Esta seleção da Alemanha foi criada em três meses. É como se tivesse percebido, de repente, que ia ter um torneio em casa
Kevin Voigt/Getty
O Espanha-Alemanha será um dos jogos grandes dos quartos de final do Euro 2024 e Philipp Lahm, diretor do torneio, prevê o que aí vem: a Espanha é mais estável e homogénea, a Alemanha depende do impulso e é imprevisível. O resultado, como sempre, está em aberto e, apesar de toda a estratégia, o futebol continua a ser um jogo em que o acaso desempenha um importante papel
Ainda restam oito, mas todas as vinte e quatro nações contribuíram para o sucesso do torneio. Pelo menos em termos de atmosfera, mas também a nível desportivo. O resultado de 5-1 no jogo de abertura da Alemanha contra a Escócia continuou a ser uma exceção, a regra foram os jogos disputados e os resultados à justa. Quando a UEFA aumentou o número de participantes num Campeonato Europeu, há alguns anos, eu era um cético. Agora sinto-me contente por a Europa estar tão bem representada.
As seleções nacionais têm uma razão de ser diferente para os jogadores de futebol. Eles competem pelo seu país de origem e estabelecem um vínculo com os seus adeptos. O Euro 2024 deu azo a um ambiente europeu. Há exuberância nas bancadas e muitas das cenas em campo são enternecedoras.
Os mais pequenos têm de adaptar-se e conseguem fazê-lo porque assumem o seu papel de aspirantes. Jogam à defesa e procuram aproveitar as poucas oportunidades de que dispõem. Quando contra-atacam, um murmúrio percorre todo o estádio e às vezes a gritaria dos adeptos leva a bola até ao golo. Um por todos e todos por um. É isso que as pessoas querem ver.
A mais impressionante foi a Geórgia, a equipa foi extremamente resiliente. A forma como defenderam contra Portugal fez-me lembrar a Atalanta de Bergamo, vencedora da Liga Europa, em termos da intensidade dos desarmes. Portugal ficou incomodado e, a certo ponto, desistiu. Nos oitavos de final, a Geórgia foi derrotada pela melhor equipa até ao momento. A forma como a Espanha dominou todos os seus adversários até agora, e com alegria de jogar, é deveras notável.
A Espanha continua a representar a excelência e uma ideia que remonta a Johan Cruyff e Pep Guardiola: a de um futebol técnico e de combinações ofensivas. A formação e a educação baseiam-se nesta ideia, e a Federação Espanhola de Futebol decidiu que todas as seleções nacionais a partir do escalão Sub-15 joguem de acordo com ela. Todos se identificam com tal ideia. Eu próprio tive contacto com ela, tanto enquanto adversário derrotado como enquanto jogador de Guardiola.
Edith Geuppert - GES Sportfoto
O selecionador nacional, Luis de la Fuente, absorveu esta cultura. Foi jogador profissional da primeira divisão e trabalhou durante onze anos na Associação, onde treinou diversas equipas juvenis. Conhece bem os jogadores e o ambiente. Com ele, a associação aposta na continuidade.
A base das seleções espanholas é sempre reconhecível. Aconteceu o mesmo no Campeonato do Mundo de 2022, quando a Espanha, assim como a Alemanha, foi eliminada precocemente. A atual equipa, por outro lado, volta a contar com jogadores de primeira linha que traduzem o seu domínio da bola em resultados: Nico Williams, Lamine Yamal, Pedri, Fabián Ruiz, Rodri. Não é preciso ser profeta para considerar que eles estão entre os melhores do futebol europeu.
Quando as ideias e o talento se juntam, pode-se esperar que a Espanha tenha um desempenho ao mais alto nível. Este ano, a equipa está a jogar maravilhosamente bem. Ao observá-los, a fantasia é que possam vir a seguir os passos da equipa que ganhou tudo desde 2008 até 2012. Se uma tal época se repetisse, não seria por acaso.
Os adversários deles nos quartos de final são muito diferentes. Devido à sua dimensão, à sua população e às robustas finanças da sua liga, a Alemanha está sempre entre as favoritas. Nenhuma outra nação chegou com tanta frequência às finais dos Campeonatos do Mundo ou dos Europeus. E a estrutura da liga, bem como a sua densa rede de centros de desenvolvimento juvenil (“Nachwuchsleistungszetren”), são únicas no mundo.
Os princípios de seleção e competição que daí resultam produzem regularmente muitos jogadores que são fortemente competitivos. Gareth Southgate fez as contas: há dezoito jogadores de futebol alemães que foram titulares nos quartos de final da Liga dos Campeões. A qualidade dos indivíduos confere uma estrutura ao todo. Qualquer treinador do mundo diria acerca de Toni Kroos, Ilkay Gündogan, Kai Havertz, Leroy Sané, Jamal Musiala ou Florian Wirtz: Tragam-mo!
Marvin Ibo Guengoer - GES Sportf
A atual seleção nacional foi criada em três meses. É como se nós tivéssemos percebido mesmo a tempo que íamos ter um torneio em casa. Desde então ela ganhou unidade em quatro partidas-teste e em quatro jogos do torneio. O seu desempenho no jogo dos oitavos de final contra a Dinamarca foi repleto de paixão e de energia.
Pela primeira vez, tornou-se claro como podem ser valiosas as habilidades de Havertz. O talento dele sempre lá esteve. Só precisava de ser aprimorado, primeiro no Chelsea, depois no Arsenal e no Campeonato Europeu.
Agora é a Espanha contra a Alemanha. A Espanha é mais estável e homogénea. A Alemanha depende do impulso e é imprevisível. O resultado está em aberto. Apesar de toda a estratégia, o futebol continua a ser um jogo em que o acaso desempenha um importante papel. A videovigilância (VAR) veio intensificar isso.
O torneio é divertido. Um dos cinco grandes já foi eliminado, a atual campeã Itália. No entanto, estão nos quartos de final três países que nunca venceram um Campeonato da Europa. Pelo menos um deles chegará às meias-finais, talvez um deles à final. É essa a vantagem do torneio. Pode-se tirar partido da sorte. Esta tensão é o pré-requisito para que o UEFA Euro 2024 seja uma enorme tenda de cerveja (“Bierzelt”). Até ao último dia.
*texto escrito em colaboração com Oliver Fritsch, do jornal Zeit Online.