Crónica

É quem já lá esteve que avisa o SC Braga: em Atenas, haverá fumo, ruído e gente pendurada de varandas para ver o Panathinaikos

É quem já lá esteve que avisa o SC Braga: em Atenas, haverá fumo, ruído e gente pendurada de varandas para ver o Panathinaikos

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Os minhotos venceram os gregos na primeira mão do play-off da Liga dos Campeões, por 2-1, vantagem que irão jogar a Atenas na próxima semana e num estádio onde Duarte Gomes chegou a trabalhar num ambiente de “pressão surreal” que “faz arrepiar os cabelos até de gente menos impressionável”

O jogo que o SC Braga disputou esta quarta-feira, da primeira mão do play-off de apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões, fez-me lembrar uma viagem que fiz em trabalho à Grécia, há mais de vinte anos.

Em setembro de 2001 fui nomeado como quarto árbitro do Panathinaikos-Arsenal, jogo então dirigido pelo Vítor Pereira, relativo à fase regular da prova milionária da UEFA. A equipa ateniense acabou por derrotar o gigante inglês (venceu por uma bola a zero) muito empurrada pelo ambiente absolutamente efervescente que se vivia e respirava no Apostolus Nikolaidis.
Na altura ainda não era árbitro internacional (recebi as insígnias em janeiro do ano seguinte) e estava há poucos anos na primeira categoria nacional.
Recordo-me de me sentir meio-deslumbrado com tudo aquilo: do ambiente de verdadeira loucura que nunca tinha experienciado ao facto de estar lado a lado com jogadores de topo, que apenas conhecia das cadernetas e dos resumos televisivos. Foi incrível estar tão perto de lendas como o Thierry Henry, o Robert Pirès, o Patrick Vieira, o Andy Cole e o Kanu, Karagounis, Olisadebe, Vlaovic, Paulo Sousa e tantos outros...
Nos bancos técnicos, parte que me competia gerir com discrição e eficácia, encontrei um Arséne Wenger quase sempre descontrolado, porque incomodado com o rumo que o jogo parecia levar desde o apito inicial.
Lembro-me o ver insatisfeito e muito crítico em relação a tudo e todos (até para com os seus atletas), sobretudo com as decisões que o Vítor tomava em campo, fossem mais impactantes ou apenas ‘meros’ lançamentos laterais sem qualquer relevância técnica.
Talvez por ser algo inexperiente àquele nível, confesso que não tinha o conceituado técnico francês como alguém tão temperamental e emotivo, mas aos poucos percebi que não se tratava de má educação nem desrespeito: ele era mesmo assim: intenso, aguerrido, ativo. Vivia o seu trabalho com muita garra, energia e não parava quieto um único segundo. Percebi ali que a exigência em alta competição era elevadíssima e o peso de cada vitória ou derrota era muito maior do que os números traduzidos no resultado final.
Mas do que realmente guardo memória - e deixo esse ‘alerta’ à equipa bracarense, que visitará Atenas na próxima semana - é da pressão surreal que os adeptos gregos fazem, do primeiro ao último segundo de jogo. Aliás, a pressão começa bem antes e é verdadeiramente impressionante.
Impressiona logo à chegada, algumas horas antes do início da partida, com ruas cheias de bandeiras e cachecóis verdes, acompanhados por fumos e ruído ensurdecedor. É um apoio maciço, brutal, que faz arrepiar os cabelos até de gente menos impressionável e sensível. As viaturas oficiais, que transportam as três equipas, tiveram dificuldade em chegar à garagem.
Lá dentro e apesar da capacidade do estádio não ser nada por aí além, a atmosfera é ainda mais infernal, porque os cânticos, as coreografias, o som é tremendo e não tem folga. Não pára um segundo. Foi assim naquele dia e, pelo que sei, não mudou desde então.
Lembro-me também de ver dezenas e dezenas de adeptos pendurados nas varandas dos prédios que existiam nas redondezas (não se ainda existem), nomeadamente atrás de uma das balizas do estádio.
Os jogos ganham-se dentro de campo, é certo, mas a presença do tal décimo segundo jogador diz-se fundamental e, em Atenas, o SC Braga deverá ter isso em linha de conta.
Não sei se foi coincidência ou não, mas na nossa viagem de regresso, cheguei ao aeroporto e reparei que não tinha o bilhete para o voo de regresso (na altura era necessário). Ficou esquecido no quarto do hotel e a brincadeirinha custou-me um bilhete novo, comprado de improviso, em cima da hora.
Lá se foi o dinheiro do prémio de jogo, mas ficou a memória de uma jornada absolutamente inesquecível. Há jogos e jogos e esse ficou gravado para sempre.

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