Crónica

Philipp Lahm jogou com Xabi Alonso. Hoje vê nele um pouco de Benítez, Mourinho, Guardiola enquanto domina o futebol alemão

Xabi Alonso e Philipp Lahm foram companheiros de equipa no Bayern de Munique. Hoje, o espanhol treina o Bayer Leverkusen que conquistou o título alemão pela primeira vez.
Xabi Alonso e Philipp Lahm foram companheiros de equipa no Bayern de Munique. Hoje, o espanhol treina o Bayer Leverkusen que conquistou o título alemão pela primeira vez.
Matthias Hangst/Getty

Como jogador, Xabi Alonso era um estratega. Agora é treinador, o seu Bayer Leverkusen já é campeão da Bundesliga, ainda não perdeu um jogo esta época e isso diz qualquer coisa sobre o futebol alemão, escreve Philipp Lahm. Apesar de não ter os milhões da Premier League, tem duas equipas nas meias-finais da Liga dos Campeões. No futebol germânico, tudo é sobre mentalidade

Philipp Lahm jogou com Xabi Alonso. Hoje vê nele um pouco de Benítez, Mourinho, Guardiola enquanto domina o futebol alemão

Philipp Lahm

Antigo campeão do Mundo de futebol

Pergunta: Xabi Alonso está, inesperadamente, a dominar a Bundesliga com o Leverkusen e, de repente, o Bayern e o Dortmund estão nas meias-finais da Liga dos Campeões. Como é que isso acontece e o que nos diz sobre o futebol alemão?

O futebol é, felizmente, um jogo. A vitória e a derrota são muitas vezes decididas pela sorte. Quando os melhores dos melhores se encontram, ela representa cerca de 20%. O sorteio aumenta ainda mais esse fator sorte. Isso é bom, faz com que seja possível existirem novos vencedores.

Os quartos de final da Liga dos Campeões juntaram o Manchester City e o Real Madrid no confronto mais espetacular do futebol europeu nos últimos três anos. Mais uma vez, o jogo cumpriu o que prometia e emocionou-nos pela intensidade e grandes golos. Na segunda mão, Carlo Ancelotti pôs todos à defesa e disse que era a única forma de o Real ter uma oportunidade de ganhar. O desempate por penáltis foi decidido pela psicologia.

Se houvesse um ranking mundial no futebol de clubes como existe no ténis, não há dúvidas sobre quem seria o número um. Nos últimos cinco anos, o City marcou o maior número de pontos na liga nacional e, no ano passado, também ganhou a nível internacional. A máquina azul-celeste de Pep Guardiola consegue uma precisão constante. O Real estaria em segundo lugar. O clube venceu a Liga dos Campeões 14 vezes e foi o primeiro a ganhar três vezes seguidas, o que antes parecia impensável. Está a reinventar-se novamente sob o comando de Ancelotti. Se houvesse uma classificação como no ténis, esta dupla seria a que naturalmente estaria a disputar uma final.

Este ano, o Liverpool também volta a desafiar o City. A cada três anos, Jürgen Klopp constrói uma equipa fisicamente forte que perturba a máquina azul-celeste com o seu futebol de contra-ataque. Os reds mereceram a sua vitória num jogo de topo da Premier League e é muito raro ver o City dominado daquela maneira. Sem o Rodri, a máquina teria, provavelmente, sido demolida. (Na minha opinião, Rodri merecia ter ganhado o prémio de melhor Jogador do Ano).

Todos os ingredientes para o futebol de topo estão presentes em Manchester, Madrid e Liverpool: têm alguns dos melhores jogadores e treinadores que desenvolvem uma equipa ao longo dos anos. Na Bundesliga, Xabi Alonso é o melhor treinador. Era um jogador de topo e um estratega em campo. Agora, na sua primeira temporada completa no Leverkusen, já moldou uma equipa com estilo que merece ser campeã.

O próprio Alonso foi moldado nos grandes clubes como Liverpool, Real e Bayern. Ali passou pelas escolas de grandes nomes internacionais. O estilo de Rafael Benítez e José Mourinho era bloquear o caminho do adversário para o golo e aproveitar ao máximo o momento em que a equipa ganhava a posse de bola. Guardiola tinha uma resposta ofensiva. A sua posse de bola no meio-campo contrário requer um grau ainda maior de organização.

Agora, é possível ver todos os que simbolizam o sucesso na Bundesliga. Benítez, Mourinho, Guardiola – estão todos em Alonso. Ele dá aos seus jogadores segurança e autoconfiança. Florian Wirtz, que provavelmente tem tudo o que é preciso para ser um estraordinário atacante, está a ser moldado pelo seu estilo. Jonathan Tah pode estar especialmente grato. Mesmo com 18 anos dava para ver que poderia ser um bom defensa central. Depois desapareceu do mapa. Agora, aos 28, voltou a aparecer. Este exemplo mostra a importância que um treinador tem para um futebolista.

É interessante que tenha sido o Leverkusen, de todas as equipas, a acabar com onze anos de vitórias consecutivas do Bayern. A UEFA lista o Bayern de Munique, o Borussia Dortmund e o Eintracht Frankfurt entre os vinte clubes com maior volume de negócios na Europa. O Leverkusen não entra nessa lista. Emerson, Michael Ballack, Lucio, Zé Roberto e Bernd Schneider já passaram pelo clube que chegou à final da Liga dos Campeões em 2002. Atualmente, o Leverkusen não é o mesmo e clubes maiores poderiam comprar essas estrelas de topo. A equipa atual vale cerca de metade do que a do Bayern valia antes do início da época.

É por isso que o campeonato do Leverkusen me lembra um pouco o do Leicester City em Inglaterra, em 2016. Atualmente, isso já não é possível porque a competição na Premier League cresceu rapidamente desde então. Em Manchester e em Liverpool, além de investirem muito dinheiro nas suas equipas, também avançam de acordo com o plano de um treinador inteligente. O mesmo acontece agora no Arsenal com Mikel Arteta, um discípulo de Guardiola. Todas as três equipas marcaram 80 pontos ou mais nesta época. A Bundesliga não tem uma competição a este nível.

É por isso que a equipa de Xabi Alonso se destaca no campeonato alemão: tem uma ideia de jogo, o que a distingue dos seus adversários. Enquanto noutros países, especialmente com os treinadores espanhóis e italianos neste momento, se concentram mais na estrutura e na ordem, o futebol alemão é sempre e apenas sobre mentalidade.

Esta é também a razão pela qual jogadores como Jude Bellingham, Kai Havertz e Erling Haaland tiveram de sair da Bundesliga para se tornarem jogadores de classe mundial. Ou a razão pela qual a autoconfiança e segurança de Joshua Kimmich diminuíram. Lembro-me bem de como beneficiou da liderança de Guardiola quando jogou com os grandes pela primeira vez. Isso foi há oito anos. Hoje, Kimmich está no seu auge, mas, como lateral, joga numa posição que não é idealmente adequada aos seus talentos. Isso é incomum.

O futebol alemão tem outras virtudes e a Bundesliga também tem máquinas. Os seus componentes são a luta, a paixão e a resistência competitiva. Procuram fazer passes fortes, nunca desistem e deixam poucas coisas à sorte. O Bayern, em particular, é imprevisível, mas o Dortmund também pode sobreviver a altos e baixos. Os seus sucessos nem sempre podem ser totalmente explicados e é por isso que não são os primeiros no ranking mundial. Mas estas características adequam-se ao jogo de futebol e já levaram Gary Lineker ao desespero.

O jogo entre o Bayern e o Dortmund nas meias-finais da Liga dos Campeões prova mais uma vez que a Bundesliga tem muitos recursos. A Alemanha é o segundo país financeiramente mais forte do mundo e tem toda uma Europa a que pode recorrer, e é o país mais populoso da União Europeia, o que é particularmente importante no futebol.

Nestas alturas penso em Franz Beckenbauer, que depois do Campeonato do Mundo de 1990, disse que se a seleção contasse com jogadores da Alemanha Oriental, o país seria imbatível nas décadas seguintes. Não foi bem o que aconteceu, mas, tal como o seu lema, essa expressão tinha alguma verdade: “Vamos lá, jogar futebol! Não façam um grande alarido, entrem, joguem e façam a vossa própria sorte!”

*texto escrito em colaboração com Oliver Fritsch, do jornal Zeit Online.

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