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“Não há comparação possível” entre o andebol em Portugal e na Alemanha, onde jogadores da 2.ª Divisão ganham “muito mais do que enfermeiros”

“Não há comparação possível” entre o andebol em Portugal e na Alemanha, onde jogadores da 2.ª Divisão ganham “muito mais do que enfermeiros”
VfL Gummersbach
Gonçalo Miranda é treinador-adjunto do Gummersbach, “um dinossauro do andebol” que está a renascer na Bundesliga, o campeonato “mais forte do mundo”. É português, tem 31 anos e trabalha na Alemanha há sete, após “mandar e-mail para aí a 100 clubes”. Antes de Portugal enfrentar a seleção germânica, esta quarta-feira (19h30, RTP2), nos quartos de final do Mundial, conversou com a Tribuna Expresso sobre o que separa a modalidade nos dois países

A tese de mestrado obrigou Gonçalo Miranda “a ver quatro a seis vezes” cada jogo do Europeu de 2014. Foi o primeiro passo para se tornar num geek do andebol. Quando foi de Erasmus para a Suécia, deram-lhe uma equipa de gente madura para orientar. “Eu nunca tinha treinado seniores, o máximo que tinha treinado era sub-12.” Não se intimidou e acabou por alinhar no atafulhamento que lhe propuseram. Deixou a Escandinávia e o T0 com 17 metros quadrados em que vivia para ruma à Alemanha, em 2018. Foi sem nada.

“Mandei e-mail para aí a 100 clubes. Não tive uma resposta.”

Partiu o porquinho recheado com as poupanças que tinha conseguido amealhar na Suécia para com elas pagar a participação num congresso de treinadores na Dinamarca, onde o referenciaram para se encarregar de uma equipa. A partir daí, começou a escalada no andebol germânico, orientando equipas femininas e de formação. Esta época, tornou-se adjunto dos seniores masculinos do Gummersbach, equipa da Bundesliga, o campeonato “mais forte do mundo”.

Apesar de ser “só o treinador-adjunto”, não há dia em que não o abordem na rua. “Acho sempre muito engraçado, porque nunca foi assim no contexto em que cresci. O andebol em Portugal não é nada, infelizmente.” Antes deste Mundial de 2025, o selecionador nacional, Paulo Jorge Pereira, confessou que “há muitas coisas que temos que melhorar”, pois na “Primeira Divisão ainda assistimos a jogos em pavilhões onde temos que ir de sobretudo e muito bem agasalhados”. É uma realidade bastantes distinta da alemã, onde jogadores da Segunda Divisão recebem “muito mais do que se trabalhassem como enfermeiros”, conta Gonçalo Miranda.

A Alemanha, seleção que Portugal vai enfrentar esta quarta-feira na primeira presença de sempre nos quartos de final do Mundial, pesca todos os jogadores na Bundesliga, um deles Julian Köster, lateral do Gummersbach. Dos vice-campeões olímpicos, descreve o técnico português, de 31 anos, pode-se esperar “uma defesa grande”, com jogadores “muito agressivos” e “dois guarda-redes muito bons”. No ataque, “vão tentar jogar muito, muito rápido em contra-ataque, porque sabem que Portugal faz entre duas a três trocas defensivas sempre”.

Como começou a tua relação com o andebol?
Eu sou de São Bernardo, em Aveiro. O São Bernardo, clube, é um histórico do andebol nacional e sempre tive muitos amigos a jogar. Os treinadores do clube eram professores de Educação Física na escola. Na primária, tínhamos aulas de Educação Física no pavilhão de São Bernardo. Portanto, sempre houve uma ligação muito grande. Eu sempre fui jogando nos intervalos e no desporto escolar, mas nunca de forma muito séria. Todos os meus melhores amigos jogavam andebol. Aliás, alguns ainda jogam e outros são treinadores. Depois, comecei a namorar muito cedo com a rapariga que agora é a minha mulher [Mariana Lopes, internacional portuguesa que representou Portugal no último Europeu]. Ela também jogava andebol, no Alavarium. Acabei sempre por ir ver muitos jogos, dos meus amigos e da minha mulher. Comecei a jogar a sério um bocado mais tarde, já com 17 anos ou assim. Joguei no Alavarium, na Segunda Divisão de juniores. Depois, estive no Infesta. Claramente percebi que era um mau jogador e que não ia dar mais do que aquilo. Comecei então a treinar bambis femininas no Alavarium e a ajudar nas infantis e nas juvenis. Fui para o Estrela Vigorosa, no Porto, porque estava a tirar a licenciatura em Ciências do Desporto. Apercebi-me de que gostava de dar treinos, de estar dentro do processo, de planear, da parte do vídeo, da análise e também de guiar aquela malta mais jovem, não só para serem melhores jogadores, mas também melhores pessoas.

Claro que para chegares ao nível em que estás agora é necessária uma obsessão maior, um gosto ainda mais aprofundado por explorar o detalhe.
Eu tirei mestrado em Treino de Alto Rendimento Desportivo. A minha tese intitulou-se “Análise do lançamento de saída após golo sofrido em equipas de Andebol de alto nível”. Essa tese obrigou-me a ver quatro a seis vezes cada jogo daquele do Europeu de 2014. Isso fez-me ver muitas, muitas horas de andebol. Percebi que não me custava nada ver aquelas horas todas e que tinha jeito. Gostava e aprendia imenso, conseguia ver aquilo com olhos de ver. O alto rendimento envolve muitas horas de vídeo, muita análise e muita estatística. A fazer a tese nasceu o bichinho. Mas eu cheguei onde estou mais por sorte. Estava no sítio certo à hora certa. Depois, tive que mostrar que tinha capacidade de trabalho.

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