Ficaremos sempre com a atitude espartana da Turquia, aquela que não foi suficiente para eliminar os Países Baixos
Mateusz Slodkowski
A bravura da equipa de Vincenzo Montella deixou a Turquia em vantagem. O futebol a morder o dente, onde os espaços nascem com naturalidade, foi prejudicado pelas ocorrências que, no espaço de seis minutos, revolucionaram o jogo. Os Países Baixos completaram a cambalhota (2-1) e estão na meia-final do Europeu dos autogolos. Pela frente, vão ter a Inglaterra
Salih Ozcan tem provavelmente uma das barbas mais impecáveis do Europeu. Acompanha o bom trato do pelo facial com um cabelo em degradê de igual modo pomposo. Troquem-lhe a camisola com a lua minguante por uma camisa e fica ativado o modo corporate do médio. O brio da aparência não o impediu de se atirar de cabeça a um lance com a bola a meia altura com Jerdy Schouten. “Que perigo!”, podem pensar alguns. Foi mesmo um lance aparatoso e até motivou a intervenção da equipa médica, mas para assistir quem o abordou com a proteção da chuteira.
A atitude espartana da Turquia nos quartos de final foi um reflexo de uma competição em que quebrou uma série de tabus competitivos, nomeadamente os que dizem que não se pode ter uma postura audaz em jogos a eliminar e contra equipas superiores. Barış Yılmaz foi outro dos promotores de fastos comportamentos bravos da equipa de Vincenzo Montella que não é por ter sido eliminada que deixa de ter sido a surpresa do Europeu.
Mateusz Slodkowski
Os Países Baixos, herdeiros da elegância dos antepassados mecânicos, só quando também quiseram aumentar a robustez é que tiveram sucesso. Ronald Koeman não esperou muito. Ao intervalo, estava a lançar Wout Weghorst para que a intensidade nos duelos ofensivos fosse um dado a ter em conta. Foi também uma situação de desespero. A Turquia tinha-se adiantado no marcador aos 35 minutos. Arda Güler – Carlo Ancelotti, para o ano é bom que trate bem do menino – cruzou para o segundo poste. Samet Akaydin elevou o entusiasmo.
Caíam, levantavam-se, ganhavam a bola, perdiam a bola. As quatro ações podiam muito bem acontecer no espaço de meros segundos. Foi o estilo que os turcos nos deixaram, embalado por bancadas na Alemanha sempre bem preenchidas por gente ruidosa e que se empolga a cada lance dividido. Nesta seleção até os tecnicistas vão à relva, se assim tiver que ser, para, ao nível do solo, levarem ao limite a luta pela posse de bola.
Ferdi Kadıoğlu, por natureza, é um lateral rasteiro, mas a envolvência do jogo ainda o levou mais longe. Por ventura, até estaria mais empolgado do que qualquer outro dos excelsos participantes no encontro. Nascido em Arnhem, nos Países Baixos, representa a Turquia depois de uma trajetória pelas seleções jovens neerlandesas. Foi, aliás, a primeira vez que o jogador do Fenerbahçe defrontou a Laranja Mecânica.
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Aquilo que podia ser uma boa história para contar e que o livre ao poste de Arda Güler quase confirmou, anulou-se em seis minutos. Canto curto na direita e De Vrij devolveu à Turquia a gentileza de, através de uma bola parada, finalizar. O empate acabaria por embalar os neerlandeses para a cambalhota no marcador. O cruzamento traiçoeiro entre o guarda-redes e os defesas levou Mert Müldür a fazer autogolo. Apesar do último toque não lhe pertencer, foi graças à perseverança de Cody Gakpo que o erro surgiu.
A necessária reação dos jogadores de Vincenzo Montella levou o jogo a partir-se, situação em que a Turquia se sente confortável e que, na maior parte do tempo, os Países Baixos conseguiram evitar. Se os turcos ficaram perto de sofrer o terceiro golo, Zeki Çelik também podia tem feito o empate, assim não estivesse Van de Ven em cima da linha de baliza para cortar.
20 anos depois, os Países Baixos voltam às meias-finais. O acesso ao jogo do título vai ser disputado com a Inglaterra, em Dortmund. A Turquia está eliminada, mas, anos mais tarde, quando esta edição do Euro for um trapo, é desta equipa que a memória se vai lembrar.