Crónica

O guia definitivo de como se prepara um árbitro de futebol para a nova época

O guia definitivo de como se prepara um árbitro de futebol para a nova época

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

O antigo árbitro internacional Duarte Gomes explica os tempos e ritmos de preparação do juizes entre o fim de uma época e o início da seguinte

Para os árbitros, o culminar de uma época desportiva não é sinónimo de um longo período de férias, como tantos podem pensar.

A derradeira jornada dos campeonatos profissionais disputa-se geralmente na última semana de maio e depois ainda há a final da Taça de Portugal, os playoffs de promoção/despromoção, os apuramentos de campeão, etc, etc.
Só mais tarde é que aparece a paragem competitiva, mas a verdade é que essa nunca dura mais do que dez, doze dias.
A maioria dos árbitros e árbitros assistentes que atuam a este nível regressam à atividade por volta da segunda semana de junho e, até lá, muitos optam por não parar totalmente. Há quem faça pequenas caminhadas, exercícios no ginásio ou até mesmo corrida ligeira, só para "matar o bichinho " ou evitar aumento de peso.
Depois, bem... depois vem o regresso à carga. À carga pesada.
São sete, oito semanas consecutivas com planos de trabalho pré-definidos e máxima intensidade, entrega e sacrifício. É fundamental que todos recuperem os índices físicos, cortando nos excessos e repondo a normalidade de atleta. Neste período, o trabalho é muito parecido àquele que realizam os jogadores nos seus clubes.
O objetivo a curto prazo é que todos estejam aptos para cumprir as primeiras provas físicas da época, que este ano terão lugar entre 30 de julho e 3 de agosto (altura em que decorrerá o primeiro Curso de Aperfeiçoamento da 2023/24).
A médio/longo prazo, a ideia é que estejam preparados para dez meses consecutivos de exigência competitiva, psicológica e emocional.
Arbitrar não é apenas dirigir um jogo de futebol durante noventa minutos. É, acima de tudo, dignificar uma carreira e defender a causa de forma séria, honrada e digna.
Isso pressupõe que todos estejam focados e comprometidos. Não basta preparar bem o corpo. É também importante respeitar a tarefa e a sua importância no jogo.
A mente de cada árbitro tem que entender bem o que a espera, o que aí vem. Que não restem dúvidas, esta é uma função que obriga a enorme disponibilidade, porque o trabalho é duro e tem fortíssima dimensão mediática.
Um árbitro de elite tem que sentir, todos os dias, a responsabilidade do que faz. Tem que perceber que o meio onde está inserido é dos mais sensíveis que existe. Não há, aliás, nenhuma outra atividade desportiva onde a análise exterior seja tão subjetiva e emotiva.
Na realidade, é preciso muito estômago, muita diplomacia e contenção, muita serenidade e personalidade. É preciso amor à camisola. E é também preciso que a família seja o grande suporte, o porto seguro de quem anda ali pelo meio a fazer aquela que é, de longe, a missão mais ingrata do jogo.
Este artigo é o retrato fiel e sincero da realidade que os árbitros enfrentam por esta altura e ao longo dos meses que se seguem. Não pretende desculpar erros ou defender decisões que podem e devem ser diferentes. Tenta apenas mostrar que a arbitragem exige muito dos seus principais agentes. Mais, muito mais do que qualquer pessoa menos atenta possa pensar.
Atuar a este nível é um orgulho enorme, mas ninguém cai ali de paraquedas.
Ser árbitro é uma opção e tem, ao nível do futebol profissional, regalias importantes, que são devidas, merecidas, mas não é nenhuma brincadeira irresponsável.
Um destes dias, vi uma piada muito engraçada que toca mais ou menos na mensagem que aqui se tentou passar. Certo dia, um professor perguntou aos seus alunos:
- " Quem tem razão de queixa dos árbitros"?
Todos levantaram as mãos e gritaram em simultâneo:
- " Eu, eu, eu"!!
- E quem quer ser árbitro de futebol?
(...) Silêncio total.
É isso. É mais ou menos isso.

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