O que se faz no primeiro estágio após uma qualificação histórica para o Europeu?
O objetivo é voltar a encontrar, relembrar aquilo que foram os nossos grandes princípios, voltar a trabalhar ao nível das referências básicas. É voltar a trazer o corpo delas àquilo que são os princípios culturais da equipa. Este primeiro estágio é sempre um estágio de choque para elas, porque elas sabem o que têm de fazer - isso é o lado consciente - mas depois o lado inconsciente, o lado prático, acaba por não sair muito bem, porque todas elas têm culturas diferentes e, sendo jogadoras ainda em formação, mudam muito em pouco tempo. Em três semanas as jogadoras ficam diferentes e portanto também será um estágio para nós percebermos como elas estão.
Como se gere um estágio tão curto, de quatro dias, como dois jogos?
Gerimos como sempre fazemos: nós nos treinos habitualmente já fazemos tudo num registo competitivo. Obviamente que não tem o caráter da competição formal, mas o estágio com dois jogos permite-nos dar uma informação muito crua daquilo que são as nossas intenções e daquilo que é o nosso estado de concretização. Por isso é que optamos sempre por adversários difíceis, porque são eles que nos dão a fotografia real do ponto em que está o processo. Quando os adversários são mais fáceis, por vezes iludimo-nos nalgumas coisas, pensando que as coisas estão resolvidas e muitas das vezes não estão. Portanto, queremos dar um sentido ao que temos vindo a trabalhar ao nível de princípios e objetivos e nos jogos tentar colocá-los em prática e voltar a ter rotinas de jogo, até porque normalmente são momentos muito marcantes para elas.
Defrontar adversários de nível mais elevado fez a diferença no rendimento superior da seleção?
É assim, o nível do adversário é sempre importante porque é ele que tem uma palavra a dizer naquilo que é o plano de intervenção de jogo. O que nós sentimos é que os adversários mais fortes nos obrigam a ser mais fortes. Quando estamos num contexto internacional e temos de lutar por um apuramento com adversários difíceis isso obriga-nos à superação máxima, que é, sem tempo, conseguir que um processo evolua rapidamente, porque apesar do talento individual das meninas nenhuma equipa consegue que o talento individual tenha qualidade se a própria equipa não tiver qualidade. Nós precisamos de tempo para trabalhar e num contexto de seleção é difícil.
Como se dá a volta à falta de tempo para treinar numa seleção?
Primeiro é preciso ter a noção do tempo que se tem e fazer com que o tempo seja rentabilizado ao máximo.
Como se hierarquiza o que se quer trabalhar?
O que nós fazemos primeiro é querer tornar a equipa coletiva o mais rápido possível. Aquilo que conseguimos fazer é arranjar um conjunto de suportes, ao nível coletivo, para destacar mais facilmente o lado individual. Enquanto no clube temos algum tempo para cimentar as coisas e o processo pode ser um pouco mais gradual, na seleção o nosso foco é agregar coletivamente, fazer com que todas tenham os mesmos princípios e através disso conseguir ganhar jogos. É claro que é preciso tempo para assimilar esses grandes princípios mas não temos alternativa. Isto é, num contexto de seleção temos de fazer algo que no clube não precisamos de fazer com tanta qualidade, que é a hierarquização. Na seleção temos 50 coisas para resolver mas temos de escolher apenas a prioritária. E isso faz a diferença. Num contexto de clube podemos escolher a primeira, a segunda... E fazer uma ginástica diferente.
Como é que gerem emocionalmente jogadoras que neste momento tudo o que querem, talvez até mais do que ganhar pelos clubes, é estar na seleção e no Europeu?
O importante é perceber que uma jogadora que pense dessa forma não há de ser uma jogadora de seleção ou não há de estar no topo muito tempo. Uma jogadora de seleção tem de ter sobretudo atitude e isso tem de se refletir todos os dias. Se não há melhoria e superação no trabalho no clube então não há de ser num contexto europeu que elas vão conseguir isso. A superação resulta do talento e da qualidade do trabalho. Se elas não trabalham, à partida o talento não se vai manifestar. Portanto o trabalho no clube é fundamental e elas têm de ter essa noção, se não não vão ser melhores dia a dia.
Como é a jogadora portuguesa?
A jogadora portuguesa é culturamente uma jogadora que gosta de ter a bola, com caraterísticas morfológicas, no geral, de grande agilidade e de grande capacidade de jogar em espaços curtos. E tem também uma característica que é a capacidade de superação. É uma jogadora que tem muita alma e isso é um lado que é muito importante, sobretudo nos contextos internacionais que nós disputamos, em que o grau de dificuldade é elevado e essa capacidade permite que elas se transcendam e consigam dar coisas que normalmente não dão em contextos de facilidade. Essas são as características da jogadora portuguesa de topo - e é também uma jogadora inteligente, porque gosta sempre de saber aquilo que faz. E isso exige que o treinador seja coerente, porque a necessidade de ter de ser eficaz ao longo do tempo é grande, porque os problemas que vão aparecendo são variados. Elas precisam de uma resposta e normalmente procuram-na naqueles que as orientam e quando o treinador não tem essa capacidade de resposta às vezes elas ficam um bocado dececionadas e a dificuldade de liderança passa um bocadinho por aí.
É mais difícil lidar com elas? Ou o jogador português é semelhante?
Acho que cada grupo é um grupo, mas não é difícil lidar com elas. Temos de ter sempre a capacidade de perceber que lidar com alguém é sempre um processo com dois lados e quando não estamos a conseguir obter o que queremos do outro lado é porque nós também temos de perceber o que estamos a dar e o que está a falhar na nossa comunicação. Às vezes olhamos e pensamos "não devíamos ter feito isto desta forma", mas penso que isso é ser treinador. Quem é treinador sabe que isto é uma paixão e há que tê-la para conseguir gerir estas coisas.
Andamos a estragar a jogadora e o jogador português empurrando-os para os ginásios?
É assim: existem várias metodologias de treino e cada um é livre - vivemos num país livre - de seguir a metodologia que entende. O que penso é que as metodologias para o futebol têm de assentar no futebol. Somos das poucas atividades que vão ao atletismo, vão ao culturismo e vão a outras atividades que não vale a pena mencionar buscar um conjunto de aspetos para tentar trazer coisas para o futebol. E o que penso é que o importante é haver coerência. Quando se opta por um tipo de metodologia, há que ter coerência. É quase como ter uma opção religiosa: se uma pessoa é cristã, tem de seguir um determinado registo, não pode seguir outro. Há um conjunto de princípios e valores metodológicos que têm de ser cumpridos e entristece-me ver muitas vezes que as pessoas não assumem a sua opção metodológica. Às vezes não sei se será por falta de conhecimento ou se é por entenderem que é melhor assim. Acredito que o jogador português é um jogador com talento e o treinador português também é um treinador com talento. Penso que a qualidade do treinador português é indiscutível mas acho que nós temos de ir para o jogo e perceber que o jogo tem tudo. Tudo o que é preciso está no jogo. Portanto, tudo o que seja extra jogo não pode trazer algo para o jogo. É a minha opinião. Mas mais grave do que as pessoas irem buscar outras coisas fora do jogo é irem a outras modalidades e fazerem uma conjugação de coisas como se umas não afetassem as outras - porque afetam. Quando nós queremos desenvolver o jogo, temos de olhar para o jogo e inquinar o jogo no sentido daquilo que nós precisamos, encontrando a resposta no jogo. De forma isolada não acredito que sejamos capazes de dar as respostas necessárias. O corpo no jogo não é um corpo qualquer. Se o corpo precisa de alguma coisa, há de ser no jogo que vai encontrar isso. É no jogo que estão todas as soluções possíveis.
Simplificando: é ridículo ainda termos jogadores e jogadoras a subir e a descer bancadas?
São opções metodológicas. Tenho de respeitar. Não acredito que isso possa ser uma mais-valia para um processo, porque não o faço nos meus processos. No entanto, faz-me mais confusão os treinadores que têm o mesmo objetivo que esse treinador que manda subir e descer escadas só que põe uma bola pelo meio. O objetivo é o mesmo, só que põe ali uma bola só para enfeitar. Se as pessoas acham que é importante subir e descer escadas então que o façam, sem medos. O que acho mais importante é a coerência metodológica nas opções dos treinadores.
Como chegaste a essa forma de ver o futebol?
Porque tive - e tenho - um professor na faculdade de desporto da Universidade do Porto, o professor Vítor Frade, que foi marcante no meu percurso - e continua a ser, porque aprendo todos os dias com ele. Foi uma pessoa que sempre nos mostrou a possibilidade de haver caminhos alternativos ao que existia há dez ou quinze anos. Essa foi a luz que se fez e se faz continuamente na partilha de opções e de discussão de muitas coisas, porque ele adora o jogo, adora o treino e é muito inteligente. E quando as pessoas são muito inteligentes normalmente encontram soluções que nós se calhar nunca iríamos encontrar e tenho o privilégio de ter uma relação com ele em que procuro discutir os meus problemas e achar respostas.
É alguém que influenciou e influencia muitos treinadores em Portugal.
É uma pessoa que teve imensa influência em muitos treinadores porque foi professor deles na faculdade e atualmente tem uma relação um bocadinho diferente, porque procura partilhar informação com os treinadores, através da partilha de documentos. O que ele faz é fabuloso, porque nós abrimos o jornal e lemos o jornal, e no dia seguinte recebemos a mesma folha do jornal, vinda do professor, mas sublinhada e com notas que fazem com que aquele texto seja completamente diferente. E quem recebe isso passa a ver coisas que não viu no dia anterior. Isso é o melhor que um professor pode dar, é a capacidade para vermos coisas que não víamos. Acho que ele tem uma grande influência e isso tem sido visível em alguns treinadores nacionais.
Sobretudo a partir do sucesso do Mourinho. Porque o adepto comum não sabe quem é o professor Vítor Frade.
Sim, mas o professor também nunca foi uma pessoa de trabalhar ao nível da própria notoriedade, da imagem dele.
Pois, ele não dá entrevistas.
[risos] Exatamente. É muito à base do contacto pessoal e de valorização da relação. Estimula muito a relação e o gozo que tem pelo jogo, pelo treino, dentro da capacidade que tem de pensar as coisas, sempre de uma maneira muito à frente.
Sendo uma pessoa mais ou menos desconhecida, é uma pessoa que influencia muito o futebol em Portugal.
Penso que sim, mas isso acho que só as pessoas é que podem dizer. Mas eu acho que sim, pelo menos por ter levado as pessoas a pensar no modo como trabalhavam.
Foi ele o criador da periodização tática, uma metodologia da qual se começou a falar a partir do sucesso do Mourinho. O que é isso?
A periodização tática é uma metodologia de treino criada pelo professor Vítor Frade, há 40 anos, que tem sido desenvolvida ao longo dos anos e continua em evolução porque o professor trabalha nela todos os dias, e é periodização tática porque a tática aqui é entendida como a ideia de jogo que se pretende operacionalizar ao longo de todo um processo. Para isso, existe uma periodização, que é periodização do jogo da nossa equipa. Trabalha o jogo da equipa todos os dias. De uma forma muito simples, é isto.
Lançaste há uns anos um livro intitulado "o desenvolvimento do jogar, segundo a periodização tática". A primeira vez que o li não o consegui perceber.
Foi a minha tese final de licenciatura, que acabou por ser publicada. É um livro que pode ser complicado, mas que traduz o que é a periodização tática. É comum pedirem-me para falar sobre a periodização tática, mas a periodização tática não se explica, estuda-se. É algo que exige muito trabalho. É importante que as pessoas leiam com muita regularidade e com muita frequência. Mas ler com olhos de ler, ler e investigar. Colocar coisas em prática, refletir sobre elas, discutir, partilhar com outros treinadores, no sentido de percebermos as nossas incoerências, as nossas falhas, as nossas dificuldades. E exige sobretudo uma ferramenta fundamental, que é conhecer o jogo. Quem não conhecer o jogo não consegue trabalhar com a periodização tática. E exige-te o respeito de um conjunto de princípios metodológicos, que eu entendo que não sejam muito fáceis, mas também não acho que sejam difíceis. A periodização tática se for vista e analisada por uma pessoa que não tem ideias feitas é capaz de ser mais fácil de perceber do que por uma pessoa que já tenha um conjunto de valores que não são coincidentes. Mas também confesso que o livro atualmente já não corresponde totalmente ao que penso. Isto é, precisaria de uma atualização. Não na sua essência, mas em alguns aspetos que poderiam ser melhorados.
No mundo do futebol o nome Marisa Gomes é reconhecido por muitos treinadores. Sentes isso?
Não tenho essa noção. Falo com as pessoas normalmente e falo com elas habitualmente porque partilhamos a mesma metodologia e discutimos as coisas. Sinceramente não sei. Procuro é uma coisa... Acho que todos ganhamos com a partilha. Se nós partilhássemos todos as coisas, o treinador português seria ainda mais forte, com certeza. Acho que já é forte, mas ainda poderia ser mais. Por isso é que não vejo inconveniente nenhum na partilha de ideias, treinos e metodologias, porque cada processo é um processo, e cada processo exige muita inteligência e sensibilidade de cada um. E depois é o lado pessoal, que as pessoas têm de ir melhorando, porque isso também se trabalha. É o que tento fazer todos os dias [risos].
Sentes que isso é o teu lado menos bom como treinadora?
Sim... Como treinadora sou uma pessoa que gosta de ir para o treino e o que mais gosta de ver é superação. Isto é, é ver as jogadoras a fazer coisas que nem elas estavam à espera de conseguir fazer. É eu conseguir criar contextos em que elas são obrigadas a fazer isso e ver o crescimento do processo diariamente. Isso é algo que me alicia. Um amigo comentava comigo num dia destes que sentia falta do treino e realmente para quem treina com paixão e se dedica 100% ao treino e reflete sobre o treino, planeia o treino e está no treino de uma forma muito envolvida, isso tem muita adrenalina. Nós chegamos ao final do treino tão cansados como as jogadoras. É algo que eu adoro. Mas também me obriga a chegar ao final do treino e pensar "isto não correu bem porque não consegui que acontecesse isto ou aquilo". O processo de superação que exigimos aos jogadores também temos de exigir a nós próprios.
Estás na seleção A feminina e na seleção sub-17 feminina e mais alguma coisa?
Não, neste momento é só.
E não sentes falta, quando não há estágios?
Sinto falta do treino e da competição. O dia que eu mais gosto é o dia da competição. É o sentimento de querer... É quase como os jogadores. O dia de jogo tem tudo. Independentemente do resultado, o jogo tem tudo. Pode trazer uma frustração enorme, pode trazer uma alegria enorme. Mas nós trabalhamos para aquele dia. Aquilo que faço quando não estou em estágio é investir muito na investigação, fazer a reflexão profunda daquilo que é trabalhado e investir muito na planificação e na visualização de jogos. A investigação profunda permite-me conhecer outras coisas que no trabalho de clube às vezes não tinha tempo para conhecer.
Já ouvi jogadoras dizerem, muito impressionadas, "a professora Marisa nos estágios lê artigos em francês".
[risos] Não sei se isso transparece para as jogadoras mas a verdade é que sou muito transparente. Isto é, o que eu penso, eu digo às jogadoras. E elas também têm de me dizer o mesmo. Tenho de estar no processo a 200% com elas. O que lhes transmito é o que sei. Claro que muitas das vezes não lhes digo com o grau de profundidade que sei, mas tanto lhes digo que estão a ser espectaculares, porque o sinto, mas também sinto - e acho que é um defeito que tenho de melhorar - que sou demasiado exigente às vezes e para elas terem o meu "espectacular" têm de trabalhar muito. A nossa relação é de transparência total. Quando estou furiosa elas também o sabem, e sabem sempre os motivos das coisas. Sabem quando estou contente, quando estou triste, e quando estou particularmente contente ou triste com uma, o grupo sabe, porque isso é ser um grupo. Ou estamos ou não estamos. Não consigo estar de outra forma. Sei que isso também tem aspetos negativos, porque acaba por ser tudo muito intenso, mas penso que vale a pena viver assim. Viver as coisas pela metade é mais difícil.
É verdade que às vezes no estágios alongas as jogadoras, uma a uma, à meia-noite, após os jogos?
É possível. E porquê? Todas elas são diferentes. E isso não é dar a mesma coisa a todas ao mesmo tempo. Isto é, elas são diferentes. Há umas melhores, há umas piores, há umas mais bonitas, há umas menos bonitas, há umas mais engraçadas, há umas menos engraçadas. Eu não tenho a mesma relação com todas, porque umas precisam de espaço, outras toleram melhor a brincadeira, outras são mais introvertidas... A relação que tenho com cada uma, todas sabem. Nós estamos aqui para servi-las, para ajudá-las a serem melhores.
Não é uma coisa muito comum.
Mas tem de ser porque todas elas são diferentes. A relação muscular é diferente, a fadiga também se acumula de forma diferente, o estado de recuperação também. Acho que nós treinadores conhecemos isso melhor do que ninguém e temos uma vantagem: vemos o jogo e sabemos o tipo de esforço que fizeram e sabemos que no dia seguinte algumas vão ter mais dificuldades do que outras. É interpretar e agir. Seja a alongar seja a ter uma conversa com uma jogadora em que às vezes elas começam a chorar. Cria-se um sentimento de "ok, estamos juntos e a tentar resolver um problema que possas ter". Isso é ser treinador.
Estás satisfeita com a tua carreira? Continua a não haver assim tantas mulheres treinadoras.
Acho que é relativo. Nunca trabalhei a olhar para o lado. Olho sempre para as jogadoras e para os jogadores, quando treinei no masculino. É o dia a dia que me preenche e me dá prazer. É o olhar para o sucesso e para o insucesso, porque o treinador também falha e o processo de treino às vezes não é bem direcionado. Ou seja, gosto de ser treinadora. Muito. Sempre gostei. Isso é um prazer enorme para mim e estar num nível competitivo elevado é muito estimulante para mim. Adoro estar no contexto de seleção e num espaço competitivo de elite, de grau de exigência muito elevado. Mesmo que isso às vezes implique não ganhar tantas vezes como gostava. Porque me obriga a ser quase perfeita na gestão do processo para que tenhamos sucesso.
Vês-te de alguma forma prejudicada por seres uma mulher no mundo do futebol?
Já estive no futebol masculino e adorei o que fiz. Trabalhei na formação do FC Porto e trabalhei na coordenação do FC Foz. Treinei todos os escalões, desde os pequeninos até aos juniores, e há sempre uma barreira cultural nas pessoas. Felizmente agora quando vou ver jogos vejo muitas mulheres como treinadoras e fico muito contente, porque na minha altura chegava a ter adversários que não me cumprimentavam porque eu, uma mulher, tinha ganho à equipa deles, ou coisas do género. Felizmente isso está a ser ultrapassado e fico muito contente com isso. Mas também acho que há mulheres competentes e mulheres incompetentes. Claro que há algumas barreiras, mas nunca senti na pele o sentimento de "isto não aconteceu porque sou mulher". Se calhar nunca me apercebi.
Já ouvi algumas jogadoras dizerem que as seleções femininas só começaram a ter grandes resultados quando "a professora Marisa" entrou.
Não vou responder a isso. Acho que é muito injusto para as pessoas que trabalham com elas nos clubes e nas seleções, no passado. Quando chegámos cá já havia um processo que já vinha sendo construído. Nós não começamos do zero e isso é preciso ser valorizado. Também podemos ver ao contrário: só conseguimos ganhar porque já havia um passado. São formas de ver as coisas.
E como vês as coisas agora no futebol feminino? A evoluir muito?
Sim. Acho que as coisas já eram coisas. E o que é que quero dizer com isto? As pessoas que estão no feminino estão com um sentimento e uma paixão por aquilo que fazem e acho que isso tem sido contagiante para as pessoas darem o seu melhor. As jogadoras passaram a ser mais exigentes, a competitividade aumentou e toda a gente passa a ganhar um bocadinho mais com isso. Acho que a proximidade que tem sido desenvolvida entre os clubes e as seleções também tem sido boa e o processo ainda cresce mais um bocado. E penso que será sempre a crescer. Tenho de acreditar nisso, se não nem vale a pena vir treinar.
E o que podemos esperar da nossa seleção no Europeu?
Bem, acho que é uma pergunta para o Francisco [Neto, o selecionador]. O objetivo é encarar jogo a jogo, como temos feito até aqui. O que nos fez ter sucesso foi claramente isso. Foi estar sempre à procura das condições que nos levassem à superação, quer em jogo quer em treino. Penso que isso é uma cultura que já não se vai alterar.
Podemos pensar em ganhar um Europeu daqui a dez anos, digamos? A jogadora portuguesa tem essa qualidade, mas é preciso o restante contexto.
Há todo um conjunto de fatores que são muito importantes. Ganhar uma competição assim não depende só da qualidade da equipa, às vezes é do próprio sorteio e das condições em determinados jogos. Depende de um conjunto de pormenores porque o torneio é uma competição muito curta. Um campeonato já é bem diferente e a estabilidade é quase sempre premiada. Num torneio, num Europeu, é claro que temos de ter essa ambição e acho que toda a estrutura da Federação, desde o presidente até às pessoas que estão ligadas ao futebol feminino - e não só - estão todas com essa ambição, de conseguirmos esse título. Mas nada se consegue a pensar no fim. Tem de ser sempre grão a grão.
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