UEFA Euro 2024

Toca e passa, toca e passa, toca e passa, continua assim Vitinha

Toca e passa, toca e passa, toca e passa, continua assim Vitinha
Tiago Pereira Santos
Tentou 101 passes em 89 minutos e acertou 91, o que dá uma eficácia de 91% ao pequeno grande mandão das posses de bola de Portugal. Nunca um jogo de Vitinha se medirá apenas pelos números, mas são os números que refletem o que se viu: o médio organizou o jogo da seleção, controlou tudo, foi a calma a impedir o stress e garantiu que a bola era passado no momento certo, com a força correta, no espaço necessário. A Tribuna Expresso escolheu Vitinha como o MVP do Portugal-Chéquia

Viu-se rodeado por duas pernas longilíneas e não se amedrontou, nem volveu atrás, jogar no seguro para ele é teimar ainda mais a bola que domestica faz muito tempo e por isso preferiu arranca no meio desse par de checos, foi com um pequeno pique, uma pequena rotação e uma pequena aceleração que deixou para trás os adversários até acender na sua cabeça aquela luz que anda lá para dentro sempre a piscar, não é que seja intermitente porque uma intermitência não pode ser constante e ele é uma constância em campo como se viu logo a seguir a desenvencilhar-se desses checos:

Passou a bola.

Esse passe, por acaso, apanhou o árbitro a meio do caminho rumo a outro português, portanto o jogo teve de parar e alguns jogadores barafustaram, não ele, impassível e imperturbável, que apenas esperou, concedeu o perdão ao senhor do apito, recebeu um passou-bem (haver um sinónimo destes para o vulgar aperto de mão não será inocente) e procedeu a passar a bola outra vez quando voltou a jogar-se numa altura em que pouco tempo se tinha jogado no Portugal-Chéquia. Depois, com o passar desse tempo, Vitinha passaria o jogo a passar a bola quase sempre no momento correto, para o pé certo, no espaço certeiro e com a pressa necessária.

Chama-se anáfora quando repetimos propositadamente uma mesma palavra ou expressão para reforçar uma ideia e usar um recurso estilístico calha bem para descrever o que foi Vitinha na estreia da seleção no Europeu. No fundo, para enfatizar o que ele é: um exímio passador, um controlador do ritmo das posses de bola, um mandão a indicar por onde, e a que velocidade, se deve jogar. Ao intervalo, tinha 47 dos 368 passes feitos pela seleção, um recorde em jogos de Portugal em Europeus desde 1980 (diz a Opta), no fim acabou com 91 passes feitos (e uma eficácia de 90%, diz a UEFA) e isso está longe de provar a relevância de Vitinha no jogar da seleção nacional (dizemos nós).

Na abordagem positiva e esperançosa de Portugal, que pegou na bola para encostar a Chéquia à sua área, mas atravancou-se com a falta de variedade nas tentativas de tirar adversários do caminho, o médio fez-se um farol constante, a sua luz a raiar em todo o lado. De frente para o jogo, Vitinha tomou o jogo como seu, fez a seleção avançar junta no campo, de passe em passe, atraindo a ele adversários que arriscavam saltar-lhe na pressão só para soltar a bola à mínima indicação de que algum português iria ficar livre. Não foi pelo médio do PSG que o jogo de Portugal ficou previsível, unidimensional e coxo de soluções.

Na primeira parte, quando estava visto que insistir pelos esticões de Rafael Leão na esquerda ficava redundante, Vitinha correu pelo centro do campo para receber um passe habilidoso de Ronaldo e quase marcar. Na segunda, remataria traiçoeiramente com perigo já depois de tirar o cruzamento largo que Nuno Mendes cabeceou e o guarda-redes Stanek socou para a perna do defesa Hranác servir de ricochete à própria baliza. Até na aleatoriedade houve algo de Vitinha, o pequeno mestre do cabelo preso por uma fita e do controlo preciso do tempo e do espaço quando a bola lhe chega.

Maja Hitij - UEFA

Aos futebolistas pequeninos costuma gabar-se o baixo centro de gravidade, por definição essa força invisível, inodora e inevitável empurra para baixo e baixo é Vítor Machado Ferreira, a sua própria alcunha remete para um diminutivo, mas que não pense o sufixo -inha em ousar ter jurisdição sobre algo além do tamanho palpável deste jogador baixinho e pequenino e a quem a gravidade funciona de outra maneira: há que lhe continuar a dar o comando do início das coisas do jogo de Portugal. Dos vários problemas que a seleção deixou frente à Chéquia, quase todos vivem bastante longe de Vitinha.

Faltou-lhe, é justo apontar, acautelar o espaço à entrada da área na jogada do golo dos checos, quando estava demasiado encavalitado perto dos defesas. Foi a única falha que teve. De resto, tocou na bola e passou-a, uma e outra vez e mais uma e depois outra. A vida de Vitinha é passar a bola quando e como ela deve ser passada.

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