UEFA Euro 2024

A “geração de ouro” da Suíça multicultural acredita ter a “oportunidade de uma vida” neste Europeu. E não a quer desperdiçar

A “geração de ouro” da Suíça multicultural acredita ter a “oportunidade de uma vida” neste Europeu. E não a quer desperdiçar
Ryan Pierse - UEFA/Getty

Os helvéticos superaram a fases de grupos dos últimos seis Europeus e Mundiais, registo que só a França iguala. Para esta subida de nível, muito tem contribuído a mistura de proveniências familiares dos seus jogadores, que vão dos Balcãs à Nigéria, da República Dominicana ao Senegal, de Espanha à Nigéria. Depois da boa imagem na fase de grupos, há crença em “fazer algo grande” contra a Itália (sábado, 17h, Sport TV1) nos oitavos de final

A “geração de ouro” da Suíça multicultural acredita ter a “oportunidade de uma vida” neste Europeu. E não a quer desperdiçar

Pedro Barata

Jornalista

Granit Xhaka nasceu em Basileia, filho de uma família albano-kosovar que fugiu à guerra dos Balcãs; Xherdan Shaqiri nasceu no que ainda era a Jugoslávia, também descendente de albano-kosovares, e com poucos meses mudou-se para a Suíça.

Ricardo Rodríguez veio ao mundo em Zurique, com pai espanhol e mãe galega; Breel Embolo nasceu nos Camarões, foi para Paris em criança e, depois, para Basileia, percurso semelhante ao de Yvon Mvogo, mas sem a parte parisiense; Kwadwo Duah é natural de Londres, filho de ganeses que foram novos para a Suíça.

Manuel Akanji, Ruben Vargas, Noah Okafor, Leonidas Stergiou, Dan Ndoye e Ardon Jashari nasceram todos em território suíço, mas com ascendência, respetivamente, da Nigéria, República Dominicana, Nigéria, sérvia do lado da mãe e grega do lado do pai, Senegal e Macedónia do Norte.

O que une todos estes casos? São futebolista da Suíça, equipa que esteve a instantes de derrotar a Alemanha na fase de grupos e que, nos oitavos de final, defrontará a Itália (sábado, 17h, Sport TV1). E uma seleção que vive o melhor momento da sua história.

Até ao Euro 2016, a Suíça jamais superara a fase de grupos de um Europeu. Em Mundiais, depois dos quartos de final em 1934, 1938 e 1954, seguiu-se um apagão: entre 1954 e 2010, só por duas vezes superaram a fase de grupos, tendo mesmo estado seis edições consecutivas sem conseguir o apuramento.

Pois bem, a mudança foi radical. No Mundial 2014, Euro 2016, Mundial 2018, Euro 2020, Mundial 2022 e Euro 2024, a Suíça superou sempre a fase de grupos. Só a França iguala esta sequência.

Os jornais falam em “geração de ouro”. Uma fornada histórica que bebeu das raízes multiculturais para elevar o nível da Nati.

“Uma excelente mistura”

O despertar da força terá ocorrido em 2009, quando a seleção sub-17 se sagrou campeã do mundo. Nessa equipa estavam Granit Xhaka, recordista de internacionalizações e já quase um treinador dentro de campo, e Ricardo Rodríguez, terceiro jogador com mais partidas pela Suíça. Rodríguez só não fez todos os minutos de todos os jogos da seleção em fases finais na última década porque foi substituído aos 90' de um encontro no Mundial 2022, e aos 87' de um jogo do Euro 2022.

Também nesses sub-17 estava Haris Seferovic, ex-Benfica e sexto melhor marcador de sempre da Suíça. O avançado tem família da Bósnia, tal como outros membros da geração de ouro que já não estão no Euro 2024: Blerim Džemaili e Admir Mehmedi possuem ascendência albanesa, Valon Behrami é albano-kosovar.

Ricardo Rodríguez (com o 13) e Xhaka (à direita) no Mundial sub-17 de 2009
Jamie McDonald - FIFA/Getty

Lucas Werder, jornalista do “Blick”, considera que falar do peso da imigração na equipa pode ser um “tópico sensível”, porque corre-se o risco de “roçar a discriminação”. Deixa claro que “são todos suíços”, que a maioria nasceu no país, pede “sensibilidade” a abordar o tema.

Tendo tudo isto em atenção, Werder acredita que, na equipa de Murat Yakin, “há uma excelente mistura”: “Trazem traços de diferentes culturas e backgrounds para a seleção. Creio que a maior diferença é a nível de mentalidade, temos uma equipa de lutadores. No geral, esta convivência com êxito é uma excelente mensagem para o país”, aponta o jornalista.

Além da multiculturalidade, Lucas Werder deteta uma mudança na “ambição” do coletivo. Na temporada que terminou, Sommer, Akanji e Xhaka foram, respetivamente, campeões em Itália, Inglaterra e Alemanha, todos com elevado protagonismo, e o jornalista considera que “essa fasquia elevada” foi trazida para este Europeu. “Não lhes chega chegar aos ‘oitavos’ e pronto”, comenta.

Além do que os futebolistas têm feito nos clubes, houve, para Werder, um “momento-chave” neste caminho de consistência da Nati. Em 2021, quando a Suíça eliminou a França, então campeã do mundo, “todos se aperceberam que já não era só chegar aos oitavos de final e perder”, mas “era possível derrubar os maiores”.

O penálti de Mbpappé que Sommer defende, permitindo à Suíça eliminar a França em 2021
FRANCK FIFE/Getty

“Última grande oportunidade”?

Já sabemos que, neste Europeu, os lados do quadro são assimétricos. Dez títulos de campeão continental de uma parte, três na outra.

A Suíça está na “outra”, no lado teoricamente mais acessível. Por isso, Lucas Werder diz que, no país, se fala “na oportunidade de uma vida” nesta competição. Uma chance que pode coincidir com a “última grande oportunidade” desta geração em conjunto, dado que boa parte da espinha-dorsal da seleção (Sommer, Xhaka, Schär, Freuler ou Ricardo Rodríguez) já supera os 30 anos.

O caminho, ainda assim, “não é um passeio no parque” para Werder. Há, agora, a Itália, detentora do título. Nos quartos de final, se Inglaterra não for surpreendida pela Eslováquia, o adversário seriam os vice-campeões da Europa. Mas não há Alemanha, França, Espanha ou Portugal — que goleou a Suíça por 6-1 no passado Mundial, num raro caso em que a Nati foi arrasada — rumo à final e esta conjugação de quadro + geração de ouro + momento de forma leva ao otimismo.

Xhaka, qual adjunto de Yakin
Alex Grimm/Getty

A Suíça só perdeu no prolongamento dos ‘oitavos’ do Mundial 2014 contra a Argentina e, em 2016 e 2020, apenas caiu nos penáltis. Apesar desta consistência, talvez tenha sido nesta fase de grupos que a equipa mais chamou a atenção pelo nível de jogo, com variabilidade e diversas soluções táticas, com qualidade particularmente assinalável na primeira parte contra a Hungria e durante todo o duelo contra a Alemanha.

Entre as novidades, o desequilíbrio de Dan Ndoye, de 23 anos, ou a versatilidade de Michel Aebischer, estreante em Europeus, têm dado toques diferentes à equipa. Mas há ainda espaço para o eterno Shaqiri, que contra a Escócia chegou à sexta fase final seguida a marcar.

No banco, Lucas Werder descreve Murat Yakin como um treinador que “tenta fazer coisas especiais”, procura “agitar, mudar coisas”. Frente a Itália, o jornalista acredita que o antigo defesa, 47 vezes internacional, “terá alguma surpresa na manga”.

O duelo contra os transalpinos poderá marcar o início do aproveitamento desta “oportunidade de uma vida” para a Suíça. A imprensa fala de um duelo de 50% de hipóteses para cada lado, mas Werder avisa para a fama que Yakin, bicampeão pelo Basileia, tem no país: “É um treinador com muita sorte. Não podemos descartar essa vantagem que ele tem.”

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: tribuna@expresso.impresa.pt