vez mais ténues, num jogo que os encarnados deixaram que ficasse ligado à corrente do caos
Parece uma antítese, como tantas vezes o foi no tempo de Xabi Alonso. Uma equipa de farmacêuticos que causa dores de cabeça. Mas esta noite, na Luz, a derrota frente ao Bayer Leverkusen foi para lá de uma arreliante cefaleia: significa o mais que provável fim do Benfica na Liga dos Campeões. Mesmo que não matematicamente, pelo menos no que à lógica da competição diz respeito.
Mas é diferente ter dores de cabeça com esse Bayer de Xabi, campeão alemão há dois anos, do que com um Bayer em reconstrução, como é este que chegou a Lisboa, uma equipa em busca de uma nova identidade, com caras novas à procura de confirmar a aposta (Ernest Poku, por exemplo), uma equipa aleatória em certos momentos, a namorar o caos em outros. O Benfica, ainda que com oportunidades para não terminar o quarto jogo na Champions com a quarta derrota, não conseguiu sair desse caos, dessa indefinição que alguns chamam de emoção, de “excelente jogo de futebol”, mas que não passou, quase sempre, de um duelo entre duas equipas cheias de dúvidas.
Soccrates Images
Dúvidas que José Mourinho terá tentado mitigar pedindo músculo a Leandro Barreiro, habituado às pendulares idas e vindas da Bundesliga, que surgiu como médio mais próximo de Pavlidis. Sudakov foi exilado para a esquerda. Não resultou, num jogo que cedo deu ares de barafunda, quando aos 11 minutos a uma arrancada de Poku, que Tomás Araújo travou com um corte de classe, o Benfica respondeu com uma arrancada análoga, com Ríos a encontrar Lukebakio, que picou a bola para o ferro.
Era uma espécie de final olímpica dos 100 metros em que a meta era uma baliza.
Mesmo com Grimaldo como espécie de estrela-guia, vindo da esquerda para criar vantagens a meio-campo, prevalecia o nervosismo no Bayer. O Benfica conseguia, com regularidade, cheirar a baliza alemã, mas faltou pragmatismo. Barreiro e Lukebakio estiveram perto de o conseguir na mesma jogada, aos 26’, e a bola voltou a ter um encontro de terceiro grau com a barra aos 33’, quando Otamendi saltou mais alto num canto.
O Bayer, na boa tradição sem filigranas de Kasper Hjulmand que apaixonou muito boa gente no Euro 2020, quando era selecionador da Dinamarca, tentava sempre a forma mais em linha reta possível para chegar à baliza: aos 35’, com dois toques no corredor central, colocou Poku isolado em frente a Trubin, mas faltou (e falta, em geral) acerto técnico ao neerlandês.
Ainda antes do final da 1.ª parte, já o Benfica-Bayer era um jogo partido, perigoso para o Benfica. Mais ainda quando o espaço que os alemães também ofereciam era desbaratado. Lukebakio, especialista sempre-na-mesma-jogada, terá sonhado aos 43’ ter um pé direito para deixar de ter a tentação de driblar em busca da sua canhota. Talvez o grande passe de Sudakov, desde o meio-campo, tivesse acabado em golo e não numa bola rematada contra um adversário - no futebol, o timing não é tudo, mas quase.
Pavlidis falhou a recarga nesse lance, o remate saiu prensado, e no início da 2.ª parte também não se deu bem com o timing, ou com a tomada de decisão, procurado contornar Mark Flekken quando se viu, por um acaso, em frente ao guardião do Bayer, que aproveitou a falta de repentismo do grego para lhe subtrair a bola.
Jörg Schüler
Ao contrário de Mourinho, Hjulmand mexeu, atirou Patrik Schick lá para dentro, dos poucos resquícios do Bayer de Xabi que ainda moram em Leverkusen, e com ele os germânicos aumentaram os níveis de perigo esperado. E aos 64’, o checo marcou. Ou melhor, aproveitou um presente. O avançado viu Trubin negar-lhe um primeiro remate e, no alívio, Samuel Dahl lateralizou o corte, que foi direitinho para a cabeça de Schick. Um golo inglório, talvez injusto, mas num jogo descontrolado, o difícil é que a narrativa não fuja das mãos de quem o joga.
Ao golo adversário, Mourinho respondeu com a entrada de Prestianni, Dedic e Schjelderup, havia ainda quase meia-hora para jogar mas logo ali pareceu tarde. O Benfica estava numa espécie de pântano, como se as pernas de cada jogador pesassem o dobro, a frescura mental o triplo. Deixou de haver discernimento, o Benfica tornou-se uma equipa atrapalhada - case in point, aquela escorregadela de Lukebakio já nos minutos finais, quando estava em excelente posição para empatar. Seria cómico se não fosse, naquela altura, algo trágico.
Como na Champions nenhuma equipa é uma ilha e os clubes jogam entre si, dificilmente o Benfica sairá da armadilha em que se meteu. Matematicamente nada é impossível, claro está. Mas fora de portas - e às vezes dentro delas - o Benfica parece demasiado mergulhado nas suas incertezas para ir mais longe do que isto.