A Foz do Rio Sado praticamente ressalta nas paredes das infraestruturas do Clube Naval Setubalense. No caminho que se faz para entrar, estão guardados pequenos barcos a motor que deixam a quantidade de pó expressar a saudade que têm da água. A primavera não esperou pelo equinócio para aparecer e amenizou as condições em que os anzóis tentavam enganar os inquilinos do mar. Até entrar no pavilhão onde começou a jogar basquetebol, Márcia Costa é intercetada pelo cheiro a peixe braseado emanado por um restaurante das redondezas.
Os pássaros encontraram uma maneira mais original do que a porta para entrarem naquele local castiço, mas cheio de memórias para a jogadora. Restam poucos sinais de basquetebol. Não há cestos. O marcador serve outras modalidades, embora, conforme diz Márcia, seja o mesmo desde a altura em que pisou pela primeira vez aquele chão que refila de cada passo.
As bancadas têm reservadas apenas algumas cadeiras sem encosto para a primeira fila. Márcia Costa, de 34 anos, fala com a Tribuna Expresso num banco de suplentes, improvisado com madeiras, que aguentou na perfeição uma conversa sobre basquetebol, maternidade e igualdade de género. É das atletas que menos se pode queixar de passar muito tempo sentada num local como aquele: é campeã nacional pelo GDESSA, jogadora da década (2010-2020) e internacional por Portugal. Ninguém diria que tudo começou porque a subornaram com um gelado.
Que memórias te traz este pavilhão?
Este é o primeiro pavilhão onde joguei basquetebol. Só jogávamos contra rapazes, porque a nossa equipa era a única feminina. Levávamos grandes cabazadas. Faz-me lembrar as minhas amizades mais puras, pessoas com que não estou todos os dias, mas que, por causa delas, não desisti do basquetebol.
Alguém dessa altura levou o basquetebol tão a sério como tu?
Da minha geração, no distrito de Setúbal, fui a única que chegou a este nível.
Em criança, prometeram-te um gelado para tu ires para o basquetebol. Essa pessoa deu-te uma carreira, mas chegou a dar-te o gelado efetivamente?
Não. A vizinha da minha avó vendeu-me que, se eu viesse, o clube me dava um gelado.
O que é que mudou no basquetebol feminino desde essa altura?
Mudou muita coisa. Agora, as meninas não têm que estar a jogar contra rapazes para terem campeonatos nos escalões mais jovens. Isso é ótimo, quer dizer que temos mais meninas a praticar a modalidade. Temos uma liga com um bocadinho mais de visibilidade do que aquilo que havia na altura, a comunicação social ajuda nesse sentido. Quando eu era mais nova, nem sabia se havia equipa sénior, que feitos é que elas conseguiram. Hoje em dia, acredito que o que acontece na nossa liga possa chegar mais rapidamente às jovens que estão a começar.
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