Manuel Sérgio, o filósofo desportivo (1933-2025): “Alguém no futebol sabia quem era o Descartes? Não jogava no Benfica, o gajo”

Jornalista
Foi o professor que organizou este colóquio?
Não, não tive nada ver com isso.
Então como é que surgiu?
Porque o Miguel Real e o José Eduardo Franco leram a minha tese de doutoramento, marcaram um almoço comigo e disseram-me assim: “A sua tese é um acontecimento na vida cultural portuguesa.” Veja bem, dois intelectuais da mais pura linhagem da cultura portuguesa apreenderam as minhas ideias sobre o desporto. Estou sobretudo grato, porque nunca esperei ouvi dizer isso e ver uma homenagem assim. Fico muito grato às pessoas, porque um tipo chegar aos oitenta e tal anos e ver pessoas do melhor que há na vida intelectual portuguesa a estudar-me... As pessoas dizem que estou a ser vaidoso.
Realmente o colóquio junta pessoas que não imaginamos juntas: Jorge Jesus, Gulherme d'Oliveira Martins, Francisco Louçã, Pinto da Costa...
Exatamente. E mais: não sei se ir ouvir-me se calhar já não é um bocado da moda. Mas se calhar não, porque se não eu estava num departamento de futebol. Se as pessoas entendessem o que ando a dizer...
Mas é incomum ver um filósofo num departamento de futebol.
É. Para mim, o desporto é um pretexto para falar do ser humano.
Pode explicar melhor?
Fiz uma mudança de paradigma, ou um corte epistemológico, no seio da cartesiana educação física, passando do fisiologismo, ou do biologismo que o dominava e dominava também o treino desportivo, adiantando que o desporto é um dos aspetos de uma nova ciência humana. Portanto, não há dúvida que antigamente a ciência do treino era o fisiológico. Aliás, na linha da medicina. A malta não fez a investigação que eu fiz nesta área.
Como é que chega a essa conclusão?
Foi muito simples. Antes de entrar no INEF, em 68, vivi tempos muito bonitos na Faculdade de Letras de Lisboa, embora só lá fosse de vez em quando, porque trabalhava. Mas convivi com o Sottomayor Cardia, com o Medeiros Ferreira, com o próprio Jorge Sampaio... Quer dizer, aquilo era uma época viva, de ideias novas. Quando entro no INEF, já estava super convencido que o cartesianismo e o fisiologismo estavam errados. Porquê? Porque já tinha lido Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier, Husserl...
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