Crónica

Foi chato, Bruno?

Foi chato, Bruno?

Pedro Candeias

Editor de Sociedade

“Foi chato ver os familiares dos jogadores ligarem preocupados, o staff, os meus próprios pais, a minha mulher, as minhas filhas”, disse Bruno de Carvalho após as agressões em Alcochete. Chato? Crónica de Pedro Candeias

Está escrito num livro algures que uma das estratégias supremas da liderança é a relativização. Os bons líderes, aliás, os excelentes líderes, aqueles que chegam longe, são os que relativizam. Aconteça o que acontecer e a bem da estabilidade, que é outro conceito admirável nas obras de gestão, um líder extraordinário relativiza.

É nesta lógica que se encaixam preciosidades do relativismo, como “a vida continua”, “amanhã é outro dia”, ou, simplesmente, o “foi chato” de Bruno de Carvalho.

Porque não quero descontextualizar, que é coisa de que o presidente do Sporting acusa a comunicação social de fazer, isto foi o que ele disse após a invasão de Alcochete: “Foi chato ver os familiares dos jogadores ligarem preocupados. Do staff, os meus próprios pais, a minha mulher, as minhas filhas. As pessoas estão preocupadas. Felizmente, as coisas estão a correr dentro da normalidade e amanhã é um novo dia e temos de nos habituar que o crime faz parte do dia-a-dia”.

“Chato” é um eufemismo infeliz, sobretudo para quem gosta de escolher e de medir as palavras que diz, quando as diz, e ele di-las muito e muitas vezes.

Obviamente, um grupo de adeptos invadir a Academia de Alcochete para dar uma cabeçada em Jorge Jesus, esfaquear um preparador físico, agredir Bas Dost, Acuña, Misic e Battaglia não é “chato” - mas trágico.

Obviamente, ver os jogadores e o treinador, um por um, a entrar e a sair de uma esquadra da GNR no Montijo para testemunhar às tantas da noite numa rua mal iluminada e em direto nas televisões não é “chato” - mas trágico.

E, obviamente, assistir a uma declaração presidencial gravada ao órgão oficial do clube, sem contraditório possível, em que a teoria da conspiração híbrida, maquinada entre a comunicação social e um determinado rival, e a autovitimização atravessam imparavelmente um raciocínio, não é “chato” - mas profundamente aborrecido. E até previsível.

Se eu quisesse ceder à relativização, diria que Bruno de Carvalho falhou a comunicar porque as coisas estão como estão: o Sporting ficou fora da Champions no domingo, acordou com uma reunião de emergência na segunda-feira, adormeceu com uma história de suspensão ainda por esclarecer; e despertou violentamente esta terça-feira com uma manchete colorida pela palavra corrupção e foi varrido nas entranhas por um ataque de terroristas que usam as cores do clube.

Só que o histórico recente aponta diretamente para o outro lado: Bruno de Carvalho não estava assim, Bruno de Carvalho é mesmo assim.

Para ele, tudo aquilo que se passou nas últimas semanas é apenas “fumaça” porque os sportinguistas têm memória curta e daqui a três anos, quando houver eleições, nenhum deles se lembrará que um dia houve um presidente que criticou os jogadores um par de vezes no Facebook, que suspendeu e deixou de suspender os jogadores pelo Facebook, que convocou reuniões de emergência em dia de folga para despedir informalmente um treinador a cinco dias de uma final da Taça de Portugal - e que disse que amanhã seria um novo dia quando o dia mais negro da história do clube ainda não tinha chegado ao fim.

É que um dos problemas da relativização é que esta se confunde com a falta de empatia. E a falta de empatia é chato de ver.

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