Nos tempos que vão correndo, há uma expressão que se ouve a cada passo, seja na rua seja na TV, e que recebe o meu sorriso cúmplice e aprovador. Nem mais nem menos que: “a nossa selecção!” Não é preciso acrescentar mais nada, pois todos sabemos que se trata daquele grupo de rapazes - os mais maduros senhores Pepe e Ronaldo me perdoem - que chegaram à Alemanha, vestidos a preceito com as cores da nossa bandeira, e avisam estar com vontade de só regressar a casa quando tiverem nas mãos uma taça igual à que conquistaram em Paris, em 2016.
Fiquem seguros que podem ficar por Marienfeld até meio de julho, pois os demais de nós garantimos que não morreremos de saudades, e resistiremos ao nervoso miudinho (e o mais graúdo) que a caminhada inevitavelmente nos acometerá.
Para já uma coisa é certa. E todos agradecemos, menos os vendedores de máquinas de calcular. Neste campeonato ninguém precisa delas. Está tudo despachadinho sem elas. Daqui para a frente, já não há mais cálculos a fazer. Vamos jogar com contas fáceis, sem calculadora. Mais um golo que o adversário e… vamos em frente. Assim seja e a coisa vai…
Mas, voltemos à expressão “a nossa seleção”: em primeiro lugar, esta é a “nossa” seleção que o simpático e sóbrio senhor Martinez escolheu como sendo a melhor, e que no terreno de jogo se tem portado muito bem. Primeiro lugar no grupo, e o respeito dos adversários, que já perceberam que Portugal está ali “para as curvas”. E nas curvas apertadas contaremos com aquela pontinha de sorte de que nenhum campeão pode prescindir. E até das asneiras dos adversários que (involuntariamente, claro) já nos deram uma ajudinha em vários golos.
Uma seleção que dispõe da respeitabilidade e exemplo mundial de Ronaldo e Pepe, da segurança tranquila do Diogo Costa, ou da intencionalidade de Bruno Fernandes, dos recém-campeões europeus Bernardo e Rúben, de “peões de brega” como Vitinha e João Neves, da experiência de Cancelo, Palhinha ou Leão, e do “atrevimento virtuoso” de Nuno Mendes, António Silva, Félix, Diogo Jota e outros tantos, bem pode levar Portugal até ao dia 14 de julho em Berlim.
E chamamos-lhe “nossa”, porquê? Porque é Portugal, e nós somos Portugal! E sentimos o país inteiro representado naquele grupo. E não apenas o país desportivo com os melhores nacionais e internacionais, mas o país todo, do litoral ao interior, do urbano ao rural, do continente às ilhas, do laço africano ao brasileiro, da multiculturalidade que somos e que se mostra tão expressiva naquele grupo.
É também por isso que lhe chamamos “a nossa seleção.” Aqueles rapazes somos nós, no esplendor das nossas diferenças e no infindável mundo das nossas ilusões. É por isto ser assim que o futebol é o desporto mais popular. Não foi o berço que lhes trouxe a fortuna, foi o dom e o trabalho que lhes ofereceu a recompensa de serem felizes fazendo o que gostam, afinal esta coisa simples de jogar à bola.
Esta seleção não é apenas uma mistura de defesas, médios ou atacantes, de jogadores campeões nos mais diversos campeonatos em diferentes partes do mundo. É também, e antes disso, uma enriquecedora conjugação de cidadãos bem diferentes, que assumem o desejo de vitória como resultado de um coletivo. O seu coletivo, mas também o do país que representam.
“Representar Portugal é o mais especial e o mais difícil”, disse há dias Bernardo Silva. E acrescentou que “no futebol não há espaço para vedetas. Se quisesse ia jogar ténis ou golfe.” E mais ainda, que “o futebol é uma área de entretenimento, que gere muito dinheiro e por isso somos uns sortudos, mas é injusto pensar que somos melhores que outros só porque sabemos dar uns chutos na bola.”
Um dia, quando era menino e perseguia o sonho, disseram-lhe que “filho de doutor não dá jogador!” Mas deu. E que jogador! A pedir meças aos doutores de outras artes, eruditos e intelectuais, que ainda persistem em olhar para o futebol com medo de contaminação, de um mundo que veem como impróprio. Como se enganam! Este mundo real, que teimam em não aceitar, mostra a sua riqueza nesta “nossa seleção” e nos seus sonhos, que tanto gostamos de partilhar. Vamos em frente!