Crónica de Jogo

Benfica: democracia nas urnas, narcolepsia em campo

Benfica: democracia nas urnas, narcolepsia em campo
RODRIGO ANTUNES

Depois da demonstração de vitalidade nas eleições, o Benfica deixou-se adormecer com dois golos de vantagem frente ao Casa Pia. Os gansos, em posição delicada no campeonato, dias depois de despedirem o treinador, aproveitaram um conjunto de erros e bizarrias para acabar com o entusiasmo na Luz

Como acaba o Benfica a perder pontos este domingo parece coisa do esotérico, até de bruxaria, não fossem as coincidências parte também deste jogo. Depois da festa da democracia durante a madrugada, o Benfica deixou-se embalar pela narcolepsia de quem está acordado, mas caminha a dormir, em modo zombie competitivo, sofrendo um golo bizarro e outro proibido depois de se ver, com naturalidade, a ganhar por 2-0 frente a uma das equipas mais frágeis do campeonato.

À vitalidade dos sócios, dispostos por larga maioria a dar uma segunda oportunidade ao status quo, os encarnados responderam com uma exibição que começou por parecer sólida, para se desmoronar ao primeiro contra-tempo. É o que tende a acontecer com equipas que sofrem coletivamente. Aconteceu este domingo, já tinha, em certa medida, acontecido durante a semana, frente ao Bayer Leverkusen: quando os alemães marcaram, o Benfica eclipsou-se.

O Casa Pia, porém, não é uma das melhores equipas alemãs. É uma equipa que chegou à Luz dias depois de despedir o treinador, à procura, essencialmente, de conter danos, de sofrer o menos possível, mesmo lutando com às suas imensas fragilidades para o fazer. Deu espaços ao Benfica, criou dificuldades mínimas. O golo de Sudakov, aos 17’, parecia o prelúdio de um passeio. Até a jogada, uma espécie de lance de futevolei de Pavlidis, que recebeu de peito e passou de cabeça para o remate de primeira do ucraniano, remetia para uma qualquer leveza que o Benfica não há meio de encontrar esta época.

Gualter Fatia

Com Dedic a dar peso ao jogo exterior e as arrancadas de Lukebakio a moer (mesmo que fossem, como tantas vezes, inconsequentes) a defesa dos gansos, abriam-se linhas passíveis de serem aproveitadas. E o Benfica teve oportunidades para o fazer, essencialmente na 1.ª parte, perante um bloco baixo a unir-se na fé e no esforço.

Os sinais de jogo partido, de leve descontrolo emocional, começaram ainda antes do intervalo. O primeiro remate do Casa Pia, apenas aos 39’, nasce de um bom entendimento após ataque rápido, com Cassiano a combinar com Livolant, frouxo no tiro apesar da boa posição. Logo de seguida, Lukebakio surgiu isolado frente a Patrick Sequeira, esbanjando uma oportunidade pouco esbanjável para uma equipa a caminhar em gelo fino.

Na 2.ª parte, o Benfica perdeu Barrenechea por lesão, lançando Prestianni e criando ainda mais bases para o caos. Começou por assustar de longe por Richard Ríos e Sudakov, mas com o penálti aos 60’, marcado por Pavlidis, a surgir já como uma espécie de alívio para uma equipa estagnada, adormecida. Minutos depois, Trubin ainda travou o castigo máximo marcado por Cassiano, mas ao tentar limpar o lance Tomás Araújo foi infeliz, colocando a bola na própria baliza.

E começava aí o encontro provocado do Benfica com a Lei de Murphy.

Gualter Fatia

Porque se o que pode correr mal vai correr mal, também é certo que se pode fazer o possível para que o pode correr mal possa simplesmente não acontecer. Depois do 2-1 casapiano, o jogo tornou-se desinteressante e um jogo desinteressante pode rapidamente tornar-se perigoso. O golo do empate do jovem Renato Nhaga, já para lá dos 90’, é, acima de tudo, um castigo: um erro individual, neste caso de Richard Ríos, pouco competente a guardar a bola a meio-campo, tornou-se numa carambola de falhas coletivas. O Casa Pia viu-se num quatro para quatro, Trubin defendeu para a frente o cruzamento que se seguiu, atrapalhado por Tomás Araújo, e Nhaga, 18 anos apenas, dono de apelido que já causou outras dores de cabeça ao Benfica, castigou o adormecimento, o excesso de confiança até, de uma equipa que entregou o jogo aos deuses quando se viu em vantagem por 2-0.

Aos muitos milhares que ainda há horas saíram de casa para votar ter-se-á ido rápido o orgulho. Talvez seja preciso José Pereira da Costa a organizar também o que se passa em campo, a dar-lhe as condições necessárias para se criar um fluxo imparável, sem filas ou esperas. Em campo, o Benfica está longe de ser essa força imparável que se viu nas eleições.

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