Crónica

Gente feliz com lágrimas

Gente feliz com lágrimas

Pedro Cruz

Subdiretor de informação da SIC

Pedro Cruz escreve sobre o seu Varzim Sport Club que garantiu a manutenção na II Liga, no último jogo, no limite, com um golo de Júlio Alves à Académica

Nunca me tinha acontecido em mais de 40 anos de jogos na Póvoa. A ´minha` bancada já estava cheia e a porta fechou.
Não cabia mais ninguém na “superior”.

O jogo era de entrada livre e foram todos, mesmo todos. Os que nunca vão. Os que não são sócios. Os que são mas há muito não pagam quotas.

Foram todos.

Tantos que não me lembrava de ver o estádio tão cheio, tão a preto e branco, tão em brasa. É certo que o jogo era “apenas” para não descer.

“O Varzim é nosso, é da Póvoa inteira”.

E lá estava a Póvoa toda, inteira, de corpo e alma, de coração a bater depressa, palpitante, numa só voz.
O jogo era de mata-mata.
Só interessava ganhar.
E o Varzim quis tanto!
Com alma e raça e com futebol.

Ataque organizado, diz o meu filho, que em cinco minutos viu as fragilidades de uma equipa a tentar construir. Mas para mim são apenas onze contra onze e uma bola. Quero lá saber do ataque posicional ou organizado, de ir pelo meio ou pelas alas, de ter três defesas ou quatro, dois avançados ou cinco.

Eu quero, a Póvoa inteira queria, era que a bola entrasse depressa, que fosse golo, e que o jogo acabasse.

E foi mais ou menos assim.

Depois de tantas tentativas, de tanto remate, de tanta oportunidade, o rapaz lá fez a rede abanar.
O estádio saltou de uma vez só, como se tivesse uma mola, o árbitro foi condescendente, deixou-os festejar todos ao molho, mais os do banco… e os pelos ficaram firmes, a voz começou a falhar, os olhos cheios de lágrimas, não há nenhuma explicação minimamente racional para isto, o Varzim é nosso, é da Póvoa inteira, e depois…

- Nunca mais acaba

foram mais 15 minutos e depois mais três, e a bola que quase nunca chegou à nossa área começou a andar ali perto

- Tira-a daí
- Olh’á hora
- Acaba essa merda…

E acabou, finalmente, todos num grito em uníssono,
Varzim!
Varzim!
Varzim!

e eu agradeci ao meu pai por me ter feito varzinista, por me ter ensinado a ser do Varzim, só me lembrava do hino.

“Barcos à vela nesse mar sem fim,
Ò vento norte, corre vai depressa
Levar ao mundo o nome do Varzim”

diz quem sabe que é bem mais difícil
um jogo para não descer
do que um jogo para ser campeão.

Olhava à volta e só via gente, feliz, com lágrimas.

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