Podolski celebra uma vitória da Alemanha com uma camisola da Polónia
Foto TORSTEN SILZ/Getty
Há uma máxima incontornável no futebol: são 11 contra 11 e no final ganha a Alemanha (embora nem sempre aconteça). E há outra que começa a ganhar também contornos de imperativo categórico, ao bom estilo kantiano: se queres chegar à final terás de passar, algures pelo caminho, pela vizinha Polónia. Os dois países voltam a encontrar-se mais uma vez neste europeu, com destaque para dois jogadores cujas vidas se cruzam entre os dois lados da fronteira.
O futebol imita a vida. Embora haja alguns que digam mesmo que o futebol é maior do que a vida. Seja como for, tanto na vida como no futebol há uma constante que parece existir sempre: coincidências. E repetições históricas. Maquinarias universais que fazem com que nos cruzemos e voltemos a cruzar com determinadas pessoas ou situações em diferentes fases da vida. No caso da Alemanha esse fruto (ou pelo menos um deles...) do capricho cósmico chama-se Polónia. E vice-versa.
A situação é tanto mais interessante tendo em conta as tensões históricas entre os dois países vizinhos fora de campo. Em Setembro passarão 77 anos da invasão da Polónia pela Alemanha, no episódio que marcou o início da Segunda Guerra Mundial. E ainda há poucos meses a tensão diplomática entre os dois países voltou a vir ao de cima depois de nova viragem conservadora na Polónia com a vitória do partido eurocético e conservador “Lei e Justiça” nas eleições de Outubro passado, e que desde então tem empreendido várias reformas que muito consideram serem anti-democráticas. No que toca ao jogo jogado, o Euro 2016 de França representa a quinta vez que as duas equipas se cruzam nas fases finais de grandes competições internacionais (aconteceu nos mundiais de 1974, 1978 e 2006, e nos Europeus de 2008 e agora de 2016). Sendo que foram também adversárias em duas fases de qualificação. Para o Europeu de 1972 e, mais recentemente… para a fase final do Europeu agora em curso.
Não é muito comum, com tantas bolas para baralhar e hipóteses a andar à roda nos sorteios, mas não há nada nas regras que o impeça (embora muitos defendam que deveria haver) e a verdade é que aconteceu mesmo. Depois de serem adversários no grupo D da fase de apuramento, os dois países voltam agora a enfrentar-se na fase final, desta vez como parte do grupo C. No acesso a França a luta foi renhida. A Polónia ganhou o jogo da primeira volta por 2-0 (naquela que foi até agora a única vitória de sempre dos polacos nos vinte confrontos com a Alemanha), enquanto que os germânicos bateram os vizinhos polacos na segunda volta por 3-1. Feitas as contas, a Alemanha acabou por levar de vencida o grupo com 22 pontos, mas com apenas mais um do que a Polónia, que se apurou em segundo.
Há várias ironias em jogo. Uma delas é o facto de, se a seleção polaca tem evoluído nos últimos anos, tal se deve, também em parte, à Alemanha. Os principais jogadores polacos jogam na competitiva Bundesliga, com destaque para a grande estrela e capitão da equipa Robert Lewandoski, que este ano se sagrou campeão e melhor marcador do campeonato alemão ao serviço do Bayern de Munique, com uns impressionantes 30 golos em 32 jogos. Mas também não deixa de ser verdade que, ao longo dos anos, a seleção alemã beneficiou do talento de vários jogadores nascidos na Polónia. Alguns dos casos mais recentes são Miroslav Klose e Piotr Trochowski. Mas o nome mais referido sempre que se fala nesta questão é o de Lukas Podolski.
Podolski nasceu em Gliwice, na Polónia, filho de pais desportistas: o pai também era jogador de futebol, a a mãe praticava andebol. Emigrou cedo com a família para a Alemanha, com apenas 2 anos. Na altura o muro de Berlim ainda não tinha caído, e a família mudou-se para os arredores de Colónia, na Alemanha Ocidental. O miúdo, forte de pé esquerdo, começou a dar vistas nas camadas jovens do clube da cidade e chegou cedo à equipa principal. Com apenas 19 anos esteve presente no Euro 2004 em Portugal, o mesmo torneio onde começou a despontar outro jovem jogador que viria a dar que falar no futebol mundial: Cristiano Ronaldo. Sendo que, dois anos mais tarde, a Alemanha venceu Portugal nas meias-finais do mundial, e Podolski bateu também Ronaldo (e Lionel Messi…) como melhor jogador jovem desse torneio.
Logo a seguir ao mundial, o jogador de origem polaca mudou-se para o colosso Bayern de Munique, onde nas três temporadas seguintes faria 26 golos em 106 partidas. Mas acaba por perder espaço na equipa a partir de 2009 e regressa ao clube de origem, em Colónia. Ainda tem uma passagem relativamente bem sucedida pelo Arsenal de Inglaterra (31 golos em 82 jogos), mas nos últimos anos a carreira começou a entrar em declínio. Passou por um empréstimo mal sucedido no Inter de Milão, e na temporada passada atuou nos turcos do Galatasaray.
Podolski nunca esqueceu, no entanto, as origens. Quando, na fase final do Europeu de 2008, marcou os dois golos com que a Alemanha venceu a Polónia por 2-0, optou por não festejar. “É preciso ter algum respeito pela terra onde nasci”, afirmou na altura. Isso não o livrou de ser apelidado de traidor pelas alas polacas mais conservadoras. Houve mesmo um partido ultra-católico que propus a sua excomungação.
A decisão de convocar Podolski, agora com 31 anos, para o Euro 2016 não reuniu consenso, apesar de uma época nada má no Galatasaray (17 golos em 43 jogos) e de um historial ao serviço da seleção que não está ao alcance de qualquer um ( 128 internacionalizações e 48 golos). Bem diferente, no lado polaco, é a situação de um homem que deve quase tudo ao futebol alemão, e que chega a este Europeu como capitão e grande estrela de equipa.
Robert Lewandowski é três anos mais novo do que Podolski e em comum tem o facto de também ele ter dois pais com fortes ligações ao desporto. O pai foi judoca e a mãe jogadora de voleiball. Começou a carreira no modesto Znicz Pruszków e deu nas vistas no Lech Poznan antes de ser mudar para o futebol alemão e o Borussia de Dortmund, onde foi campeão por duas vezes. Foi mesmo o jogador estrangeiro que atingiu mais rapidamente a marca da centena de golos na Busdesliga. Em 2014 os rivais de Munique, na sua habitual estratégia de eucalipto do futebol alemão, roubaram a grande estrela do Dortmund e desde então o polaco tem espalhado o terror nas balizas adversárias com as cores da equipa bávara.
O herói da pátria para os polacos é atualmente um dos melhores avançados do mundo, e foi mesmo o melhor marcador da fase de apuramento para o Euro 2016 com 13 golos (à frente do sueco Zlatan Ibrahimovi, com 11… e do alemão Thomas Muller, com 9). Um dos golos foi marcado precisamente frente à Alemanha, no jogo da segunda mão que os polacos acabaram por perder por 3-1.
Esta quinta-feira, Lewandowski vai voltar a estar frente a frente com vários dos seus companheiros do Bayern de Munique, quando a Polónia cumprir mais uma vez os seus desígnios históricos e defrontar a Alemanha no jogo a contar para a segunda jornada do grupo C (às 20h, no Stade de France, em Saint-Denis). Com um duelo, em particular, a chamar a atenção: vai ter pela frente Manuel Neuer, colega de equipa no Bayern, e considerado um dos melhores guarda-redes do mundo na atualidade (e se Neuer será um dos melhores entre os postes pode também questionar-se até que ponto isso não acontecerá também por poder treinar diariamente com um dos melhores avançados do planeta). Enquanto Lewandowski terá um papel fundamental na Polónia, é quase certo que Lukas Podolski deverá começar o encontro no banco da Alemanha, e poderá até nem sair de lá durante os 90 minutos. Mas nunca se sabe quando o selecionador alemão poderá querer jogar com o efeito psicológico... E Lukas poderá ter novamente de não festejar um golo frente ao país que o viu nascer.