Entrevistas Tribuna

“Muita da mudança que houve no futebol português foi impulsionada pelo professor Vítor Frade”

Mara Vieira tem 35 anos e é treinadora de futebol. Já treinou na formação (masculina) do FC Porto e é atualmente selecionadora distrital (feminina) da Associação de Futebol do Porto
Mara Vieira tem 35 anos e é treinadora de futebol. Já treinou na formação (masculina) do FC Porto e é atualmente selecionadora distrital (feminina) da Associação de Futebol do Porto
Lucília Monteiro

O Porto recebe, de quinta-feira a sábado, o primeiro Congresso Internacional de Periodização Tática, uma metodologia de treino criada pelo professor Vítor Frade - mentor de inúmeros treinadores portugueses de sucesso, como José Mourinho, Vítor Pereira, Carlos Carvalhal ou Luís Castro. Mara Vieira, também treinadora e ex-aluna do professor e metodólogo do FC Porto, explica como surgiu a ideia de criar um congresso a homenagear um nome que pode não ser reconhecido pelo adepto comum, mas tem influenciado o futebol português nas últimas décadas

Uma mulher no futebol sofre?
Acho que não é muito diferente. É algo que todas nós vamos debatendo…

Tem menos oportunidades?
Isso acho que não é só no futebol, é na maior parte das áreas. O futebol é um reflexo disso. Quando olham para nós, não olham muito, também porque ainda há poucas. Não me posso queixar muito porque nunca tive propriamente falta de oportunidades. Se calhar em alguns contextos podia ter ido mais longe. Quase que me disseram diretamente que se fosse homem podia subir mais. Depois, no futebol feminino ainda há poucas equipas em Portugal e há pouco essa cultura de ter um projeto de formação. Tive clubes aqui perto que me disseram “ah, vamos criar futebol feminino”. E eu falava com as pessoas, mas perguntava o que pretendiam e diziam-me que tinha a ver com o que eu conseguisse oferecer. Mas primeiro tem de haver uma ideia do clube. Porque damos as ideias e dizem que está tudo muito bem mas depois na altura não têm capacidade para concretizar. As pessoas ficam entusiasmadas, mas depois o que é que o clube tem para oferecer? A equipa feminina a treinar num campo secundário... e a igualdade? Tem de haver condições. No Valadares Gaia havia mas o senhor presidente José Manuel é um presidente diferente. Mas ainda somos poucas mulheres, para já, e há poucas oportunidades.

Por que é que já não estás a treinar desde que saíste da equipa feminina do Valadares?
Tive ali um tempo de pausa que me fez bem, porque foi assim uma saída um bocadinho conturbada, porque não era o que eu estava à espera naquele momento. Não me entendi com o presidente, mas agora está tudo bem. Mas custou-me em termos emocionais, porque estávamos a lutar pelos primeiros lugares e saí. Depois a Associação de Futebol do Porto acaba por me convidar para ser selecionadora distrital feminina e aceitei. Antes, tinha havido outros convites mas não me pareceu que fosse algo que me fosse motivar muito. No ano passado ainda estive no Fiães, um clube mais pequeno, enquadrada em duas funções: coordenar a escola de futebol, até aos sub-13, e fazer crescer o futebol feminino, que tem uma equipa feminina no Campeonato de Promoção (2ª divisão). Só que, na realidade, não foi nada disto que veio a acontecer e eu a partir de janeiro fiz uma mudança na minha vida, porque vim viver para o Porto com o meu namorado e porque trabalho cá, e Fiães é na Feira. Como disse, as coisas não aconteceram como foi proposto, porque uma coisa é o projeto e o que as pessoas dizem, outra coisa são as condições que depois no proporcionam para fazer o que temos de fazer.

Acontece isso muitas vezes no futebol português?
Muito. Disse que não tinha sido aquilo que falámos no início da época e saí. Já em Valadares tinha funções semelhantes, porque coordenava e conseguia enquadrar as miúdas na formação do clube, juntamente com os rapazes - até podíamos ter turmas só de raparigas mas acho que havia vantagem em ter algumas junto dos rapazes. Também tinha de coordenar os treinadores e era um desafio, e depois tinha a tal parte de desenvolvimento do futebol feminino, que é uma paixão para mim. Relativamente a convites de clubes, só se houver interesse para mim. Interesse de treinar há sempre, porque eu gosto [risos]. Se é mais interessante um clube do que uma seleção? É. Porque o processo é um processo no clube, algo que podemos fazer evoluir, enquanto nas seleções é tudo mais intermitente. Conseguimos ter a nossa identidade e passar algumas ideias, mas no clube é totalmente diferente. Agora, o que penso é que tem de haver condições. Hoje, continuo a ter paixão pelo futebol mas não posso aceitar… não tem a ver com o nível nem com o treinar homens ou mulheres, porque já estive em ambos, mas sim com o que me propõem, é algo que tem de ter uma lógica, se não dá mais chatices do que outra coisa qualquer. Portanto para a próxima época não sei se vai surgir alguma coisa ou não, nem sei exatamente o que vou fazer, mas gostava que tivesse uma lógica de continuidade, como tem o projeto de futebol feminino do Sporting ou Valadares ou o que for. Para quem trabalha o dia todo, como eu, é verdade que gosto muito de futebol, mas chego ao fim do dia, acabo um trabalho e vou para outro trabalho, ou seja, tenho de estar mesmo contente.

Os problemas são iguais no feminino e no masculino?
No masculino treinei sempre gente com muita qualidade e no masculino é mais fácil haver mais qualidade porque eles têm mais anos de prática. Comecei a treinar no futsal do Modicus e depois fui diretamente para o futebol de formação do FC Porto, portanto os miúdos eram muito bons. No Fiães, aceitei para ter outro tipo de realidade, porque o nível é diferente e eu queria experimentar isso, ver um contexto em que há mais dificuldades para perceber melhor como é que as coisas funcionam.

Como é que te tornas treinadora na formação do FC Porto?
Isto tudo começou com a Marisa [Gomes]. Foi um bocado por acaso, mas também pela sensibilidade, que já é bem diferente, do professor Vítor Frade.

Vítor Frade foi professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e é o criador da periodização tática
DR

Porquê?
Ele foi meu professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, foi aí que o conheci. E, para ser franca, acho que nunca falei com ele durante a faculdade. E vou explicar-te porquê: o modo como ele falava, o que ele dizia que precisávamos de conhecer para sabermos mais sobre o jogo e a paixão que ele transmitia... Eu achava-me completamente ignorante. Ele é muito próximo quando fala, mas assusta, como aluna.

Quando entrevistei o Vítor Pereira (AQUI) ele disse que saía das aulas sem perceber nada.
Também eu. Nós tínhamos de fazer sempre uma reflexão sobre as aulas, porque o professor queria que refletíssemos. A grande paixão dele é o jogo e o jogar bem, e depois a metodologia que ele vai criando tem a ver também com este proteger o futebol. Por isso é que a metodologia tem uma determinada lógica e onde é mesmo importante é no topo, por causa das lesões, mas é uma metodologia que se adequa facilmente à formação. Ora, na primeira aula lembro-me de pensar [diz pausadamente]: o que é isto? Primeiro falar de Edgar Morin e sistemas complexos e causas... Pensei que já tinha falado daquilo em filosofia. E ele a relacionar aquilo com um modelo de jogo. E eu pensei que o melhor era ir ler para ver se percebia. Comecei a ler Edgar Morin e ainda entendi menos. Bem, nessa primeira aula, na tal ficha de reflexão que ele pedia, eu disse logo: "Ó professor, peço desculpa, mas não entendi nadinha". Não conseguia fazer nada.

É ele que te leva para o FC Porto?
Depois de acabar as aulas, há uma vez que me cruzo com o professor, quando vou ver um jogo dos miúdos. E ele diz-me que na Escola do Dragão - ainda nem era Dragon Force - estavam a precisar de treinadores. E eu disse que sim, claro. O tempo foi passando e ninguém ligava... Só em agosto é que me telefonaram, estava eu no Modicus a treinar futsal. Fiquei toda contente, claro. Tinha uns 24 anos. Fui falar com o Luís Castro e entrei. Estava lá também a Marisa [Gomes], que estava na escola de futebol e também na formação do FC Porto, mas ela depois decide sair para ir coordenar o Foz. Nessa altura, decidiram que devia ir outra rapariga para lá e falaram comigo. E foi assim. Fiquei durante cinco anos e depois decidi sair porque surgiu outro projeto com uma escola AC Milan, mas não correu nada bem e felizmente depois apareceu o Valadares Gaia.

Porque é que o professor Vítor Frade é assim tão especial?
A primeira grande diferença para toda a gente é esta: o professor Vítor Frade faz-nos refletir. O que é um papel que a universidade no seu todo devia ter. "Que treinadores é que nós queremos formar para eles quando saírem da faculdade?" Nós temos de ter conhecimentos sobre futebol e sobre variadíssimas áreas. E o professor Vítor Frade, das primeiras coisas que faz, é explicar que nós para pensarmos o futebol temos de perceber que é algo complexo e temos de refletir muito sobre as coisas. Porque a malta normalmente está à espera de fórmulas: "O professor há-de dizer e nós apanhamos as coisas e vamos para o campo". O que ele faz é relacionar várias áreas e mostrar como todas elas podem ser importantes para o futebol. Ele é especial porque nos faz a todo o momento querer saber mais e refletir sobre os assuntos, entendendo as coisas na sua dimensão complexa, porque as coisas não são A mais B. E depois também há que dizer que ele tem uma grande paixão. Ele foi treinador, portanto ele é muito especial porque consegue, a partir da prática, um conhecimento. Começa a ter uma série de dúvidas na prática e vai construindo e fundamentando a metodologia. Portanto, não é alguém que é o puro académico. Tem uma lógica de relação com a prática. E, por último, há outra coisa: é que ele consegue acompanhar-nos. Quando estive no FC Porto, ele via os jogos e os treinos e falávamos sobre aquilo. E às vezes víamos jogos, por exemplo, de juniores, e estando ao lado dele durante aquele jogo aquilo era uma lição de futebol. Eu perguntava: "O que é que achou do jogo?" E ele respondia assim: "Não, diga-me você". E eu lá dizia e ele dizia que não era só aquilo, era mais isto, isto, isto. Ou seja, para muitos de nós no FC Porto, ele sempre foi o treinador do treinador. E quantas pessoas destas é que nós temos?

Ele deixou de ter influência direta no futebol profissional, mas continuou sempre a influenciá-lo através da formação de treinadores.
Sim. Quem pode aproveitar os ensinamentos...

E ele continua a compilar documentos com recortes de jornais e revistas, sempre com centenas de páginas anotadas por ele, e a enviá-los para treinadores.
Sempre fez isso. As nossas aulas eram assim. Os nossos apontamentos não eram coisas feitas desde há 10 anos, como acontecia com a maioria dos professores que tive na universidade - eles não gostam de ouvir, mas é assim. O professor Vítor Frade acompanhava o jogo sempre com a atualidade, até para fundamentar a metodologia... Por exemplo, o vírus da pressa no jogo - é assim que a sociedade atual está, com essa pressa. Por isso ele relaciona estas coisas da sociedade com o jogo, mas nunca fugindo do fundamental, que é o futebol. Ele sempre foi assim, com estes apontamentos. Só que agora é tudo enviado por email. Alguns entendem, outros não leem nada.

Quando é que percebeste o que é a periodização tática?
É assim: como é que se entende a periodização tática? Vou-te responder assim: é estudando e lendo. E o mais importante de tudo é a prática como treinador e a reflexão. Não interessa a metodologia se não se entende de futebol e do jogo. Porque a malta hoje não gosta muito de ler. Tive sempre muitas dúvidas e durante muitos anos. A própria metodologia também vai evoluindo, ao longo do tempo. Acho que até hoje continuo a estudar para entender o que é a periodização tática. Há sempre documentos para ler, jogos para observar e o fundamental é a prática e vivências como treinador(a). Acho que as pessoas precisam de tempo para entender a metodologia e é preciso ler o que está escrito.

Então o que é a periodização tática?
A verdade é que é muito complexo para estar a explicar e tu sabes disso. As pessoas põem rótulos. Antes de tudo, é uma metodologia e não um método, e qualquer metodologia pressupõe ter um processo, porque na base disto tudo está a construção de uma forma de jogar. Temos uma ideia para pôr em prática, temos um processo que precisa de tempo para ser construído. Hoje há pessoas que não entendem bem a periodização tática mas falam sobre ela. O problema é que as pessoas às vezes não leem, ou só leem as "gordas". O professor vai explicar isto tudo no congresso. O método é o que eu vejo ao trabalhar no ginásio, que são coisas às vezes aleatórias. Imagina que entras num clube e és a treinadora principal. Todos têm de estar mais ou menos orientados pelas mesmas ideias, o treinador principal, o adjunto, o departamente médico... Quem garante a orientação do processo é o treinador principal e as pessoas têm de ser orientar por aquelas ideias. Imagina que de repente alguém diz: "É preciso um programazinho físico". Algo completamente descontextualizado daquilo que é a ideia do treinador, ou seja, aquilo é uma coisa que não tem a ver e que vai retirar ou acrescentar algo ao processo. Porque as pessoas estão à parte. A periodização tática obviamente não acredita na utilidade de nada disto e o professor depois há-de explicar isso no Congresso. As coisas têm de estar enquadradas, senão a certa altura o departamento médico faz o que quer, o nutricionista também, o psicólogo também e depois o processo é de quem? Assim não há um processo único, há bocadinhos. Uma metodologia não pressupõe isto tipo de coisas, tem de ser tudo enquadrado num só processo.

Mas o treinador principal tem de ter de forma muito clara na sua cabeça o que quer e qual é o processo para chegar a isso. E se calhar muitas vezes isso não acontece e o mais fácil é haver partes fragmentadas.
Também porque as pessoas têm cada vez mais a ideia de fragmentar as coisas, achando que cada departamento pode colaborar mais para a sua área. Mas estamos a tratar de pessoas e de relações e interações entre pessoas. Portanto se as pessoas se entendem melhor interagindo, a maior parte do tempo devem interagir a jogar e a treinar. Neste sentido, os acrescentos que vêm não podem ser separados. "Vamos trabalhar a parte psicológica". Mas que parte psicológica? É uma abstração, esta parte psicológica? Ou é uma parte psicológica que tem a ver com a ideia de jogo que queremos para a equipa? Faz sentido o psicólogo estar fora do processo ou tem de estar enquadrado na equipa técnica? E se o médico diz que falta não sei o quê ao jogador mas o treinador diz que não? Mas aquilo fica na cabeça do jogador: "Não, não, falta-me qualquer coisa, realmente o médico disse que eu tinha uma perna mais curta do que a outra". E torna-se um problema. O que estou a dizer é que o fundamental é que a periodização trata de uma forma de jogar e como é que nós criamos a nossa identidade, seja qualquer seja a forma de jogar, porque também há a confusão de achar que a periodização tática está ligada a uma forma de jogar. Não está nada. É uma metodologia com uma determinada lógica e alguns princípios, mas a ideia de jogo é diferente de treinador para treinador. É claro que, se for uma ideia muito pobre, que processo é que vais dar a isso? Vais construir alguma coisa se for pontapé para a frente e jogo aleatório? Se não houver uma ideia prévia, não há construção nenhuma. Acho que esta é a principal confusão. Algumas pessoas deram a periodização tática como se fosse mais um metodozinho. Mas não é nada disso.

Foi por isso que foi organizado este congresso?
Foi também com este propósito que foi criado o congresso e é também o início de um projeto com a marca "periodização tática by Vítor Frade". Pretendemos fazer o congresso e depois fazer formações dentro desta temática, certificando-as, porque, por exemplo, em Espanha, a periodização tática é tratada como um método e são vendidos cursos completamente fora daquilo que é a realidade da periodização tática. Acho que era importante criar algo para as pessoas que querem mesmo saber em profundidade o que é isto. E o congresso é em homenagem ao professor Vítor Frade.

Então não foi ele que pensou nisto.
Fomos nós, um grupo de treinadores, que falámos com ele para isto acontecer. Tenho mais dois colaboradores fora da área do futebol, para organizar o congresso, e depois temos algumas pessoas que são treinadores e ex-alunos do professor, e quase todos vão falar no congresso. Isto foi uma ideia nossa, não foi nada do professor, mas obviamente depois falámos com ele. Foi uma ideia para "proteger" a periodização tática e de alguma forma homenagear o professor, algo em que também tivemos o apoio da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

O professor raramente aparece de forma mais pública, nem dá entrevistas.
Porquê? Porque ele precisa de estar a falar contigo para aí uma semana para te explicar o que é a metodologia. Hoje o mundo só funciona com quem aparece e ele nisso é exatamente o oposto. A realidade é que hoje vem um e diz uma coisa, vem outro e diz outra, e quando uma coisa complexa é tratada como "uma notícia"... Por isso é que te digo, quem quer saber o que é a periodização tática tem de ir ao congresso ou fazer uma formação nesta área, mais aprofundada. Nós tivemos dois anos disto e continuo a aprender. Portanto o que acho importante é as pessoas quererem saber mais. E depois a nossa sorte é o professor estar cá, para lhe perguntarmos as coisas. Ele vai falar no congresso quatro horas, mas tu podes estar a ouvi-lo seguramente durante uma semana. Primeiro é preciso saber de futebol. E depois quem quer orientar o seu processo através desta metodologia, obviamente tem de estudar mais sobre esta metodologia.

E porque ele também diz coisas um bocado...
[interrompe] Complicadas [ri-se]. Tem é de haver uma lógica subjacente ao processo. Mas há muitos treinadores que seguem outras metodologias. O Trapattoni, por exemplo, tem muitos títulos e é completamente convencional. Orientam o seu trabalho de outra forma. Mas a periodização é algo que nós achamos que é mesmo revolucionária. Também por alguma sorte nunca vivi de outra forma. Porque jogava futsal, fui internacional e tive treinadores que também foram alunos do professor. Se calhar até este gosto todo que tenho pelo futebol - na altura não havia futebol onde eu vivia, por isso fui para o futsal - até vem disso, porque sempre jogámos muito o jogo. No desporto escolar também tive muita sorte porque o treinador era o professor [José] Guilherme, que também fazia tudo através do jogo. Mas ele a certa altura sai e chegou lá um novo para substituí-lo. E ele quando chega meteu-nos a correr à volta do campo e assim. Foi imediatamente embora. Porque nós jogadoras não queríamos aquilo, não estávamos habituadas. Normalmente é ao contrário, os jogadores estranham por não haver parte física [risos].

Li algo teu a contar que quando treinavas a equipa feminina do Feirense as deixavas correr só para acharem que estavam a tratar do físico.
É verdade. Mas com o passar do tempo já não queriam correr [risos]. Tínhamos uma boa equipa, de gente nova e com qualidade. Treinei lá enquanto estava na formação do FC Porto, como era feminino não havia problema, por isso saía de um treino e ia para o outro. A primeira coisa que ouvi quando cheguei ao Feirense foi: "Mara, na época passada não tivemos hipótese de subir porque elas estavam muito mal fisicamente". E eu pensei "ai, Jesus". Não há problema. O que fazia era metê-las a correr ali um bocado, em metade do campo, ir e voltar. Quem olhasse, já não me chateava, porque achava que estava ali o físico. Dá para fazer estas coisas. Obviamente era tudo feito através do jogo. E a certa altura elas perceberam isso e já não queriam correr. Mas também o que é que ajuda? Tem de haver resultados. Elas têm de reconhecer que esta maneira de fazer as coisas é diferente para melhor. Não estamos a falar de algo abstrato. É preciso colocar as equipas a jogar para conseguir ganhar mais vezes.

Os oradores no congresso são todos treinadores que treinam segundo a metodologia?
Quase todos foram alunos. Aliás, foram todos, exceto o Luís Castro, que é como se tivesse sido, pelo tempo que passaram juntos no FC Porto. Depois há o Vítor Pereira, que foi aluno, o Carlos Carvalhal, que também foi aluno e já escreveu sobre isso, o Agustin Peralta, que é da formação do Barcelona e explica como é que se "converteu" à periodização tática a partir de Espanha... Ele explica bem que é importante as pessoas terem paciência, porque hoje em dia também não há paciência para nada. Eu quero entender de periodização tática, mas não quero estudar. Ou eu quero ser jornalista, mas quero ser jornalista em duas semanas. Tens de estudar, não é? E tens de ter a prática e refletir sobre a tua prática. E hoje há pouco disso. Como o professor diz, é muita pressa. Também temos o Xavier Tamarit, treinador espanhol, mas ele estudou cá no Porto, portanto teve muito contacto com as pessoas.

Vítor Pereira tem 48 anos
Marcos Borga

Os participantes são só portugueses?
Não, vêm pessoas dos EUA, do Líbano, do Japão, da Polónia, do Chile, da Colômbia, de Espanha... Houve muita gente a inscrever-se. De tal forma que tivemos de mudar o local que estava definido. E a nossa divulgação só foi feita pelo Facebook. Íamos utilizar o auditório da Faculdade de Desporto, para 228 pessoas, mas tivemos de passar para o grande auditório da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, que tem o dobro da lotação. Achávamos que íamos ter muita gente, mas sabíamos lá. Estamos contentes, porque há interesse das pessoas.

Um adepto "normal" consegue ir ao congresso e perceber alguma coisa?
O adepto pode ir e a primeira sensação que vai ter é que realmente isto é mais complexo do que pensava. Afinal há mais ciência no futebol do que aquilo que se fala. O futebol tem algo mais que se deve entender, não é só a paixão. É o porquê de nós funcionarmos em grupo de determinada forma. O adepto poderá ir mas não vai entender, tal como o treinador que tem o primeiro contacto, ambos vão estranhar, porque é algo diferente. Nós, treinadores, é que não podemos falar como adeptos. Eu tenho uma pessoa na família que diz que gostava de ir e é um adepto. Já me chateei quando era mais nova a explicar algumas coisas, mas depois desisti. Mas é bom ir para perceber que o futebol é uma área de conhecimento, onde é preciso saber muitas coisas. Mas alguns adeptos acham que não.

As pessoas ouvem Vítor Frade e sabem quem é?
Penso que sim.

Teve também muito a ver com o sucesso do Mourinho, não?
Também, sim. Mas é de uma falta de honestidade muito grande alguém aproveitar-se de algo que o professor Vítor Frade criou para andar a apresentar como lhe apetece, por isso é que isto é a periodização tática do professor Vítor Frade. Depois pode haver as outras que a malta quiser. Mas isso já é outra coisa qualquer. Mas a metodologia é do professor Vítor Frade. Obviamente muitos conhecem pelo Mourinho e pelo Rui Faria e por muitos outros treinadores portugueses que quiseram também saber mais. Os treinadores às vezes até pedem referências ao professor, porque o treinador principal pode até nem saber exatamente como é que a ideia se operacionaliza, mas ter um adjunto que o saiba. Na minha opinião, muito do que foi acontecendo no futebol português, a mudança que houve do convencional para o entendimento mais forte do jogo, surgiu a partir do professor Vítor Frade.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: mmcabral@expresso.impresa.pt