

Estádio: Red Bull Arena (ex-Zentralstadion)
Região: Saxónia
Grande parte dos 74 anos de vida de Rainer Lisiewicz foram limitados por um muro. O Muro de Berlim. Ouviu falar dele pela primeira vez quando, aos 11 anos, regressava à Saxónia de umas férias com a família nas praias do Mar Báltico, e lhe explicaram que o país seria dividido entre o Oeste, dominado pelas democracias ocidentais, e o Leste, sob influência do regime comunista da União Soviética. Apesar de, naquele momento, estarem no lado capitalista, voltaram para Oschatz, perto de Leipzig, onde residiam. “Não posso dizer que me arrependo, mas recordo-me de ter saudades de comer chocolates e pastilhas elásticas, que passaram a escassear na República Democrática Alemã [RDA, também denominada Alemanha de Leste]”, diz Lisiewicz, à Tribuna Expresso.
Aos 18, já era um médio-ofensivo muito talentoso. Jogava no BSG Chemie Leipzig, a que chegou por intermédio do tio, Klaus, que também alinhava no clube que o regime socialista tinha emparelhado com a empresa química da cidade. Contudo, Lisiewicz chateou-se: não gostou que os dirigentes tivessem forçado o seu tio a cumprir o serviço militar. Observado pelos olheiros do maior rival, o Lokomotiv Leipzig (Lok), tutelado pela empresa de caminhos de ferro, o médio acabou por trocar de camisola: “Não havia dinheiro envolvido nas transferências”, sublinha o antigo jogador. “Troquei porque o dono de um restaurante, que era fã do Lok, me prometeu que podia passar a comer e beber ali gratuitamente.”
Lisiewicz tornar-se-ia numa lenda do emblema “ferroviário”: enquanto jogador, fez parte da equipa que chegou às meias-finais da Taça UEFA, em 1973/74, e que conquistou uma Taça da RDA, em 1976, e como treinador, entre 2004 e 2009, obteve quatro subidas de divisão. Os fãs veneram-no. Na sua melhor campanha europeia, marcou um inesquecível golo em Düsseldorf, do outro lado do Muro, num período em que as vitórias das equipas da RDA perante as suas congéneres ocidentais eram celebradas com orgulho patriótico, bem como usadas pelo SED, o partido único no poder, como exemplo da superioridade do comunismo sobre o capitalismo.
A transferência do médio ajudou a inflamar a rivalidade entre o Lok e o Chemie. Em 1963, o poder central, que tudo decidia, resolveu mover os melhores jogadores da região para o Lok, procurando transformar o clube na grande potência de Leipzig, de forma a potenciar as hipóteses de competir contra os clubes de Berlim e de Dresden. Os atletas menos dotados foram distribuídos pelos outros clubes, nomeadamente o Chemie. Contra todas as previsões, os “químicos” sagraram-se campeões na temporada seguinte, o único título nacional do seu palmarés.
“Embora esse momento tenha sido marcante, o antagonismo entre os dois clubes remonta a finais do século XIX e tem uma base política”, diz Bastian Pauly, 38 anos. O ex-jornalista e influente sócio do Chemie aponta para os primórdios do futebol na cidade e para a fundação dos clubes antecessores do Lok e do Chemie. “Ao passo que o VfB Leipzig, antecessor do Lokomotiv, era um clube da burguesia, os grupos que deram origem ao Chemie, da zona operária, eram frequentados por operários”.
Traçar a linhagem dos emblemas de Leipzig é tão complexo como recuar na árvore genealógica de uma família da realeza: há inúmeras fusões, falências, revoluções e guerras a transformar nomes, símbolos e equipamentos dos grupos desportivos. A cidade, crucial para a eclosão do futebol alemão, foi, em 1900, berço da Federação Alemã de Futebol (DFB). O VfB Leipzig (antecessor do Lok) foi também o primeiro campeão nacional, em 1903, repetindo o feito em mais duas ocasiões, 1905/06 e 1912/13. Quando rebentou a Primeira Guerra Mundial, nenhum outro clube tinha tantos troféus.
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