Os craques estão todos nas seleções favoritas? Não, há um lado B do Europeu: de Sucic a Stanciu, passando por Asani e Sesko
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Para lá dos jogadores que roubam os holofotes e são os ímans de quase toda a luz da atenção, houve bastantes jogadores a brilharem em seleções das quais se esperaria menos. Entre Albânia, Eslovénia, Roménia ou Geórgia, estes são os jogadores que mais entusiasmaram - para quem, eventualmente, tenha estado mais distraído durante a fase de grupos do Europeu. Spoiler: inclui o melhor marcado até ao momento do Euro 2024 e, talvez, o melhor guarda-redes
Depois de uma carreira dividida entre clubes na Macedónia do Norte, Albânia, Suécia e Hungria, o jogador de 29 anos do Gwangju, da Coreia do Sul, foi um dos destaques da equipa de Sylvinho. O selecionador descobriu-o na Ásia quando assumiu o cargo da equipa albanesa e, desde a estreia no ano passado, Asani tem-se destacado, protagonismo que reforçou no Europeu.
Na competitiva Albânia, que poderia ter obtido algo mais das partidas contra Itália (derrota pela margem mínima) e Croácia (cedeu o empate aos 95’), Asani era um canhoto que partia da meia-direita, fazendo uso da sua excelente precisão técnica. Assistiu Qazim Laçi — médio de 28 anos do Sparta Praga que foi outra das notas positivas da equipa — para o 1-0 contra os croatas.
Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf
Luka Sucic (Croácia, médio-ofensivo, 21 anos)
No apagão da brilhante geração croata liderada por Luka Modric, a melhor notícia foi a consolidação do jovem criativo canhoto. Ao longo da curta participação dos medalhados de bronze do Mundial 2022, Susic foi ganhando protagonismo, jogando 25' contra a Espanha, 45' frente à Albânia e fazendo a estreia a titular num grande torneio contra a Itália.
Médio de grande classe e qualidade técnica, frente aos italianos partiu da direita e deu novo perfume à posse de bola da equipa. Filho de pais bósnio-croatas que fugiram da guerra nos anos 90 rumo à Áustria, tem toda a vida desportiva ligada ao Red Bull Salzburg. Em dezembro marcou ao Benfica na Liga dos Campeões e promete continuar a brilhar nas principais competições.
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Mykola Shaparenko (Ucrânia, médio, 25 anos)
O talento ucraniano fugiu de um país em guerra e não teve dificuldades em encontrar abrigo nas grandes ligas europeias. Dovbyk foi o melhor marcador no campeonato espanhol, jogando no surpreendente Girona ao lado de Tsygankov. Mudryk, Zinchenko, Zabarnyi e Mykolenko povoam a Premier League. Mykola Shaparenko, criativo da Ucrânia no Euro 2024, não seguiu o mesmo rumo e aos 25 anos continua no campeonato local a representar o Dínamo Kiev.
Uma grave lesão no joelho afastou Shaparenko dos relvados durante oito meses, perdendo praticamente toda a temporada 2022/23. Recuperou a forma a ponto de estar entre os convocados de Serhiy Rebrov. “Está em ótimas condições”, tem dito o presidente do Dínamo Kiev, Ihor Surkis. “Vai valer 300 milhões de euros”. Permanece em anonimato o clube que possa querer vir a pagar tal exorbitância, mas o Euro terá inflacionado o preço de Shaparenko. Que existam interessados em tirá-lo da Ucrânia não é surpreendente.
Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf
Georges Mikautadze (Geórgia, avançado, 23 anos)
O único jogador entre os convocados que nunca atuou no país foi o marcador do primeiro golo da Geórgia num Euro. Mikautadze nasceu em França e por lá tem escrito as linhas mais relevantes do seu currículo futebolístico. O Ajax não considerou um handicap que os 23 golos marcados no Metz tivessem sido conseguidos na Ligue 2, o segundo escalão do futebol francês, e pagou 16 milhões de euros pelo avançado.
“O Georges não é o Mbappé, mas é o Mbappé do Metz”. Assim foi descrito por Laszlo Boloni, treinador do Metz e antigo timoneiro do Sporting, antes do jogador de 23 anos rumar a Amesterdão. Meia temporada chegou para perceber que faltava espaço na equipa neerlandesa para encaixar Mikautadze. Regressou então por empréstimo ao Metz, já na Ligue 1. Com 12 golos nos últimos 14 jogos da época, o treinador da Geórgia, Willy Sagnol, não teve outra hipótese que não aproveitar o embalo e fazer do atacante uma das referências da seleção no Euro 2024.
Apesar do contributo de Mikautadze, o Metz acabou por cair de novo para a Ligue 2. Les Grenats readquiriram em definitivo os direitos desportivos do georgiano que, apesar do vínculo, está longe de ter o futuro assegurado. Questões de tesouraria que uma descida de divisão sempre implicam podem levá-lo a outras paragens.
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Benjamin Sesko (Eslovénia, avançado, 21 anos)
Benjamin Sesko já era trending topic antes do Euro 2024. O nome do ponta de lança esteve fortemente associado à Premier League, em especial ao Arsenal. Antes de rumar ao estágio da Eslovénia, o jogador de 21 anos pregou uma partida a todos os que achavam que deixaria o RB Leipzig já este verão e renovou por mais cinco temporadas com a equipa da Bundesliga.
Há registos de Sesko, com 14 anos, a tocar com o pé num cesto de basquetebol ao estilo do que fazia Zlatan Ibrahimovic quando dominava bolas com o pé a um nível onde os defesas não conseguiam colocar a cabeça. Afinal, o sueco é o ídolo do internacional esloveno que foi o substituto direto de Haaland no RB Salzburgo quando o norueguês deixou a equipa austríaca para rumar ao Dortmund. Caminha para deixar a sua própria marca - e Portugal vai poder tirar-lhe as medidas nos oitavos de final.
Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf
Nicolae Stanciu (Roménia, médio, 31 anos)
Olhar para o CV do jogador romeno de 31 anos e poucas parangonas, antes do Europeu, e constatar como, em 2022, optou por ir jogar para o Wuhan Three Towns, da China, clube que precedeu a sua aterragem no Damac, da Arábia Saudita, seria um aval a nos precipitarmos num julgamento: ser tão novo e escolher tão cedo ir jogar nos subúrbios da periferia do futebol, onde o ritmo das partidas perde na balança o peso dos salários, podia ser sinal de alguém a abster-se de ter pedalada para medir o que vale nos lugares onde se pode cruzar com os melhores. O capitão da Roménia não tardou a desfazer esta conceção.
Ao golaço que marcou sem pedir licença, no primeiro jogo, contra a Ucrânia, disparando um míssil de primeira à entrada da área, abriu caminho ao trabalho que tem de ser quem liga jogadas, decide o seu rumo e lança os extremos nos movimentos ofensivos da sua seleção. Pequeno, tatuado nas pernas e nos braços, Stanciu tem um naipe de espadas gravado a tinta no pescoço que faz jus ao futebol que apresentou nos três encontros que a Roménia teve no Europeu.
Não era o mais rápido da Roménia (nisso come o pó de Mihaila), nem quiçá o mais vistoso, mas o pulmão dos organizados romenos, sempre estruturados e competitivos, esteve em Nicolae Stanciu. Um dos golos mais bonitos do torneio ninguém lho tirará, como talvez vivalma o resgate tão cedo do Médio Oriente onde parece estar feliz na primazia que dá a outros apetrechos na carreira de futebolista. É uma pena. O futebol de Stanciu ainda é rotativo, intenso e intencional nos toques que dá na bola, raramente a mais, quase sempre no número estritamente necessário. Andou ali pelo meio-campo (foi quem mais correu na sua equipa) a tratar de tudo enquanto a Roménia fazia por termina em 1.º lugar do seu grupo
Robbie Jay Barratt - AMA
Georgiy Sudakov (Ucrânia, médio, 21 anos)
Longe esteve de ser uma surpresa vê-lo a vadiar no meio-campo da Ucrânia, a ser o provedor do tiquetaquear da troca de bola que a sua seleção privilegiou desde o primeiro jogo, lenta e previsivelmente ao início (contra os romenos), com outro fulgor e dinâmica à segunda tentativa (diante de eslovacos) e contra a maior exigência de rotatividade no desfecho da fase de grupos (frente aos belgas). Quando se extraiu o melhor do jogo de posse ucraniano, raramente Sudakov não esteve envolvido.
O médio veio de uma época com 10 golos e três assistências no Shakhtar Donetsk, estando na meia dúzia de jogos que o clube fez na Liga dos Campeões. Já aí evidenciou o que o faz ser, aos 21 anos, titular da Ucrânia: muito bom com a bola nos pés, engenhoso a guardá-la e procurar combinações (tabelas, toca e vai) com quem tenha perto e espevitado a explorar espaços entre linhas. Com ele e outros (Shaparenko à cabeça, do Dynamo Kiev), o futuro da seleção está bem entregue.
Global Images Ukraine
Stanislav Lobotka (Eslováquia, médio, 29 anos)
A Eslováquia de Calzona depende do coletivo como poucas equipas neste Europeu. Sem grandes estrelas ou craques que consigam desequilibrar, os eslovacos confiaram na sua engrenagem para, pela segunda vez na história, superarem a fase de grupos.
Ainda assim, no meio-campo da Eslováquia, há um baixinho que se destaca, que joga e faz jogar, que parece ter nos pés e na cabeça os segredos da equipa. Lobotka é capaz de organizar futebol, de juntar a equipa através do passe, de lançar ataques e, sem bola, é um ladrão como poucos.
Com muito traquejo de Nápoles, onde já fez 163 partidas e venceu a Série A, o centrocampista transporta a sua experiência para a seleção, sendo, claramente, o líder futebolístico desta Eslováquia. Contra a Bélgica, no triunfo na ronda inaugural, fez uma exibição épica, parecendo multiplicar-se no relvado. Nesse encontro, foi eleito o melhor em campo, tal como contra a Roménia.
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Dennis Man (Roménia, extremo, 25 anos)
A Roménia surgiu em grande estilo no Europeu, arrasando a Ucrânia por 3-0. Para essa grande primeira impressão, muito contribuiu Man, atacante veloz e agressivo. Na sua estreia numa fase final, demorou 59 minutos para fazer duas assistências, a segunda delas após belo lance individual.
Canhoto que arranca da direita — um dos muitos do torneio —, Man sintoniza-se bem com a energia e frescura romena neste Europeu. Joga no Parma, na Série B italiana, tendo ajudado à subida do histórico emblema à elite do calcio. Enquanto não o vemos na Série A, promete continuar a causar problemas às defesas na Alemanha.
Os portugueses conheceram melhor os cantos ao matulão das luvas na baliza georgiana quando Diogo Dalot, em jeito e com arrojo, rematou em arco à entrada da área o que parecia ser uma daquelas tentativas para a bola, com o efeito, parecer ir para fora e depois curvar-se rumo ao ângulo superior. Mas, esticando-se com os seus 197 centímetros, usando o braço contrário ao do lado da baliza visado pelo remate, Mamardashvili terá feito a parada do torneio (pelo menos até então).
O guarda-redes da Geórgia foi quem acabou a fase de grupos com mais defesas (20), estatística vazia e que prova nada, porque não dependem dele as bolas que são chutadas à sua baliza. Prova, sim, a tua atividade eficaz. E comprova a parede com mãos que é Mamardashvili caso ganhem tempo a vê-lo, pois observá-lo entre os postes nunca poderá ser perder segundos ou minutos de vida.
Este gigante é rápido a reagir, enorme a tapar a baliza entre os postes e seguro a afastar-se deles para se fazer a bolas aéreas. A par de Gigi Donnarumma, ele prova de que existe uma muralha da China em Itália, o guarda-redes da Geórgia será o mais destacado jogador de luvas postas neste Europeu.