Euro 2016

A ciência explica: quando se fartar do futebol, Ronaldo tem lugar garantido no voleibol

A ciência explica: quando se fartar do futebol, Ronaldo tem lugar garantido no voleibol
Stu Forster

António Veloso, investigador do laboratório de biomecânica da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e coordenador da pós-graduação em futebol (juntamente com José Mourinho), analisa detalhadamente o lance do primeiro golo de Portugal frente a Gales. “A impulsão do Ronaldo é excecional, mas ainda mais extraordinária é a ação tática”

Carlos Abreu

Jornalista

Bom dia professor! Podemos falar um pouco sobre o golo do Ronaldo?
Sim, claro...

O "Daily Mail" fez as contas ao lance e diz que o Ronaldo teria saltado cerca de 76 centímetros...
Tudo depende da forma como se constrói a escala da imagem e naquele caso só poderá ser feita com base na altura do atleta, porque o campo só nos dá referências horizontais e não verticais. O erro de cálculo com base em imagens televisivas andará sempre pelos quatro a cinco centímetros. Portanto, cerca de 80 centímetros de impulsão é perfeitamente razoável.

Estes valores são acima da média, não são comuns entre futebolistas?
Há futebolistas com grande capacidade de impulsão, mas no caso do Ronaldo, até durante este jogo, ele fez várias impulsões do mesmo tipo. Ele já marcou muitos golos em lances semelhantes. Aliás, se visionasse o jogo veria que é uma ação tática da equipa, em que o Ronaldo se coloca na entrada da grande área em ações em que seja expectável que um companheiro de equipa venha a centrar, normalmente do lado oposto. Isto é, se equipa está a atacar pela esquerda, como naquele caso, ele está na direção do segundo poste, por dois motivos: para cabecear ou para uma segunda bola. Vê-se que a equipa joga para poder cruzar a bola para aquele local. Vê-se bem que o Adrien Silva coloca a bola naquele ponto. Vê-se que é uma ação tática trabalhada. Se reparar bem, vê-se que o canto curto faz balancear Gales para a direita, os dois centrais que estão colocados em linha (o opositor do Ronaldo está a marcá-lo diretamente) balanceiam à direita e aumentam a oportunidade de espaço para o Ronaldo.

Mas não respondeu à minha pergunta. O Ronaldo salta, ou não, acima da média?
Durante a fase de preparação do Mundial da Alemanha, em 2006 (era Scolari o selecionador e chegámos até às meias-finais, onde fomos afastados pela França), fizemos diversos testes aqui no Laboratório de Biomecânica da FMH. Só para ter uma ideia, a média da equipa portuguesa era de 37 centímetros de impulsão em altura, sem balanço...

Semelhante a um bloco no voleibol?
Sim, mas sem ação dos braços, porque o que se pretende avaliar com o teste é a capacidade de impulsão dos membros inferiores, ou para ser mais precioso, a potência muscular dos membros inferiores. E o Ronaldo saltou 56 centímetros, ou seja, praticamente o dobro da média da equipa portuguesa.

Como é que estes testes são feitos?
Os atletas, de ténis calçados, saltam sobre um dinamómetro, uma placa colocada no chão que mede força instantaneamente. Quando estamos a falar de uma impulsão de cerca de 80 centímetros, muito comum em jogadores de voleibol, podemos dizer que o movimento do Ronaldo tem algumas semelhanças com o de um rematador... No lance do golo com Gales, ele ganha posição em relação ao defesa, dá três passos, faz a chamada a pés juntos, uma grande impulsão vertical, bem na vertical, arqueia as costas e ataca a bola. E fá-lo num campo relvado que absorve muita da energia do salto. Um salto daqueles, feito num pavilhão, atingiria uma altura muito mais elevada.

Essa impulsão é meio golo...
A impulsão dá-lhe uma vantagem adicional em relação aos adversários, mas o que é extraordinário, para além da impulsão, é que se reparar bem ele ganha posição quando a bola é passada para o Adrien Silva, este coloca a bola tensa exatamente no sítio, o Ronaldo salta e acerta na bola no ponto mais alto da sua trajetória. Toda esta coordenação é notável, porque quando o Adrien Silva recebe a bola o Ronaldo antecipa imediatamente esta jogada. E todo este processo, desde de que ultrapassa o defesa até bater na bola, dura cerca de dois segundos. Ao contrário dos voleibolistas, que usam os braços para rematar, Ronaldo fá-lo com a cabeça, que tem uma capacidade de ajustamento muitíssimo menor do que os braços de um rematador, que mais facilmente podem ir ao encontro da bola.

O sincronismo tem de ser perfeito...
Exatamente. Ele tem de ser muito mais preciso. Ele não tem necessidade de saltar mais alto, limita-se a fazê-lo à altura precisa para cabecear a bola. Se a bola fosse mais alta, provavelmente, até poderia ter saltado mais. E salta bem para a frente. Se vir a distância percorrida pelo Ronaldo na horizontal, ele salta a cerca de três metros da linha da pequena área e cai a meio metro desta. Quer dizer que não só está a saltar e a ajustar a distância do salto na vertical, mas também na horizontal, porque salta cá atrás para bater na bola lá à frente. Ou seja, ele salta e avança.

E assim consegue projetar a bola a 70 quilómetros por hora.
Nem mais. A velocidade da bola, que vem tensa, é influenciada pelo peso que ele põe sobre esta. Ele não bate só com a cabeça, bate com o corpo todo que está a deslocar-se para a frente a cerca de três ou quatro metros por segundo. E o tempo de contacto na bola é de escassos 30 milissegundos. E a bola sai a 70 quilómetros por hora, que é um remate com o pé. Ele remata, no máximo a cento e vinte e tal quilómetros por hora e coloca livres à volta dos 90-95 quilómetros por hora. 70 numa cabeçada é impressionante.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: CAbreu@expresso.impresa.pt