Crónica

Pode um homem ter dois clubes do coração? Sim (e esta crónica é sobre o Sporting-Estoril)

Pode um homem ter dois clubes do coração? Sim (e esta crónica é sobre o Sporting-Estoril)

Pedro Lima

Editor-adjunto

Esta quarta-feira há Sporting-Estoril, para a Taça da Liga (21h15, SportTV), e o jornalista Pedro Lima conta como é viver entre dois clubes

“Apoia a tua equipa local” é uma inscrição comum lá para as bandas de Cascais, em especial junto à Amoreira, onde fica o estádio António Coimbra da Mota. Foi há uns anos que o “chamamento” fez eco – e as deslocações à casa do Estoril Praia para ir ver o ‘Mágico’ se tornaram rotina, juntando-se às deslocações à casa do Sporting para ver os ‘Leões’.

A minha primeira lembrança de um jogo de futebol é precisamente do Estoril Praia, quando não devia ter mais de 6 anos, de ir com um amigo ao António Coimbra da Mota mais o meu pai.

A minha família paterna é do Estoril, sempre morei em Cascais e por isso o Estoril Praia sempre esteve presente lá em casa: o meu pai jogou lá, nos juniores, e o meu tio, irmão dele, nos seniores. Aliás, ainda guardo recortes de jogos onde o Lima jogou: algures em 1958 o jornal "A Bola" fazia o relato de um jogo de juniores entre o Estoril e o Sporting (0-1) no “campo da Amoreira” escrevendo que “aconteceu neste encontro de juniores o que muito frequentemente acontece nos jogos de seniores: coube o triunfo à equipa que menos o merecia. Ora, sabendo-se que a equipa vencedora foi a do Sporting, há naquela afirmação o seu quê de surpreendente, pois o prestigioso clube leonino é, tradicionalmente, um alfobre de bons jogadores e de valorosos grupos juvenis. Este ano, porém, se a exibição de ontem não foi obra de infeliz acaso, o Sporting não possui, na categoria, nem valores individuais nem força de conjunto condizentes com o seu nome e a sua tradição”.

Mais à frente, Alfredo Farinha escrevia que “apesar de vencido, o Estoril nunca se mostrou inferior ao antagonista – sem precisar, para isso, de exibir méritos excecionais – nem mesmo quando o domínio territorial, no primeiro tempo, pertenceu aos sportinguistas. Equipa mais homogénea, mais ligada e, taticamente, mais esclarecida, gozou de ampla supremacia, na segunda parte, durante a qual os seus dianteiros desperdiçaram várias oportunidades de golo. Lima (não obstante ter falhado uma grande penalidade), Martinho e Fernando foram os seus jogadores mais em evidência”.

Apesar do “chamamento” da Amoreira – com primos e tios a viverem junto ao estádio era naturalmente mais fácil manter uma ligação ao clube -, familiarmente a hegemonia clubística era mais do Sporting, em parte devido às picardias com a parte benfiquista da família: o meu avô, ferrenho benfiquista, assistiu à ‘revolta’ de três dos quatro filhos, que se passaram para o lado do Sporting. O fervor Leonino contagiou muitos, homens e mulheres. Mas o Estoril também andava sempre por ali.

Eis-nos de regresso aos dias de hoje: agora os fins de semana voltaram a ter muito de Alvalade e muito da Amoreira. Apesar de a época futebolística anterior ter acabado mal – o Estoril caiu para a Segunda Liga e o Sporting caiu para o abismo -, os tempos agora são de reconciliação. Foi, no entanto, um início de época atípico: fruto de alguns dos jogos do Estoril serem agora de manhã, só consegui ainda ir a dois.

E fruto de o Sporting ter passado por um período negro da sua história por causa do seu anterior presidente, Bruno de Carvalho, esperei para ver o que ia acontecer e deixei de frequentar o estádio de Alvalade – até ao passado domingo, num regresso feliz perante os 3-0 frente ao Boavista, apesar do frio. Foram cinco meses de ausência – boicote mesmo -, porque perdi a paciência e fiquei sem qualquer vontade de ir a jogos e de saber o que se passava no Sporting – e só mesmo por motivos profissionais me fui mantendo informado. O menos possível – quase não vi jogos na televisão, quase não dei pelas mudanças de jogadores.

Mas tudo isto são águas passadas: porque na prática isto ainda pode acabar bem, com dois campeões – um da Primeira Liga e o outro da Segunda. Sim, claro, com o Sporting é sempre a mesma coisa, mas o que é certo é que mesmo em crise, ou já no pós-crise, se quiserem, está a dois pontos de FC Porto e Braga e a um do Benfica e do Rio Ave. Por isso, a ver vamos.

Quanto ao jogo para a Taça da Liga desta quarta-feira, em Alvalade, em que o Sporting volta a jogar com o Estoril, estarei sentado no lado verde e branco da barricada, porque o jogo é em Alvalade, mas com alguma neutralidade. Jogos em que os dois clubes se defrontam, aí, regra geral, não se puxa por ninguém. Ou melhor, puxa-se pelos dois. Ou melhor, de vez em quando puxa-se pelo que precisar mais. Ou melhor, de vez em quando puxa-se menos pelo que precisar menos.

É que isto de ser sócio de dois e ir regularmente aos jogos dos dois tem a sua piada: não só de vez em quando se faz alguma ginástica para ir a correr do Estoril para Lisboa ou de Lisboa para o Estoril, como também se tem a sensação de que, quando jogam um com o outro, ganha-se sempre – e perde-se, também, claro, e às vezes batem-se palmas (timidamente) aos ataques quer de um quer de outro e comemoram-se golos em território “inimigo”: comemoram-se (timidamente) golos do Estoril entre sportinguistas; e comemoram-se (ainda mais timidamente) golos do Sporting entre os estorilistas.

Esta época o sentimento é mais fácil, por maus motivos, pois o Estoril acabou por cair para a Segunda Liga no jogo em Santa Maria da Feira – onde estive presente e onde testemunhei aquilo que interessa reter no desporto, além das boas exibições: o desportivismo. E por isso não me esqueço da forma como os adeptos do Feirense aplaudiram os adeptos do Estoril, que saíam cabisbaixos de Santa Maria da Feira - e os incentivaram a apoiar a equipa para regressar este ano à Primeira Liga.

Aliás, a claque do Estoril é conhecida por ser uma claque amistosa e por fazer amigos noutras claques – Estoril e Moreirense, por exemplo, dão muitas vezes sinais de grande amizade em pleno estádio. É mérito dos irmãos Calhau, que lideram o Gruppo, a claque que apoia incansavelmente o clube e que vai com ele para todo o lado.

No final, é isto que interessa: ver bons jogos (se possível), estar num bom ambiente, fazer disto uma festa.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: PLima@expresso.impresa.pt