Crónica de Jogo

Um golo a abrir, outro a fechar, uma exibição q.b., os tão necessitados pontos. O Benfica foi a Amesterdão buscar o que precisava

Um golo a abrir, outro a fechar, uma exibição q.b., os tão necessitados pontos. O Benfica foi a Amesterdão buscar o que precisava
Soccrates Images

As águias venceram (2-0) o Ajax, conseguindo os primeiros pontos na Liga dos Campeões. Dahl, aos 6', e Barreiro, aos 90', relançaram a campanha europeia da equipa de José Mourinho

Um golo a abrir, outro a fechar, uma exibição q.b., os tão necessitados pontos. O Benfica foi a Amesterdão buscar o que precisava

Pedro Barata

Jornalista

O Benfica de José Mourinho é uma entidade desportiva recente, tem pouco mais de dois meses de vida. É, por isso, notável que tão escassa existência possua já tantas versões, diversas roupagens, modos de ser distintos.

Começou por haver a ideia de juntar Pavlidis e Ivanovic, alterando a dinâmica que vinha de Bruno Lage. Durou uns dias. Depois entrou-se na fase Lukebakio, do belga a voar pela direita, um íman de ataques, começando e acabando, viver por Lukebakio e morrer por Lukebakio. Durou umas semanas, terminando com a lesão do canhoto.

Chegamos ao final de novembro, chegamos a nova reconstrução. Os três centrais duraram uma parte no Restelo. Nos Países Baixos, entrou o Benfica dos médios. Com uns atacantes lesionados, outros sem confiança, Mourinho rodeou Pavlidis de médios: Enzo, Ríos, Aursnes, Barreiro, Sudakov.

Ainda as intenções das águias não eram claras e já o marcador lhes sorria. Dahl, carrasco da passada partida na Liga dos Campeões, aproveitou, logo aos 6', a ressaca de um cabeceamento perigoso de Ríos para lançar uma bola rumo ao 1-0.

Foi o tónico perfeito para o Benfica, privado de gente de esticões e drible, assumir uma postura mais passiva, de espera. Não se aproveitou o mau momento do Ajax, não se fez sangue, talvez não haja capacidade para isso. Os encarnados foram aguentado, só sofrendo um pouco no final do primeiro tempo e no começo do segundo, e lá trouxeram os três pontos. Depois de seis derrotas seguidas na Liga dos Campeões, finalmente uma vitória. Três pontos antes das três rondas finais, diante de Nápoles, Juventus e Real Madrid. Será preciso bem melhor.

Dahl prepara-se para atirar para o golo
ANP

O Benfica foi à Johan Cruijff Arena para um duelo de campeões europeus, de gigantes forjados no século XX que, no século XXI, deixaram de ter na conquista desta competição uma hipótese viável. Circunstâncias do futebol pós-Bosman, da ditadura do dinheiro no futebol sem fronteiras, dos constrangimentos de um mercado interno pequeno.

Foi contra o Ajax que Eusébio disputou a última grande eliminatória europeia da sua gloriosa carreira. Nas meias-finais da Taça dos Campeões 1971/72, o Pantera Negra esteve, pela derradeira vez, numa fase tão adiantada de uma competição internacional. O Ajax do mago da camisola 14 venceria, rumo à segunda das três vitórias consecutivas na prova europeia. Em 1973, Benfica e Ajax haviam estado presentes em nove das 18 finais da Taça dos Campeões realizadas, vencendo cinco.

Sem sonhos tão ambiciosos, portugueses e lisboetas tentavam sair da cauda da extensíssima tabela da Liga dos Campeões. Ajax e Benfica chegavam a este final de tarde de Amesterdão com um registo combinado de zero pontos averbados, três golos marcados e 22 sofridos.

Após o madrugador 1-0 de Dahl, os visitantes tiveram 20 minutos de clara superioridade. Sem argumentos de velocidade ou desequilíbrio individual, era através da bola parada ou da pressão alta que os encarnados podiam ferir o adversário. Na sequência de um roubo de Dahl, Leandro Barreiro, que joga tanto melhor quanto mais andar a correr sem bola — em pressão ou desmarcação — do que com ela, serviu Pavlidis, que ficou perto de dobrar a vantagem.

Com o passar dos minutos, o Benfica foi-se encolhendo. Sem muita capacidade para circular com intenção, permitiu que o frágil Ajax crescesse, muito pela rebeldia do criativo Bounida, da eterna fábrica de extremos de Amesterdão. Aos 33', o belga deu para Klaassen, que obrigou Trubin a evitar a igualdade. Em cima do descanso, e antes da clássica ida precoce de Mourinho para o balneário, Godts, fletindo da esquerda para o meio, causou outro susto às águias.

Davy Klaassen desperdiçou a melhor oportunidade para o Ajax empatar
ANP

O arranque da segunda parte acentuou a tendência de encolhimento da equipa de José Mourinho, que era um coletivo expectante, até receoso, o seu medo de jogar uma espécie de oxigénio de confiança para este Ajax debilitado. Bounida, artista ambidestro, testou Trubin, antes de Klaassen desperdiçar, sozinho no coração da área, uma soberana oportunidade para o 1-1, finalizada com a fiabilidade na trajetória de uns pneus carecas, escorregadios, sem acerto.

No banco, Mou ia aguardando. Não é novidade que o técnico não confia no plantel, não vê no banco um conjunto de soluções válidas, talvez até pense que Simão Sabrosa e Ricardo Rocha, sentados perto de si, poderiam ir lá para dentro e fazer uma perninha. Em Newcastle, o setubalense só fez uma substituição. Em Stamford Bridge, a primeira substituição só surgiu aos 73', no Dragão a primeira troca foi aos 79'. Em Amesterdão, apenas mexeu aos 81’, lançando Tomás Araújo para trancar definitivamente a porta aos visitados.

Dedic ficou perto do 2-0. Do outro lado, Wout Weghorst ia protestando e lutando, perdido em duelos com Otamendi que fizeram recordar a épica batalha entre Países Baixos e Argentina no Mundial 2022. O Ajax, que tem o pior ataque (um golo marcado) e a pior defesa (16 sofridos) da prova, acentuou uma crise que dita agora que, nos derradeiros 13 encontros, só ganhou dois.

Já aos 90', os médios que vão tentando fazer de quase atacantes, Aursnes e Barreiro, combinaram para o 2-0. O luxemburguês é um futebolista peculiar, que até quando é para ir festejar golos com companheiros é o mais voluntarioso a ir celebrar com eles. "Um bom soldado", como descreveu há semanas Mourinho. Rematou de pé esquerdo e sentenciou o resultado.

Houve ainda tempo para Manu Silva, quase nove meses depois de se ter lesionado, regressar ao ativo. O Benfica precisava de três pontos e conseguiu-os. Será este o Benfica do futuro, uma equipa a jogar com cinco médios, repartidos por diferentes funções, e a acabar com cinco defesas e quatro centrocampistas? Possivelmente não. Mas, contra este Ajax de circunstância, ganhar era mesmo a única opção.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt