Crónica

A arbitragem a uma só voz

A arbitragem a uma só voz

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Em Ponta Delgada, o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol reuniu com os 22 presidentes dos CAs distritais e regionais para mais um Encontro Nacional - o Fórum da Arbitragem - que pretendia, mais do que discutir temas técnicos ou operacionais, reforçar uma ideia essencial: o futuro constrói-se em conjunto, com diálogo proximidade e cooperação

Há lugares que nos lembram que o futebol é muito mais do que um jogo. Nos últimos dias, o arquipélago dos Açores voltou a provar-nos isso mesmo.

Em Ponta Delgada, o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol reuniu com os 22 presidentes dos CAs distritais e regionais para mais um Encontro Nacional - o Fórum da Arbitragem - que pretendia, mais do que discutir temas técnicos ou operacionais, reforçar uma ideia essencial: o futuro constrói-se em conjunto, com diálogo proximidade e cooperação.

O contexto não é fácil, sabemos disso: a exigência é alta, o escrutínio permanente e a pressão diária. Não é apenas na espuma de três ou quatro jogos no topo da pirâmide, é sobretudo na dificuldade de gestão dos muitos milhares de outros se jogam um pouco por todo o lado.

Também por isso aquele espaço de reflexão se tornou tão relevante.

Debatemos, olhos nos olhos, os desafios da arbitragem nacional, distrital e regional — a base, o alicerce, a porta de entrada para os mais novos — e refletimos sobre a forma como a casa-mãe pode complementar e reforçar o trabalho extraordinário que já é feito localmente.

O objetivo é claro: uniformizar critérios, padronizar procedimentos, organizar metodologias, criar referências comuns e garantir que todos vestimos a mesma camisola (de Bragança ao Pico, de Faro a Vila Real, da Guarda à Madeira).

Mas o Fórum Nacional de Arbitragem em São Miguel foi só o ponto de partida. Concluído o encontro, fizemos uma ronda por várias ilhas da região, onde confirmámos que a realidade ganha contornos ainda mais humanos e de proximidade.

Em Angra do Heroísmo (Ilha Terceira), no Faial (Horta) ou na ilha do Pico, reunimos com dirigentes, formadores, técnicos, observadores, árbitros experientes e meninas/meninos a darem os primeiros passos na carreira.

Foram cinco ações de formação em contextos distintos (para clubes e agentes de arbitragem). Em todos sentimos o mesmo: vontade de aprender, compromisso com a melhoria e uma enorme paixão e dedicação à causa, em contextos extremamente desafiantes.

Falámos de critérios técnicos, claro, mas também de comunicação, liderança, ética, integridade e tomada de decisão.

Falámos da responsabilidade que é representar o futebol regional, nacional e profissional e da importância que cada gesto ou palavra podem ter na perceção que criamos para fora. Partilhámos dúvidas, debatemos casos práticos, clarificámos estratégias de ação, mas sobretudo consolidámos aquilo que era o mais importante: a criação de uma cultura comum, da base ao topo.

A arbitragem nacional não se constrói apenas a conhecer as regras de futebol ou a tomar decisões difíceis em noventa minutos de jogo. Constrói-se com pessoas. Com os que formam, observam e com os que decidem dentro e fora do terreno de jogo. Constrói-se com os que se dedicam diariamente para garantir que cada competição, em cada ilha ou cidade, em cada canto do país, decorre com rigor, justiça e respeito.

A missão deste Conselho de Arbitragem e da sua Direção Técnica é também essa: estar presente, ouvir, apoiar, formar e tentar elevar o nível a um patamar de maior exigência e consistência. A um patamar de excelência. E isso só é possível quando caminhamos lado a lado, de norte a sul, de um arquipélago ao outro.

Tal como as outras vinte Associações de Futebol que já visitámos e onde já reunimos (falta a da ilha da Madeira - está para muito breve), também os Açores mostraram-nos que a distância não afasta, pelo contrário: aproxima, faz crescer. E lembra-nos ainda que, quando trabalhamos com propósito e partilha, terra ou mar deixam de ser obstáculo.

Regressámos ao continente com a certeza de que estamos no caminho certo e com a convicção de que a classe e as suas estruturas nacionais, distritais e regionais continuarão a afirmar-se com coesão, competência e firmeza.

Uma arbitragem a uma só voz. É esse o compromisso, é essa a missão, num caminho longo, espinhoso e, também por isso, mais aliciante do que qualquer outro.

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