UEFA Euro 2024

Ronaldo, Ronaldo, Ronaldo? Sim, mas na Chéquia não se pensa só no capitão da seleção nacional (e um mega RIP a Vítor do Poste)

Ronaldo, Ronaldo, Ronaldo? Sim, mas na Chéquia não se pensa só no capitão da seleção nacional (e um mega RIP a Vítor do Poste)
Jens Schlueter - UEFA

Como em tantas outras competições, há muitas perguntas sobre Cristiano Ronaldo antes do arranque de uma grande competição, seja à seleção nacional como ao seu adversário, neste caso a Chéquia. Mas lá no fundo sabe-se que Portugal tem outras estrelas, que já mostrou ser uma equipa forte sem o capitão. Terça-feira é dia de estreia no Euro 2024 para Portugal e na Chéquia não há grande confiança que a equipa possa fazer cócegas a uma das favoritas

O checo não é exatamente uma língua de fácil compreensão e até uma pessoa atinar com o novo sistema de tradução disponibilizado pela UEFA para as conferências de imprensa (que é basicamente uma aplicação para telemóveis espertos, logo Nokias 3310 não têm grande préstimo por aqui), o único som que se compreende saído da boca de Tomas Soucek é “Cristiano Ronaldo”. Quando finalmente alguém se ouve do outro lado dos auscultadores, sim, confirma-se: Cristiano Ronaldo continua a ser o nome próprio mais ouvido e referido.

Aos 39 anos, nem a espécie de exílio saudita parece travar o temor que o avançado português causa nos rivais. Até decidir deixar de jogar, é provável que assim seja. Nem toda a gente viu Ronaldo em campo este ano, pelo menos de forma regular, mas dos despachos da Arábia Saudita chegaram notícias de muitos golos pelo Al Nassr, 35 só na liga do país, fora os marcados em outras provas asiáticas e, claro, na seleção.

Ainda antes de percebermos patavina do que Tomas Soucek estava a dizer, o checo do West Ham atirou qualquer coisa como: “Portugal tem o Ronaldo, que é uma mega estrela, um goleador gigante” (obrigada, agência Lusa, que entendeu o sistema antes de nós). Já depois de conectados com a tecnologia, ouvimos de Soucek que ele e os colegas sabem que “ao mínimo espaço ou mínimo erro, o Ronaldo marca” e que por isso têm de estar sempre “muito atentos e concentrados”.

“Basta um deslize e sabemos que ele marca. Temos de redobrar os nossos esforços e fazer tudo para o parar”, continuou, antes de ter a audácia de atirar que espera que Karel Poborsky, seja o “amuleto da sorte, como em 1996” e que ainda esta segunda-feira os jogadores checos recordaram essa trágica “chapelada” a Vítor Baía nesse Europeu em que o Chéquia chegaria à final. “Esperemos que amanhã [terça-feira] aconteça algo assim”, continuou. Não esperamos não, Tomas, não esperamos não.

Tomas Soucek quer que Poborsky seja o "amuleto" desta Chéquia
Jens Schlueter - UEFA

Seguiu-se Ivan Hasek, selecionador nacional da Chéquia apenas desde janeiro. Diz que Portugal é uma das equipas favoritas ao Euro 2024. Cristiano Ronaldo foi o único jogador chamado pelo seu nome. “Queremos parar Ronaldo. Ronaldo é um dos melhores e os meus jogadores podem dizer que jogaram contra ele e podem vir a dizer que tiveram sucesso. Seria algo para lembrar toda a vida”, sublinhou o treinador de 60 anos. Parar Ronaldo como um desígnio de carreira, como uma linha no currículo. Também é com isto que a seleção nacional terá de contar no jogo de estreia neste Euro 2024.

Na conferência de Rúben Dias e Roberto Martínez, mais perguntas sobre Ronaldo. Nisso, o Euro 2024 não será assim tão diferente de tantas outras competições. O treinador diz a um jornalista alemão que Cristiano Ronaldo está cá “por mérito” e reforça essa ideia várias vezes. O central recebe uma pergunta vinda remotamente da Arábia Saudita, um jornalista local quer saber da influência da liga que emprestou Ronaldo e Rúben Neves à lista de Portugal teve nos trabalhos da seleção nacional e Dias desinteressadamente responde que “nenhuma liga” o importa neste momento, o que lhe está sempre no pensamento é o Europeu, de tal maneira que à saída quase que mandava abaixo o painel com os patrocinadores da competição. A sala riu-se, o jogador também, mas foi in extremis que se evitou um incidente diplomático de proporções análogas àquele de há três anos, quando Cristiano Ronaldo exultou toda a gente a beber água e não uma bebida gaseificada que há muito está na lista de sponsors do Euro.

Mas não se pense que é apenas em Cristiano Ronaldo que toda a nação checa pensa a poucas horas do confronto, que será apenas o sexto entre as duas seleções. O primeiro foi o tal traumático numa tarde de primavera em Birmingham, daí para cá só vitórias portuguesas, a última das quais gorda, 4-0 na Liga das Nações, em 2022. Há quem já não veja o capitão da seleção portuguesa como o bicho-papão.

O treino na Red Bull Arena de Leipzig
picture alliance

“Quando o mundo fala de Portugal fala de Cristiano Ronaldo, mas eu não vejo Ronaldo como a maior ameaça. Nem sei se Portugal não é melhor sem Ronaldo”, aponta Martin Vait, jornalista do jornal “Blesk”. Vait vai lá atrás, aos jogos do Mundial, para afirmar que “Portugal parecia uma equipa mais equilibrada” sem Cristiano, reconhecendo no entanto que é difícil saber o que se passa dentro do balneário quando a mais mediática estrela da equipa não joga: “Já vimos com outras equipas que uma hierarquia pode ser algo muito importante para uma seleção”.

Martim, diga-se, é um admirador confesso de Portugal. Longe vão esses tempos de 1996 e o jornalista não vê a Chéquia com grandes hipóteses de fazer cócegas à seleção nacional.

“Eu admiro muito o futebol português, adoro. Adoro a atenção aos detalhes técnicos, quão abertos vocês são a outras influências e conseguem incorporar tantos aspectos de tantas partes do mundo, seja da América do Sul ou de África, por causa da imigração. Gostava mesmo que Portugal tivesse muito sucesso nesta prova, porque seria o testemunho do nível de treinadores que vocês têm, que eu acho que não tem paralelo”, sublinha, num encómio assertivo. “Acho que não dá sequer para discutir as mais-valias de Portugal, é tudo muito evidente. Eu achava mesmo que Portugal era o maior favorito ao Mundial e fiquei muito desiludido com a derrota frente a Marrocos, e acho que agora ainda têm mais qualidade”.

Já sobre a Chéquia, há pessimismo. “No país as expectativas não são assim tão altas, até porque se passarmos à próxima fase provavelmente vamos apanhar um dos gigantes europeus. Podemos esperar passar aos oitavos e depois se houver um milagre ir mais à frente”, continua o repórter, que lembra que Hasek está há pouco tempo no cargo e que ainda há dúvidas sobre como a equipa vai lidar “com adversários mais fortes”.

Ora aí está uma semelhança com Portugal.

Com um estilo por vezes arrojado, de pressão alta, que gosta de arriscar - Roberto Martínez diz que o Portugal - Chéquia vai ser “um jogo fantástico para o adepto neutral“ - a Chéquia até se dá bem com rivais fortes, mas que “são previsíveis”. O que não é o caso de Portugal, que além disso tem “muita qualidade individual”. Tudo o que se sabe, tudo o que Martínez revelou, é que Diogo Costa será titular na baliza. Tudo o resto, olhando para as experiências dos três jogos de preparação, parece ainda uma pequena incógnita. Martin Vait vê Martínez como o “ponto fraco” de Portugal, curiosamente, por achar o treinador “algo naif” na abordagem aos jogos na passagem pela Bélgica e, antes, pela Premier League.

E o resultado? Que os deuses do futebol oiçam Martin: “Ui, espero uma vitória sem espinhas de Portugal, 3 ou 4-0”.

A conferência que foi ao poste

A Red Bull Arena de Leipzig é um bocadinho como aqueles prédios onde a remodelação começou pelos interiores. A zona do relvado parece novinha em folha, com o vermelho do RB Leipzig a dominar. O resto das instalações estará mais perto do Zentralstadion, o velho estádio construído nos anos 50, ainda na era mão de ferro da República Democrática Alemã. O design desses tempos dá-lhe algum charme vintage racionalista, o cinzento do betão das suas entranhas impressiona. Mas o problema é que nem tudo é lá muito prático.

Case in point: na conferência de imprensa de Portugal, já só havia lugar do lado direito da sala. Acontece que daí praticamente toda a visibilidade para a mesa está obstruída por uma gigante coluna. Foi por isso um exercício de ginástica esticar o pescoço para olhar para as expressões de Rúben Dias e Roberto Martínez, aparentemente calmos mas com aquela tensãozinha de quem está quase a iniciar um importante torneio. Uma bonita homenagem a Vítor do Poste, figura mítica da Liga dos Últimos, que tirava foras de jogo com a ajuda de um poste de electricidade e que faleceu recentemente. RIP Vítor do Poste.

Um fora de jogo bem tirado a Roberto Martínez

Assim de esguelha, pareceu que Pepe não está fora de jogo, mas Rúben Dias não adiantou muito mais sobre quem será o seu companheiro no eixo da defesa. Ou companheiros. Soubemos mais sobre a falta de superstições de Martínez e sobre o seu guarda-roupa: diz que trouxe sete camisolas, uma para cada jogo até à final e que não espera regressar antes disso. Se será recebido em festa, logo se vê.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: lpgomes@expresso.impresa.pt