A volatilidade da Turquia – e a emotividade do povo turco, vieram uma vez mais a superfície durante esta primeira semana do Euro 2024. O início do Campeonato da Europa coincidiu com o fim do ano escolar, e com o começo da festa do sacrifício, o Kurbam bayram, um importante marco do calendário islâmico, durante o qual o país pára. Milhões de turcos saíram das grandes cidades para se deslocarem para a costa, no meio da primeira vaga de calor deste verão, ou para terras e vilas de origem, na vastidão da enorme anatólia.
Esta semana de férias, associada às agruras da hiperinflação que atinge o país, e que escalou 75% no passado mês de maio, não deixavam muito espaço para celebrar ou sonhar com competições futebolísticas. Depois, a Turquia teve uma série de maus resultados nos jogos de preparação para esta fase final, pelo que as expectativas e o entusiasmo em relação à participação da equipa turca no Euro 2024 eram baixos. A agenda desportiva estava bem mais interessada nas especulações sobre as transferências de verão para o Fenerbahçe de José Mourinho, ou para o campeão Galatasaray, do que para a seleção nacional.
Mas a vitória suada contra a Geórgia e aquele notável golo do “miúdo” Arda Güler, ao minuto 65 – que destronou o recorde de Cristiano Ronaldo de jogador mais novo a marcar numa fase final de um Campeonato da Europa, mudou tudo: de repente, a Milli Takim ficou na boca e no coração de todos, e os turcos agora só pensam em passar à fase seguinte.
Nos últimos dias, jogadores e corpo técnico da equipa turca têm dito que vão jogar para ganhar a Portugal. Mas Ugur Meleke, um dos mais conhecidos jornalistas desportivos turcos, é mais realista: “Este será o jogo mais difícil do grupo para nós.” Meleke considera que “Portugal é um dos 4 favoritos para ganhar o Euro”, e admitiu que “a Turquia teve falhas defensivas no jogo contra a Geórgia.” Para Meleke, “se Portugal usar as alas, teremos enormes dificuldades. Está aí o nosso ponto fraco”. Mas avisa: “A nossa equipa frequentemente surpreende quando não somos favoritos. O nosso treinador sai-se melhor quando a iniciativa é da outra equipa.”
Altos e baixos
Tal como o país, o percurso da equipa nacional turca tem sido uma verdadeira montanha-russa. Depois daquele surpreendente terceiro lugar no Mundial de 2002, que alçou a Turquia ao 5° lugar do ranking da FIFA, a Turquia nunca mais conseguiu a qualificação para outro Mundial. Por outro lado, depois de outro inesperado terceiro lugar no Euro 2008, o país esteve ausento do campeonato da Europa seguinte (2012). Está neste momento na posição 42° do ranking da FIFA (Portugal está em sexto).
No último torneio europeu, em 2020, havia expectativas que a equipa turca pudesse realizar uma surpresa – mas essa participação acabou num profundo falhanço, com três derrotas, oito golos sofridos e apenas um marcado. O selecionador Senol Günes deu lugar ao alemão Stefan Kuntz, mas este não conseguiu a qualificação para o Mundial de 2022 e saiu também, entrando Vincenzo Montella. Montella passou por clubes como o Milão, o Sevilha e a Fiorentina, mas estava a treinar uma equipa modesta da liga turca (Adana Demirspor) quando foi convidado para o cargo de selecionador nacional.
A qualificação para o Europeu até correu bem, e a Turquia ganhou o seu grupo, à frente da Croácia e do País de Gales, mas os 4 jogos de preparação para a fase final do Euro 2024 (2 em março e 2 em junho) não foram muito positivos – três derrotas (2-1 com a Polónia, 6-1 com a Áustria e 1-0 com a Hungria), e apenas um empate (0-0 com a Itália). Houve quem pedisse mesmo a cabeça de Montella.
A Turquia também se viu a braços com algumas lesões de jogadores importantes, que não estão na Alemanha: os defesas Caglar Soyüncü e Ozan Kabak (que esteve emprestado ao Liverpool), e o atacante Enes Unal, do Bournemouth.
Equipa rejuvenescida e meio-campo
Montella começou a chamar à seleção vários jogadores jovens, muitos dos quais atuam em ligas europeias. O grande forte da seleção é o meio-campo, liderado pelo veterano Hakan Çalhanoglu (30 anos), campeão de Itália pelo Inter. Çalhanoglu é bem complementado pelo nosso conhecido Orkun Kökçü, e por três jovens estrelas turcas em ascensão: Arda Güler (19 anos, jogador do Real Madrid), Ferdi Kadioglu (que vai ser treinado por Mourinho no Fenerbahce) e Kenan Yildiz, da Juventus, que poderá não começar hoje contra Portugal, substituído por Kerem Akturkoglu.
Portugal já defrontou a Turquia na fase final do Euro 1996 (vitória de Portugal por 1-0 com golo de Fernando Couto), nos quartos de final do Euro 2000 (vitória de Portugal por 2-0 com 2 golos de Nuno Gomes), e na fase de grupos do Euro 2008 (2-0 para Portugal com golos de Pepe e Raul Meireles)
Uma coisa é certa – as bancadas do estádio em Dortmund serão dominadas pelos turcos. Na Alemanha há 3 milhões de turcos ou turco-descendentes, e esta enorme diáspora vai dar tudo pela Milli Takim. Como o presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse quando ligou para o balneário depois da vitória contra a Geórgia: “deram-nos um enorme presente nestes dias de festa e celebração na Turquia. Queremos mais”.
Meleke confessa que tem alguma esperança: “Sabem, Dortmund é uma das cidades onde se comem os melhores kebabs e lahmacun fora da Turquia. Estes dias vi muitos adeptos portugueses a comer os nossos kebabs… É um sinal”.
Pois neste confronto gastronómico, esperemos que seja o bacalhau a predominar.