Entrevistas Tribuna

Vítor Oliveira (1953-2020): “Jogar para não perder é um tormento e põe as pessoas velhas. E não quero ficar velho tão depressa”

Vítor Oliveira (1953-2020): “Jogar para não perder é um tormento e põe as pessoas velhas. E não quero ficar velho tão depressa”
Rui Duarte Silva

Aos 65 anos, o 'rei das subidas' de divisão trocou o que sabe fazer melhor do que ninguém pela missão de risco de tentar manter o Gil Vicente na Liga NOS. Este sábado, na estreia do campeonato, recebe o FC Porto (19h, SportTV1), o favorito indiscutível, como reconhece à Tribuna Expresso Vítor Oliveira, treinador que soma 11 promoções de equipas e que louva a coragem de Ana Gomes - e nota a falta dela entre políticos: "Tem razão na defesa pública de Rui Pinto. Se calhar, cometeu um crime grave, mas confirme-se o que denunciou e investigue-se quem cometeu ilegalidades. Quem duvida da veracidade dos e-mails do Benfica? Precisamos de uma classe política diferente"

Vítor Oliveira (1953-2020): “Jogar para não perder é um tormento e põe as pessoas velhas. E não quero ficar velho tão depressa”

Isabel Paulo

Jornalista

Há 23 caras novas no plantel. Como se monta uma equipa quase do zero, após uma época em que o Gil Vicente jogou a feijões no Campeonato de Portugal, III Divisão?
É algo inédito. Só no futebol português é que isso acontece. E o “caso Mateus”, que já leva 13 anos, não está resolvido. Há uma divergência enorme entre a indemnização reclamada pelo Gil Vicente [€21 milhões] e o que a FPF quer pagar. Montar uma equipa com tanta gente nova é complicado, mas teve de ser, pois a que jogou na última época os resultados não contavam para nada. Como tinha o acesso à Liga garantido, o clube não investiu e o plantel não jogadores com qualidade suficiente para disputar a Liga NOS. Foi preciso fazer tudo de novo e tivemos dificuldade em contratar jogadores no mercado interno.

Os portugueses são caros?
São caros e preferem ir para o estrangeiro. Um jogador médio de primeira Liga ganha o dobro ou o triplo lá fora. Os clubes também vão ganhando algum dinheiro nessas transferências, não muito com exceção dos grandes, que têm realmente jogadores de qualidade.

€126 milhões pelo João Félix...
São muitos milhões, demasiados milhões, o que cria um fosso competitivo enorme entre os grandes e as equipas médias e pequenas. Desnível ainda maior do que o Benfica, FC Porto e Sporting sentem quando se confrontam com os grandes clubes europeus europeus. E a distância competitiva a nível interno não para de aumentar.

Qual é a principal razão?
Várias, embora a principal seja a distribuição das receitas das transmissões televisivas e de publicidade. Era benéfico para todos uma redistribuição mais equitativa. Só assim teremos um campeonato mais equilibrado e competitivo.

O que valorizou na seleção dos 23 jogadores? Quem os escolheu?
São maioritariamente estrangeiros: portugueses cinco ou seis, entre os quais o Alex da equipa B do Benfica e Rúben Fernandes (ex-Portimonense).Temos jogadores de oito nacionalidades. Nigerianos, senegaleses, macedónios, búlgaros, brasileiros...Os dois diretores Gil – Tiago Lenho e o Dito, antigo jogador do Benfica, Sporting, Braga e Gil Vicente, começaram a reforçar o plantel e também escolhi alguns. Uns foram-nos oferecidos, outros indicados através dos nossos contactos.

Mas a seleção final é sua?
Por regra sim, mas neste caso não foi fácil por não ter uma base para reforçar. Ir buscar 23 é um trabalho diferente. Não vamos acertar em todos, mas temos um bom grupo de homens e jogadores de qualidade – o que às vezes não chega, já que nem todos se adaptam rapidamente. É uma diversidade grande de culturas e só dois vieram da mesma equipa. Rodrigo e Artur vieram do São Paulo, os restantes tiveram treinadores diferentes, com mentalidades e processos de treino diversos. Todos gostam de treinar à sua maneira, são 23 vontades a domar.

É por isso que diz que esse é o maior desafio da sua carreira?
Acho que será. Não há experiência, nem histórico que nos permita socorrer do que está para trás. É uma situação nova, o que não deixa de ser aliciante. Observámos alguns jogadores ao vivo, outros em vídeo.

Vai ser um ano de risco.
De risco seria sempre. O Gil Vicente, como qualquer equipa que entra na Liga, é sempre uma época de risco. Neste caso é só percentualmente mais elevado.

Devido ao espírito de cruzada que o clube leva a lutar por justiça?
A população mobilizou-se e tem grandes expetativas. Fomos a Vila das Aves jogar a Taça da Liga [vitória do Gil por 3-2], um jogo que não atrai muita gente, e estava mesmo muita gente de Barcelos.

Vão olhar para si como um salvador?
Aqui não há salvadores. Vamos ter de puxar todos para o mesmo lado. Mais do uma questão de orgulho de uma cidade, é uma reposição de justiça. Que já devia ter sido feita há muito tempo, atraso que, infelizmente, é transversal na justiça portuguesa e não só só no futebol. Mas vamos à luta fortemente motivados.

Rui Duarte Silva

A vitória do Gil Vicente no primeiro jogo da época era importante?
Foi importante para a equipa ganhar confiança. É sempre bom começar bem. Os jogadores estão num país novo e da equipa da época passada jogou apenas um guarda-redes. Na segunda semana de treinos fizemos um exercício em que, antes do passe, o jogador tinham de dizer o nome do colega. Foi um exercício para atar a equipa.

Na Liga NOS a estreia é contra o FC Porto, este sábado. Quarta-feira antecipou o treino para os seus jogadores assistirem ao jogo da Champions...
Alguns dos jogadores ainda não conheciam a equipa do FC Porto. Viram individualmente, mas antes dei-lhes referências aquilo a que deviam dar atenção e para o adversário que vão marcar, etc.

Já tinha a equipa na cabeça a três dias de distância?
Sim. Em geral, comunico o 'onze' titular com 48 horas de antecedência. Só excecionalmente é que não digo quem vai jogar.

Debutar na Liga contra o FC Porto foi um revés do sorteio?
O FC Porto é favorito, como seria em qualquer altura da Liga. É negativo, como seria contra o Benfica ou o Sporting, porque o seu potencial de vitória é muito grande e as nossas probabilidades pequenas. Mas há o acréscimo de motivação para os meus jogadores se exibirem ao melhor nível.

Por cá é conhecido como o 'rei das subidas' de divisão, após ter promovido 11 equipas. Em 2016, o "El País" publicou um artigo em que o titulava de 'el ascensor automático'. Gostou do rótulo?
Achei engraçado. Veio cá um correspondente, falámos num bar na Agudela, onde vivo, e depois ligaram-me a saber se tinha gostado.Num jantar, os amigos ofereceram-me a entrevista emoldurada, que está no meu escritório. Foi giro, mesmo não ligando muito ao que se escreve sobre mim. Vale o que vale, pois tudo isso é efémero. Mas não nego que gosto de ver o meu trabalho reconhecido.

Quiere subir a Primera? Contacte con Oliveira. Prefijo 351, de Portugal...”, lia-se no artigo. Recebeu algum telefonema do lado de lá da fronteira?
Nunca tive qualquer contacto de equipas espanholas. Eles também têm bons treinadores.

E são bastante nacionalistas...
Muito, quase chauvinistas, não tanto como os franceses, mas no futebol até acho que mais do que os franceses. Não têm muita história com treinadores estrangeiros.

Tiveram o Cruyff, José Mourinho...
O Cruyff fez história mas tinha sido jogador do Barça uma série de anos. Esteve lá o Queiroz, Mourinho, o Capello pouco tempo, o Luxemburgo idem e têm o Simeone, que jogou lá muitos anos e já é quase espanhol.

Mas já teve propostas para treinar no estrangeiro. Nunca aceitou porquê?
Tive vários convites. Nunca cheguei a acordo. Se calhar sou demasiado exigente em termos financeiros.

disse ao Expresso que até era um treinador barato.
Barato no sentido em que tenho cumprido os objetivos. Para ir para o estrangeiro tem de ser uma coisa que aqui não tenha hipótese alguma de chegar perto. Aqui tenho trabalhado praticamente sempre e bem pago. No máximo fiquei três meses sem treinar, e por opção.

É verdade que as suas condições são 10 mil euros, levar os seus adjuntos e escolher a equipa?
Não é verdade. Nunca deixei de ir para clube nenhum por questões financeiras. Se o que me movesse fosse dinheiro, não estava no Gil Vicente. Não vou perder dinheiro para Barcelos, vou ganhar o que acho justo e me ofereceram. Nem sequer discuti a proposta do Gil. Um dos meus critérios é trabalhar com pessoas de quem gosto, e felizmente tenha essa possibilidade. E só faço contratos de um ano. Nunca fiz de mais.

Por o cumprimento do contrato depender demasiado dos resultados e não do que está assinado?
Chega-se ao fim do ano e se uma das parte não está satisfeita fica livre. Contratos de dois ou três anos valem o que valem por estarem condicionado aos resultados. É uma atividade demasiado volátil. Tenho colegas que defendem que contratos mais longos dão garantias. Eu não preciso dessas garantias. E dá-me liberdade de ação e de exigência. Julgo que me tem ajudado a ter êxito.

Não ter treinado um grande ou recebido propostas aliciantes para treinar lá fora amargura-o?
Nada. No futebol sou pragmático, estou de muito bem com a vida no futebol. Treinei sempre onde quis e me quiseram.

Defende que é mais fácil motivar os jogadores quando lutam pela subida do que pela manutenção numa equipa da Liga. Onde reside a grande diferença?
Jogar para ganhar é mais galvanizador do que para não perder. É um futebol mais positivo, mais alegre. Viver ao longo da semana e vésperas do jogo com a ideia de ganhar dá-nos outra motivação para o treino e até para a adversidade. Jogar para não perder é um tormento e põe as pessoas velhas. E não quero ficar velho tão depressa.

Mas não vai ser mais calculista no Gil?
Este ano, sei que terei de ser mais calculista. Mas confesso que precisava de um desafio diferente, pois os anos que levo disso também pesam. Na 2ª Liga, a exigência de ser campeão sente-se no ar. Ninguém ganha sempre, e por mais vitórias que se somem o que nos vão apontar no fim são as derrotas. Os portugueses preferem dizer mal a dizer bem. Os meus amigos têm-me dito que vir para o Gil é um erro tremendo. Eu sinto que não é. Uma das minhas motivações é demonstrá-lo. Acho que será um ato de gestão fantástico.

Gualter Fatia

É treinador há quantos anos?
Há 34. Julgo que no ativo sou o mais velho e com mais jogos. O Manuel Cajuda é mais velho, mas não está a treinar.

Aos 65 anos o que ainda o faz levantar cedo, treinar ao frio e à chuva, ouvir vaias no banco? Dinheiro?
Não. Tenho uma vida estável. Para mim, é mais motivante levantar-me cedo e fazer o que gosto do que estar até às 11 horas na cama...

A ler jornais?
Poucos. O Expresso sempre, o JN e vejo o Observador. Desportivos muito pouco, não me motivam.

Não tem um objetivo de vida para a reforma?
Atinjo a idade da reforma em abril do próximo ano. É óbvio que me vou reformar, mas quero continuar ligado ao futebol. Não me vejo parado. Depois de uma vida tão ativa, agitada, parar de repente é até era capaz de me fazer mal. Pior do que andar nisto. Diminuir a carga e intensidade, sim, mas abandonar o futebol não.

E vê-se a fazer o quê?
Qualquer coisa relacionada com o futebol. Há tanta coisa para fazer para além de treinar. O futebol português precisa de gente conhecedora e séria.

Tem passatempos?
Viajar, ler, adoro conviver, jogar cartas com os amigos. Cinema não sou grande apreciador, nem espectáculos musicais. E adoro praia. Gosto muito do que faço, mas o futebol não é a coisa mais importante do mundo.

Como é a sua relação com os jogadores? Próxima, distante, convive com eles fora do clube?
Próxima, mas não convivo com eles cá fora. Agora estão quase todos em Barcelos e eu vivo na Agudela. Fora do treino o contacto não é muito. Mas em geral dou-me bem com eles e é extremamente gratificante, passados uns anos, ser recebido noutros clubes com muito carinho e estima. Até com admiração.

O Wagner, seu jogador no Paços de Ferreira, resumiu a chave do seu sucesso à identificação com os jogadores…
O sucesso numa equipa de futebol não se restringe a duas ou três coisas. Aliás, muita coisa até depende de quem está longe dos olhos da opinião pública. Costuma dizer-se que de migalhas também se faz pão. É importante conhecer os jogadores e o campeonato em que se trabalha. É como em qualquer profissão. Se não se perceber aquilo que se está a fazer e as pessoas com quem trabalhamos, os erros acumulam-se e não se anda para a frente.

Negoceia sempre um prémio de subida. No Gil há prémio de manutenção?
Sim, é uma situação normal nos clubes de risco para atletas e treinadores. É um incentivo extra, um tónico, que só é pago se o clube sair beneficiado.

Gualter Fatia

Em 2017/18, a Liga terminou com o caso de Alcochete. Agora a época começou com a agressão ao diretor do Sporting Miguel Albuquerque. A que se deve tamanha intolerância?
À falta de vontade política em resolver esta situação. Os políticos minimizam o fenómeno, que é extremamente grave.Poucas pessoas fazem ideia do que custou Alcochete, em termos desportivos e financeiros ao Sporting, que apesar de tudo fez um ótimo campeonato e ganhou duas taças. Tem muitos cacos para colar, devido a uma atitude indigna de uma série de associados.

A legislação contra a violência no desporto foi alterada e os clubes vão ter mesmo de registar as claques...
Legislar não chega. É preciso uma justiça rápida e banir os agressores. A agressão ao diretor do Sporting foi bárbara, mas nem as entidades públicas que tutelam o futebol ou o secretário de Estado do Desporto se pronunciaram. Em Inglaterra, acabaram como fenómeno do hooliganismo. Basta copiar. Já tenho ido assistir a jogos da Premier League e é tranquilo. Aqui, passado mais de um ano, os vândalos de Alcochete estão presos, não condenados, os estádios, fora os grandes, têm assistências ridículas, o número de sócios dos clubes têm vindo a cair, e os pais receiam levar os filhos ao futebol, que vai vivendo de atividades algo duvidosas, como algumas pessoas já denunciaram.

Ana Gomes tem razão?
Tem coragem e razão na defesa pública de Rui Pinto. Se calhar, ele cometeu um crime grave, mas confirme-se o que denunciou e investigue-se quem cometeu ilegalidades. Quem duvida da veracidade dos e-mails do Benfica? Precisamos de uma classe política diferente, que pusesse ordem no futebol.

Não há culpa dos dirigentes quando inflamam os adeptos?
Os dirigentes têm sido os principais instigadores do clima de intolerância. E os comentadores desportivos, que vestem a camisola e são incapazes de ter uma opinião imparcial. Toda a gente está a ver que uma situação é preta e eles dizem que é branco. Provavelmente serão pagos para isso. Com as suas intervenções passam para o exterior a ideia de que no futebol vale tudo, e não pode.

O facto de a competição estar fechada a três – até a dois há tantos anos – potencia a rivalidade?
Potencia. A rivalidade é tremenda. Para metade da população ser do Benfica é defeito, como o é para outra metade ser do FC Porto. E a impunidade a que se assiste permite encarar o futebol como uma atividade em que vale tudo e os estádios são o sítio onde se pode extravasar todas as frustrações e inferioridades sem que nada aconteça.

Qual é o seu palpite para o pódio da Liga esta época?
À partida o campeonato será decidido entre o Benfica e o FC Porto, talvez com uma aproximação do Sporting. O Sporting perdeu agora com o Benfica, mas na minha opinião foi melhor durante 60 minutos.

Acabou goleado por culpa do treinador que decidiu improvisar?
Não acredito que tenha improvisado. Quem viu os treinos para afirmar isso? Teve oportunidade de sair a ganhar, mas o Benfica fez o segundo golo no falhanço inadmissível de um jogador fantástico, o Mathieu. A partir daí a equipa desorganizou-se completamente, o que permitiu o massacre do Benfica, uma equipa mortífera, motivadíssima e difícil de parar quando o jogo corre de feição. Não sei até que ponto a instabilidade do Sporting não se reflete em campo: são ataques permanentes ao ex-presidente e ao atual. Parece que não há ninguém que sirva para o clube. Toda a gente é motivo de crítica, feitas pelos próprios sportinguistas, quando deveriam unir forças e respeitar a vontade da maioria dos sócios nas eleições.

Da sua larga experiência, tem a noção que os jogadores podem tramar um treinador?
O treinador será sempre o que os jogadores quiserem.

Foi o que aconteceu ao Rui Vitória?
Em Portugal fala-se de Rui Vitória com uma displicência inadmissível. A falta de gratidão com um treinador que foi bicampeão não acontece em mais lado nenhum. Ganhou uma Taça de Portugal em Guimarães, subiu a pulso, apostou nos jovens e revelou uma série de jogadores. Até parece que se fala de um treinador que passou por ali e não percebe nada daquilo.

Os jogadores cansam-se dos treinadores?
É provável. E há épocas menos felizes. O Bruno Lage pegou bem na equipa, dissipou o cansaço na relação jogadores/treinador, soube criar empatia, levando os jogadores a superarem-se. E teve a "sorte" da lesão do Jonas. Agora toda a gente elogia a aposta no João Félix, mas essa aposta no tempo do Rui Vitória não era possível. Para ele entrar tinha de sair o Jonas. E nenhum treinador iria fazê-lo. O futebol tem muito de sorte. Mas não tiro mérito ao Lage.

MÁRIO CRUZ/Lusa

O Benfica parte esta época em vantagem?
Parte em igualdade com o FC Porto, que é também uma equipa muito forte e fez boas aquisições, mesmo perdendo jogadores importantes, como o Herrera. Reforçou-se bem, manteve a estrutura do ano passado e é uma equipa que não se rende nunca.

O caso Danilo pode deixar mossa?
Não. Foi um choque de personalidades fortes. Esses confrontos às vezes até clarificam, responsabilizam as pessoas. O Sérgio Conceição tem uma personalidade fortíssima que o leva ao confronto com os jogadores, mas sabe esquecer e privilegiar o trabalho coletivo.Tem feito um ótimo trabalho e o confronto, acredito, fez crescer os dois.

O que tem o futebol português de melhor e pior?
De melhor, a qualidade dos seus jogadores e treinadores. Precisa de um dirigismo melhor, de dirigentes menos dependentes do FC Porto, do Benfica e Sporting. Os mais pequenos precisam ser muito mais independentes das decisões dos grandes. O nosso futebol está muito dependente dos interesses dos grandes.

Está a referir-se à política de empréstimos de jogadores?
De tudo, a começar pela centralização dos direitos televisivos. Toda a regulamentação está dependente do apoio dos grandes. O futebol inglês arrancou esta sexta-feira e acabaram as transferências antes de começar o campeonato. É um exemplo ótimo que devíamos seguir. Não faz sentido começar a época e manterem-se em aberto as transferências. Aqui só copiamos o que interessa aos grandes.

Continua sem ter empresário?
Sou o meu próprio empresário. Neste momento, há quase tantos empresários como jogadores em Portugal. Alguns têm um papel importante, outros não. Perturbam e não fazem as melhores opções para os jogadores, olham tudo no curto prazo em nome das comissões. Mas também temos bons, inclusive o melhor do mundo. Já trabalhei com bons empresários, que servem o interesse dos jogadores.

O que mais o surpreendeu nas movimentações do mercado de verão?
O que me deixa estupefacto são as verbas exorbitantes que se pagam no futebol. Um absurdo. Em salários e transferências.

Há 10 anos que se fala que o futebol vive numa bolha que vai rebentar e continua inflacionar.
O futebol baixou muito. A crise pesou em Portugal. No futebol, os ordenados caíram para metade, os atrasos de pagamentos acentuaram-se, mesmo noutros campeonatos.

Blindar atrasos salariais é uma das garantias que exige aos clubes onde treina?
Blindar não posso, mas é fundamental no rendimento de uma equipa ter os ordenados em dia. Tenho tido a sorte de escolher clubes cumpridores. Os contratos dos jogadores defende-os legalmente dos incumprimentos, mas depois temos os PER [Processo Especial de Revitalização] e as SAD diferem os pagamentos por 10, 12, 15 anos. É um absurdo e por aí se vê que não há vontade, nem política nem dos dirigentes, em acautelar este tipo de situações. Todos os anos há jogadores e treinadores a viverem em dificuldades. Há muitos que cumprem e quem não o faz devia ser penalizado. A legislação é vaga.

Deixar de pagar a meio da época mina a verdade desportiva?
Normalmente as coisas andam a par. Deixam de pagar porque os resultados desportivos falham. Há dirigentes que dizem “vamos fazer aqui uma aposta fortíssima. que se correr bem o dinheiro vai aparecer”. Senão, não se paga. O Chaves ainda agora contestou a inscrição do Vitória de Setúbal. Quem anda nisso sabe quem são os clubes devedores. É inadmissível numa das indústrias que mais dinheiro movimenta no país. A FPF e a Liga têm de responsabilizar os dirigente faltosos, e a secretaria de Estado providenciar legislação para penalizar quem não cumpre. Só assim haverá verdade desportiva.

Que tipo de penalizações?
Quem não paga deve ser penalizado com pontos perdidos e descida de divisão. A questão dos investidores devia ser ser também severamente fiscalizada. Chegaram aí, investiram e faliram o Beira-Mar, Olhanense ou Leiria. Foram embora sem que nada lhes tenha acontecido.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: IPaulo@expresso.impresa.pt