A primeira pergunta é muito abrangente. Vais participar numa conferência do Expresso votada ao tema “Ativar o Potencial dos Portugueses” e portanto a minha questão é: como se ativa o potencial dos portugueses.
[risos] Como é que se ativa o potencial dos portugueses... [risos]. Bom, o que eu posso dizer é que quando uma pessoa faz aquilo que realmente gosta, a probabilidade de o fazer bem, e de aproveitar o máximo o seu potencial, é muito maior do que se estiveres obviamente a fazer uma coisa que não gostas. Aquilo que eu vou dizer é um bocadinho um cliché: fazer o que gostas é a melhor forma de potenciar.
Mas, no teu caso, para “ativares o potencial” ao máximo, tiveste de sair de Portugal porque havia alguém que não acreditava em ti como médio, mas como defesa-esquerdo, não foi?
[gargalhada] É verdade, é verdade. Tive de procurar oportunidades noutros sítios, porque onde estava não as tinha. E, pronto, segui com a minha vida. Senti que não ia continuar a ser feliz ali [no Benfica] e fui à procura de outro lugar.
Falaste com o Jesus depois disto?
Tivemos uma relação curta, estive com ele pouco tempo, nunca passou disso.
O que é que faz realmente a diferença entre os grandes jogadores e os outros?
Bom, primeiro é preciso saber ler o jogo, ver o jogo, decidir bem nas diferentes fases do jogo. Isso é que é importante. Depois, claro, lidar com a pressão e essa é uma questão mental. Lidar de uma forma natural com essa pressão a que és sujeito todos os fins de semana, todos os dias. Um jogador ser forte mentalmente é das coisas mais importantes no futebol.
Quando dizes que um jogador tem de decidir bem, isso é inato ou trabalha-se?
Isso é uma pergunta para a qual não tenho resposta, sinceramente. É uma questão um bocadinho complexa. Agora, o que eu acho é que há algumas pessoas que nascem com jeito para fazer umas coisas e pessoas com jeito para fazer outras. Eu nasci com jeito para jogar futebol, há quem tenha jeito para tocar piano, para ser jornalista [risos]. Agora, todos os talentos podem e devem ser melhorados. Sim, nasci com jeito para jogar futebol, mas desde muito cedo que treinei muito, pratiquei muito, trabalhei muito para potenciar o que tinha.
Foi com Guardiola que passaste a ler o jogo de forma diferente?
Acho sinceramente que tem a ver com a idade e com os anos que vão passando. Comecei a ler o jogo de outra forma não só com Guardiola. Quando saí do Benfica para o Mónaco, aprendi coisas novas com o Leonardo Jardim, fiquei melhor jogador. E quando saí do Monaco para o Manchester City, aprendi outras coisas com o Guardiola, e também fiquei melhor jogador. Fui evoluindo, sempre, gradualmente. Ninguém sabe tudo.
Que coisas novas aprendeste?
A nível de jogo ou a nível pessoal?
Ambas.
Bom, primeiro ao nível de jogo. Todos os treinadores são diferentes: o Fernando Santos é de uma forma de ver as coisas, o Leonardo jardim tem outra e o Guardiola também outra. Nenhuma é melhor ou pior, são apenas diferentes, ao nível da tática e das ideias. Agora, pessoalmente, o que aprendi com o Guardiola foi a lidar melhor com os momentos de pressão nos grandes jogos. Os jogos da Premier League são vistos em todo o mundo, os jogos da Champions League também, no campeonato inglês jogas mais vezes contra equipas grandes porque há naturalmente mais equipas grandes. Tens de te habituar.
Que conselhos darias a quem está sujeito a esta pressão?
Que conselhos é que eu daria… Primeiro, que aceitem a pressão como sendo uma coisa natural. Quem não sente pressão num jogo destes, como os que estamos a falar, não é normal. Mas, olha, sugiro que se tentem divertir. Bem sei que é um trabalho, mas que desfrutem.
E essa pressão não se pode transformar em ansiedade?
O Manchester City tem especialistas em todos os departamentos.
[....]
Não, não, é verdade. Têm tudo. Se algum dia sentires ou precisares de algo, tens sempre alguém que te pode ajudar, desde fisioterapeutas a pessoas no departamento de comunicação, psicólogos ou até quem te ensine inglês, se necessitares. Claro que o problema da ansiedade tem de ser resolvido. Descontração a mais, é mau; ansiedade, também é mau. Depende de cada jogador conseguir controlar as emoções.
E tu lidas bem com isso?
Eh pá, acho que sim, nunca tive grandes problemas com isso. Faço o que gosto e acho que faço bem, e também tenho a consciência tranquila.
Porquê?
Porque nos dias em que não faço tão bem as coisas quanto poderia, sei que dei tudo o que podia pela equipa. Quando as pessoas dão o melhor, não têm de sentir-se culpadas ou ansiosas.
Acabaste de marcar um hat-trick. Alguma vez te imaginaste a fazer isto?
Foi o meu primeiro hat-trick. Normalmente, esses momentos estão guardados para os avançados, mas desta vez fui eu. Tive sorte de a bola ter sobrado para mim e duas ocasiões. Estou muito contente, claro.
No terceiro ainda meteste as mãos à cabeça.
Pois, porque falhei o remate [risos], mas a bola ainda ficou ali à minha frente. Fiquei surpreendido. Foi ótimo para mim e para a equipa [Manchester City 8-0 Watford], porque começámos a marcar golos muito cedo.
Onde é que guardaste a bola?
Agora, está em casa, aqui em Manchester. Ontem [domingo] acabei de recolher as assinaturas dos meus colegas do Manchester City. Depois, quando for para Portugal, guardo-a na minha casa de Lisboa.
Depois desse jogo, fizeste um tweet em que comparaste o Mendy, colega teu, à imagem dos Conguitos. Apagaste esse tweet, mas em Inglaterra há jornais que dizem que podes ser investigado por racismo. Há um exagero do politicamente correto?
Olha, não te vou responder a essa pergunta, porque para mim isso é um não-assunto. Não vale a pena comentar.
Quais são os teus objetivos para esta época?
Para mim, os objetivos coletivos são mais importantes do que os individuais e é claro que gostava de ganhar uma Liga dos Campeões com o Manchester City. Ao nível pessoal - golos, assistências, etcetera - é claro que quero melhorar os meus números.
Apesar da boa época com o Manchester City e da conquista da Liga das Nações, o teu nome não apareceu entre os dez candidatos ao prémio “The Best” [que Messi venceu]. Foi injusto?
Deixo essa conclusão para as pessoas [risos]. Claro que, com a época que fizemos, devia estar um ou até dois jogadores do Manchester City nessa lista final. A minha época foi boa: quatro títulos em Inglaterra e a Liga das Nações. Agora, não sei qual o critério, nem as votações.
Um desses dois jogadores devia ser o Bernardo Silva?
Possivelmente, sim. Mas vou ser sincero: para mim, os melhores títulos são os coletivos, são prioritários; mas se puder juntar um “The Best” ou uma “Bola de Ouro”... claro que fico contente.
Numa entrevista ao Daily Mail, disseste que não gostas muito de falar de, nem pensar em futebol. Como é que isso se consegue?
Não só consigo desligar-me, como gosto de desligar-me do futebol. Passamos tanto tempo a treinar, a jogar, em estágios, a discutir táticas… Quando saio deste meio e vou jantar fora, passear, ou viajo para Portugal para estar com os meus amigos e com a minha família, faço questão de não falar de futebol. Quero relaxar.
E os teus amigos não te perguntam como é que é o Guardiola, o Agüero, o David Silva, o Ronaldo, etecetera?
Com os meus melhores amigos eu não falo mesmo de futebol. Perguntam-me poucas coisas, porque eles sabem que, quando estou com eles, quero falar dos nossos tempos, das nossas histórias, da vida pessoal deles. Na verdade, eu quando estou com os meus amigos não falo do trabalho deles, não é? Isto é só um trabalho.
E do que falas?
O que falo com os meus amigos? Histórias, acontecimentos que partilhamos. Falamos de coisas aleatórias, desde outros desportos até política.
E segues a política em Portugal?
Por acaso, sigo pouco a política em Portugal.
E em Inglaterra? Como vês o Brexit?
Estamos à espera, ninguém sabe muito bem o que vai acontecer, não é? Se me perguntas qual é a minha opinião, eu tenho, mas não a vou dar aos meios de comunicação social. Mas agradeço-te a pergunta [risos].
Ok, ok. Mudando de assunto: gostas muito de séries de TV, nomeadamente os “Peaky Blinders”.
Gosto, gosto, muito. Gosto de todos os personagens, do Tommy, do Arthur, do John, e eles, por acaso, filmam aqui em Manchester, apesar da história da série de basear em Birmingham. Olha, por acaso, no outro dia, vi um dos atores aqui, ao pé de um hotel em Manchester. Também gosto da “Guerra dos Tronos” e a minha personagem preferida é aquele… o pequenino, o Tyrion Lannister, aquele que diz “I drink and I know things” [risos].
A “Guerra dos Tronos” dominou os Emmys…
Ah, pois. Ganhou outra vez, não foi? 12 prémios. Infelizmente, já acabou. E, olha, vi a série duas vezes. Quando saiu a última temporada, voltei atrás para rever tudo, para me relembrar.
Por falar em TV, agora és a cara de uma campanha publicitária. Gostas?
Bom, cada vez mais me estou a habituar a essa ideia e cada vez mais me sinto à vontade a fazer aquilo. Obviamente, estou fora de pé. No caso da Vodafone, trabalhei com o Diogo [Valsassina], que me deixou muito mais tranquilo; seria muito mais difícil fazer aquilo sozinho, porque ser ator não tem nada a ver com o meu trabalho.