Uma hora antes do primeiro apito do árbitro, no Estádio Luzhniki, em Moscovo, o David ainda tinha a caneta preta na mão. A caneta com que desenhou, esmeradamente, o galo francês e a estrela do campeonato ganho em 1998, na parte da frente de uma T-shirt azul, e o número 10 sob o nome mágico (Mbappé), na parte de trás. Filho de mãe francesa e pai português, o meu sobrinho vibrou há dois anos com a vitória de Portugal no Europeu e, se Cristiano Ronaldo tivesse conseguido levar a seleção às costas até à final, ficaria outra vez de coração dividido. Mas não era o caso. “Já viste, tio, vou poder celebrar duas vezes, em dois campeonatos seguidos. E no fim desenhamos a segunda estrela.” Largo sorriso, antes de um recuo cauteloso: “Quer dizer, primeiro temos de ganhar, não é?”
Os minutos iniciais deram razão às dúvidas do pequeno David. Após vencer três prolongamentos consecutivos (um recorde), o equivalente a um jogo inteiro a mais nas pernas, os croatas mostravam-se pressionantes no campo todo, rápidos a roubar a bola aos franceses e a tecer sobre a relva toda uma filigrana de passes e tabelas, espécie de tiki-taka à moda dos Balcãs. No centro do vendaval, um monstro: Modric. Os seus pés tornam a bola mais obediente, domesticam-na, fazem dela o que querem. Ele é capaz de acelerar e desacelerar o jogo a seu bel-prazer, impõe o ritmo como um metrónomo, faz da táctica uma forma de geometria. Em suma, é um génio, mas um génio discreto, contido, tão humilde que deixa a ribalta para Ronaldos e Messis. Talvez nunca venha a ganhar a Bola de Ouro, por não ter perfil de megaestrela, mas entretanto faz a felicidade de quem gosta de ver, sem tiques de vedetismo, a inteligência materializada em campo. (Que a FIFA lhe tenha atribuído o prémio de melhor jogador do torneio foi um gesto da mais elementar justiça.)
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