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António Laranjo, líder da comissão de organização do Mundial de 2030: “O valor do nosso investimento em estádios é zero”

António Laranjo, líder da comissão de organização do Mundial de 2030: “O valor do nosso investimento em estádios é zero”
TIAGO MIRANDA
Já lhe tinha saído a fava no Euro 2004, voltou a sair-lhe a sorte agora. Vinte anos depois, António Laranjo lidera de novo o comité que organiza uma grande competição de futebol em Portugal, agora em conjunto com Espanha e Marrocos. Em entrevista à Tribuna Expresso, desvendou que tem “fundadas expetativas” de Lisboa e Porto receberem 18 jogos do Mundial em 2030, garante que nem falou com o Governo para haver investimento público e admite, em relação a Marrocos, ser “questionável” uma prova destas acontecer num país que proíbe, por lei, a homossexualidade - mas terá de “aceitar as normas internacionais para todos aqueles que [o] visitem nesta altura.”

Há 20 anos, Portugal gastou centenas de milhões de euros para receber um Europeu, parte deles em estádios. De modo a ser anfitrião de um Campeonato do Mundo, o “valor correto” do investimento que o país terá de fazer em recintos de futebol “é zero”. António Laranjo, chefe da comissão que organizou o Euro 2004 e da que está responsável pelo Mundial de 2030, tripartido por Espanha, Marrocos e Portugal, garante que nem sequer falou com o Governo sobre dinheiros públicos poderem vir a ser necessários. Desvenda que há “fundadas expectativas” de Lisboa e Porto dividirem 18 jogos do torneio e admite ser “questionável” a competição ser jogada num país que proíbe, por lei, a homossexualidade.

Vinte anos depois de ter chefiado o comité de organização do Euro 2004, tinha saudades da azáfama de estar outra vez à frente de uma comissão de organização?
Sim, sem dúvida que sim, mas são duas coisas distintas. Em 2004, foi a coordenação e a organização enquanto diretor do torneio e, portanto, com tudo aquilo que nós iremos viver mais próximo do 2030. Agora foi uma coisa que eu não tinha vivido no Euro 2004 que foi esta expectativa e todo este trabalho de preparação para apresentar uma candidatura. E neste caso, uma candidatura com as particularidades de ser uma candidatura de dois continentes, três países, ou, se quisermos, se calhar até de seis países, consoante a forma como vemos este campeonato.

Surpreendeu-o que a escolha recaísse em si, um português, e não num espanhol, por ser do país com mais peso na organização em termos de cidades-sede e estádios?
Surpreender, sim, sempre surpreende, porque obviamente estamos a ser convidados para uma tarefa que muito me honra e, portanto, obviamente que não estava nos meus planos largar os trabalhos em que estava envolvido para me dedicar de corpo e alma a esta candidatura. Pensando bem, e isso foi depois também muito discutido particularmente com a Federação Espanhola, tem muito a ver com a experiência que foi adquirida ao longo de todo o Euro 2004 e depois também um bocado todo o trajeto de vida. A partir daí e tudo aquilo que foi o relacionamento com outras áreas, a nível do próprio do próprio Estado e, portanto, acho que a escolha acabou por ser talvez uma escolha natural, mas a mim muito me honrou.

Disse há pouco tempo que um evento desta dimensão, seja o Europeu ou o Mundial, tem sempre a capacidade de transformar um país. Em que sentido?
Temos tido vários exemplos desses ao longo da história. Os países suplantam-se a si próprios em face dos eventos que os mobilizam, em torno dos quais conseguem, no fundo, ter um conjunto de incentivos, de vontade anímica para ultrapassar, por vezes, até algumas dificuldades. E isto é aquilo que se espera do 2030, e diria mais ampliado até do que aquilo que tivemos em 2004. Em 2004 fomos efetivamente um país organizador único, o Europeu desenvolveu-se todo em Portugal. Hoje poderíamos dizer que é campeonato do Mundo em três países, já não vou falar na América do Sul porque, enfim, têm três jogos apenas, mas disputar 101 jogos aqui em três países poderia retirar um pouco desta emoção, deste entusiasmo. Eu acho que é o contrário. Portugal tem esta ligação com Espanha e com Marrocos - e os 2 países vão querer disputar esse mesmo lugar -, nós vamos querer estar na frente da organização. Nós vamos querer fazer a melhor organização e independentemente disto ser um campeonato de três países e, portanto, uma candidatura conjunta. O que é certo é que depois vamos ter jogos em Portugal, jogos em Espanha e jogos em Marrocos. Aquilo que se passa em Portugal vai passar-se em Portugal e nós vamos querer a mobilização do país e em torno destes jogos, e vamos querer demonstrar isso aos nossos parceiros da candidatura, da mesma forma como eles vão querer fazer melhor ainda do que aquilo que nós possamos fazer. Vai haver uma saudável competição entre os três países, embora naturalmente, sempre no âmbito de uma candidatura conjunta.

Comparando o Euro 2004 com o Mundial de 2030. Portugal teve de construir estádios de raiz, o Estado investiu mais de 1000 milhões de euros segundo um relatório do Tribunal de Contas, um investimento avultado, e isso ficou na memória. Também porque, dos estádios que ficaram sob gestão pública, muitos contam anos e anos vazios e as autarquias muito se queixaram dos custos de manutenção. Perante esta realidade, há hipótese de ressuscitar os fantasmas das memórias desse legado na população portuguesa?
Vamos por partes. Não creio que seja o momento, mas os números não são exatamente como aqueles que referiu. Portugal não comparticipou com mais de 1000 milhões de euros, os próprios relatórios que existem, quer do Tribunal de Contas, que aborda os estádios municipais e, portanto, seis estádios e não tem as componentes que dizem respeito aos restantes e estamos muito longe desses valores. Mas considerando todos os valores são 965 milhões de euros e não estamos a falar só de estádios, estamos a falar de estacionamentos, de acessibilidades e de outros investimentos, nomeadamente aquilo que diz respeito a algumas obras que foram feitas na proximidade dos estádios. Basta olharmos para o Estádio de Alvalade, o Estádio da Luz ou até mesmo para o Estádio do Dragão, mas aí menos, e nota-se perfeitamente o que é que lá está e que não é estádio: se falarmos numa clínica, de um edifício administrativo, num centro comercial, no Media Market, nas piscinas, nos pavilhões e por aí fora, tudo isso que foi feito na sequência e no âmbito das obras que foram executadas, não foi para o Euro 2004. O que estamos a falar para o 2004? Seriam estádios. Mas mesmo considerando todos esses valores que estão em todos esses investimentos, o relatório do ISEG, feito por um conjunto de entidades, falo no ISEG porque foi quem coordenou, não chega sequer a esses valores. Não me quero alongar sobre as questões. Vejo tantas coisas escritas sobre isso que, de facto, valiaa pena um dia clarificar-se melhor esse tema. O que é certo é que, na altura, se quisermos pensar, vamos ter que recuar, não a 2004, mas a 1998, que foi quando tivemos a candidatura aprovada e é necessário conhecer o panorama desportivo nacional em 1998. Não tínhamos um único estádio para realizar um único jogo de um Campeonato da Europa. Hoje, se calhar, enfim, é possível um Europeu nos moldes, com 24 seleções, com 31 jogos, que foi aquilo que tivemos que fazer, hoje se calhar era possível fazê-lo com oito estádios. Nós candidatámo-nos com 10 e ganhámos, mas houve países a candidatarem-se com 12, com 13 e perderam, ou seja, pergunto, depois desta situação e de daquilo que hoje olhamos para os estádios e, se calhar, deveriam ter uma utilização diferente daquela questão a ter, isto tem muito a ver também com os clubes que estão lá a jogar e como é que o município gere toda essa matéria, é fácil olharmos para trás e dizermos o país investiu muito.

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