A equipa do amanhã: a maturidade de um grupo de miúdos deu a Portugal o seu primeiro título mundial sub-17
Jurij Kodrun - FIFA
Mais de três décadas depois, Portugal volta a ser campeão mundial jovem, depois dos sub-17 baterem a Áustria por 1-0, juntando o título europeu, conquistado nem há seis meses, ao cetro planetário. É a vitória não dos craques, os mesmos que a FIFA adula, mas sim de um coletivo adulto e experiente
O lema do Mundial sub-17 da FIFA não passaria, seguramente, no crivo de especialistas de educação ou até mesmo de formação de futebol. “Tomorrow’s GOAT”, ou seja, “o melhor de sempre do amanhã”, uma brincadeirinha que dispõe bem, mas falaciosa e que pouco ajuda à causa: quando o objetivo de um torneio jovem de futebol for o de encontrar o próximo Messi ou o próximo Ronaldo, a bússola desportiva e moral estará definitivamente desequilibrada.
Portugal respondeu a este adágio fifiano da melhor forma. Não se vislumbra nesta equipa um craque diferenciador e isso não é mau: é uma equipa coesa, adulta a que aqui está. E são boas notícias quando uma equipa que joga como um verdadeiro coletivo, que compreende as exigências de um momento solene, vence uma grande competição. Seis meses depois de se sagrar campeão da Europa, 34 anos depois de 120 mil pessoas encherem até às costuras o antigo Estádio da Luz para festejar o título mundial sub-20, Portugal volta a vencer um título mundial no futebol jovem, após triunfo duro, suado, mas maduro, frente à Áustria por 1-0. Anísio Cabral fica na história como o marcador do golo, a outra vintena de jogadores mais ainda pelo contributo que todos, em momentos diferentes, deram. “Tomorrow’s GOAT”? Experimentem antes “a equipa do amanhã”.
NOUSHAD THEKKAYIL
Oferecer a bola ao adversário logo ao pontapé inicial pressupõe uma ideia. A Áustria fê-lo, para de seguida se posicionar, que nem cão de guarda, a latir aos pés dos jogadores portugueses. A pressão inicial austríaca não caiu bem à seleção nacional: aos primeiros segundos, já Portugal somava meia dúzia de passes falhados.
Não demorou muito a equipa de Bino Maçães a desfazer-se do engodo lançado pelo rival. Ter bola e fazê-la rodar rápido tende a ser boa panaceia nestes casos e aos 3’ já Portugal construía o seu primeiro momento de perigo, com Anísio Cabral a dar bom apoio no corredor central e a lançar Mateus Mide de calcanhar. O jogador do FC Porto, com um adversário na ilharga, atrasou para Duarte Cunha. O remate cruzado, sem grande preparação, sairia ao lado.
Aos 10 minutos, Portugal tentava montar quartel-general no seu meio-campo ofensivo, mas seria a Áustria a ter a primeira oportunidade, aos 14’, depois de uma má abordagem de Martim Chelmik, a deixar Deshihsku fugir. Foi decisivo Romário Cunha na mancha a evitar o golo e a recarga de Moser seria desviada por Mauro Furtado. Nos primeiros 20 minutos, a final corria animada, o jogo dividia-se, com momentos de perigo para os dois lados. Não seria sempre assim.
Daí até ao golo de Portugal, à passagem da meia-hora, temendo as duas equipas os perigos de um jogo desgarrado, sem controlo, o ritmo baixou de parte a parte. Tecnicamente, o espectáculo sofreu. As finais não costumam ser os jogos esteticamente mais belos. Seria numa rara jogada de entendimento com início, meio e fim, que a seleção nacional abriu o marcador: Duarte Cunha e Mateus Mide combinaram na esquerda e ao cruzamento rasteiro do primeiro Anísio Cabral só precisou de responder com um toque suave em direção à baliza.
Simon Holmes
A Áustria respondeu no início da 2.ª parte com um lance de perigo pela esquerda por Johannes Moser, o craque desta seleção austríaca, tal como Portugal em estreia nestas andanças de finais de Mundiais sub-17. Logo de seguida, Romário Cunha foi obrigado a tirar o pó às luvas num livre direto. Portugal lutava por conseguir retomar o controlo do jogo que chegou a ter no final da 1.ª parte. Mateus Mide, a criatividade em passos curtos desta seleção, também soube usar a cabeça para um raro momento de frisson na área da Áustria na 2.ª parte. O remate saiu ligeiramente ao lado. Pouco depois seria José Neto a surgir ao segundo poste, com espaço, mas sem pontaria. O jogo avançava para um espaço temporal perigoso para Portugal. Sem um 2-0 para segurar a final, a Áustria só tinha um caminho: o do risco quase kamikaze.
Sofreu então a seleção nacional nos últimos 10 minutos com a blitz austríaca, derradeiro esforço que obrigou a cerrar dentes. E a contar com a lei da física. Aos 85’, Daniel Frauscher, acabado de entrar, rematou à entrada da área e a bola bateu na parte interior do poste de Romário Cunha. Uns milímetros ao lado e talvez seguisse o caminho das redes, mas não: foi caprichosamente para fora.
Diz a ciência pouco exata das superstições do futebol que estes momentos definem o vencedor. Romário Cunha ainda teria de sair a um cruzamento de Moser, mas o perigo, metafísico e real, estava de facto afastado. Nem meio ano depois do Europeu, a seleção nacional sub-17, esta equipa de amigos, como eles próprios se assumem, arregimentada por Bino Maçães, volta a dar um título ao futebol jovem nacional. E 34 anos depois, há um novo título mundial para alavancar uma geração de futebolistas portugueses.