Um novo muro em Berlim: o choque entre clubes judeus e árabes na capital do Euro 2024

Jornalista
Estádio: Olympiastadion
Região: Berlim
O extremo-direito neerlandês, Anwar El-Ghazi, pode ter destruído precocemente a carreira, aos 28 anos; não por ter sofrido uma lesão grave, tão pouco por ter agredido um árbitro, mas porque expressou o seu apoio à Palestina no Instagram. “Isto não é uma guerra. Quando um lado corta ao outro a comida, a água e a luz, isso não é uma guerra. Quando um lado tem armas nucleares, isso não é uma guerra. Quando um lado é financiado por milhares de milhões de dólares, isso não é uma guerra. […] Isto não é um conflito nem é uma guerra. Isto é genocídio e destruição massiva, a que estamos a assistir em direto”, escreveu o futebolista do Mainz, a 17 de outubro do ano passado, no começo da ofensiva israelita em Gaza. Acrescentou uma frase polémica: “Do rio até ao mar, a Palestina será livre.” Um mote bastante usado pelos ativistas pró-palestinianos, mas que, para muitos judeus, tem conotações antissemitas, pois entendem que um Estado palestiniano que se estenda do rio Jordão até ao mar Mediterrâneo pressupõe a eliminação de Israel.
O clube, inicialmente, disse que El Ghazi tinha sido avisado e que “lamentava” o que tinha escrito. Mas o internacional dos Países Baixos, de ascendência marroquina, prontificou-se a desmentir o empregador: “Não me arrependo nem tenho nenhum remorso pela minha posição. Não me distancio do que disse nem do que acredito, hoje e até ao meu último suspiro, pela humanidade e pelos oprimidos”, escreveu, sublinhando que é contra o antissemitismo e a islamofobia. O Mainz suspendeu o seu contrato: “A administração enfatizou claramente a El Ghazi que exige aos seus empregados compromissos em relação aos valores do clube. Isto implica uma responsabilidade especial em relação ao Estado de Israel e ao povo judeu, relacionada com a história alemã, mas também com a história do clube e do seu cofundador judeu, Eugen Salomon”, justificou, em comunicado. El Ghazi, um jogador com passagens por emblemas poderosos como o Ajax ou o Aston Villa, continua desempregado.
Pela mesma altura, o jogador marroquino do Bayern de Munique, Noussair Mazraoui, publicou na sua conta uma simples mensagem: “A Palestina vencerá.” Foi o suficiente para provocar uma avalanche de apelos ao seu despedimento, algo que o Bayern conseguiu evitar, não sem uma nota a condenar a atitude do atleta. “Foi completamente inaceitável para alguém que devia respeitar a nossa sociedade”, diz à, Tribuna Expresso, Alon Meyer, presidente do Makkabi Alemanha, uma plataforma que gere a ginástica e as modalidades desportivas das associações judaicas no país. “Ele não condenou o ataque terrorista do Hamas em nenhum momento, nem mencionou Israel - talvez porque não reconheça a sua existência? Quando se toma uma atitude unilateral e se deseja a vitória da Palestina, sem sequer precisar quem são os derrotados, é claramente uma posição antissemita. E o Bayern devia ter atuado em consonância com os valores do clube, que se orgulha de ser amigo do povo judeu”.
O peso pela responsabilidade no Holocausto – o genocídio mais metódico, industrializado e burocratizado de sempre, em que o regime nazi de Adolf Hitler assassinou cerca de seis milhões de judeus -, faz com que a defesa de Israel seja indiscutível para o governo alemão. Por isso, as autoridades de tudo fazem para que essa aliança permaneça inabalável. Inclusivamente, algumas ações exageradas.
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