Fala com pertença, da estirpe vinda da alma, cheio de propriedade. “O clube da minha terra”, salienta. O raiar da conversa aniquila de pronto uma colheita de perguntas, aquelas superficiais que servem para apalpar terreno. Fora do radar há anos valentes, sem entrevistas ou intervenções públicas, Emerson Thome vive em Santo Tirso, pois quem diria: vindo de Porto Alegre no Brasil, contou uns cinco anos a jogar em Portugal, menos do que os oito em Inglaterra antes de parar no Japão, onde encerrou o nomadismo tão impregnado nas carreiras futebolísticas.
Haveria de retornar a Santo Tirso pelos caminhos do coração, por ser a latitude da sua mulher, também por amizades várias, mas também pelas memórias. Emerson Thome ainda guarda recortes de jornal com carinho nos quais se lê coisas como “A intransponível parede de Santo Tirso”, fieis à alcunha que lhe colaram, em miúdo, quando literalmente fez uma placagem num treino a um desafortunado Júlio, no Brasil. Cunharam-no como Paredão, que tentou largar em Coimbra, ao chegar à Académica, desconvencido pelo então presidente da Académica de quem ainda lembra o “sotaque bastante catedrático” ao dizer-lhe: “Não, deixa estar, Paredão soa muito bem, é um nome de relevância, de força.”
Ficou estampado nas costas da camisola, nas cadernetas de cromos, nas fichas de jogo e no imaginário do futebol português. Brasileiro de nascimento, tirsense de vivência, Paredão foi um dos esteios do 8.º lugar do clube em 1994/95, histórica época em que jogaram até às últimas pela qualificação europeia. O defesa central teve a companhia de Caetano, Giovanella ou Marcelo, com quem seguiria para o Benfica, clube com o qual o Tirsense se cruza tantos anos depois nas meias-finais da Taça de Portugal, “um prémio” e “uma festa” para todos no clube que, por falta de tempo e vagar para ver ainda mais futebol, não visita tanto quanto gostaria no estádio.
O Paredão do antigamente é hoje o Emerson que feitos anos a ser observador para o Everton e o West Ham virou analista na RedBull, onde tem como chefe máximo Jürgen Klopp, responsável por dirigir o futebol da gigante da bebida do touro com asas. Está feliz por há 17 anos trabalhar no outro lado do futebol, uma indústria onde “a volúpia, a ligeireza e a volatilidade” são mato.
Os pontapés na bola em Santo Tirso foram há 30 anos ou mais e a sua memória enciclopédica imunizou-se ao pó. Recorda golos, datas, nomes e resultados pedindo para quem pergunta corrigir caso esteja enganado, mas tal é uma raridade. Tem na proa da língua muito de Tirsense e Benfica, será de fiar que também possua generosas conversas acerca do Sheffield Wednesday, Chelsea, Sunderland ou Bolton, alguns dos clubes que representou na Premier League.
Tão esparramada se deitou a meada sobre Portugal, Santo Tirso e Taça que essas freguesias ficaram para visita posterior. Palavra de Emerson Thome, que jogou ao lado e contra muitos grandes jogadores, lendas vincadas, um fartote se o naipe for cingido a avançados. “Uiii, Meu Deus”, reagiu quem tentou ser um Paredão contra todos eles. “Quando quiseres fazer um bate-bola, estás à vontade”, despediu-se assim, apalavrando uma tabela de entrevistas para mais tarde. Por enquanto, muito teve para contar sobre o ‘seu’ Tirsense.
Há quanto tempo não vai a Santo Tirso?
É engraçado que pergunte isso, porque eu vivo em Santo Tirso [risos]
Não fazia ideia.
A minha ligação a Santo Tirso começou em 1993/94, quando vim para cá. O meu percurso em Portugal começou na Académica de Coimbra, vindo do Internacional de Porto Alegre. Depois vim cair aqui em Santo Tirso através da requisição do mister Eurico Gomes, que me tinha visto jogar e, pronto, descobriu em mim qualidades que poderiam ser úteis para o Tirsense e o seu projeto da altura. Joguei aqueles dois anos, depois fiz a transição para Lisboa e o Benfica, depois tive a minha passagem por Inglaterra e o final da minha carreira no Japão.
Mas como é que acabou em Santo Tirso?
Casei com uma mulher de Santo Tirso, a minha esposa é tirsense. Aliás, ela não é bem tirsense, também é imigrante, nasceu fora do país, mas a família dela estabeleceu-se aqui em Santo Tirso há muitos anos e conheci-a aqui.
Tinha aqui uma série de perguntas que agora ficaram sem uso.
Imagina, Diogo, eu tinha uma certa curiosidade de voltar a viver no Brasil de uma maneira diferente da que eu vivia antes no país. Mas como fui eu que emigrei e não ela, que emigrou comigo para a Inglaterra e o Japão, como fui eu que vim para Portugal e abracei aqui o meu projeto de vida, então era mais do que justo. Eu sou cidadão português de corpo e alma agora depois deste tempo todo longe das minhas raízes - são mais de 30 anos, e completei agora 53. Nada melhor do que estabilizar num lugar familiar, onde sempre fui bem acolhido e tenho grandes amizades. Outra das razões que me fez ficar são as ligações que tenho com o meu grupo de amigos, porque em termos profissionais não estou ligado diretamente a nenhum clube. Então, a minha ligação a Santo Tirso existe por via do casamento e também por motivos emocionais.