Euro 2016

Fernando Santos. “As pessoas pensam que eu sou maluco, mas não sou propriamente maluco”

Fernando Santos. “As pessoas pensam que eu sou maluco, mas não sou propriamente maluco”
Tiago Miranda

Conheça o homem que pôs Portugal na final do Euro 2016: o futebol, a fé, os amigos, o hotel, o Benfica, o Sporting, o Porto e a Grécia. Esta entrevista tem um ano, podia ter sido feita ontem e deve ser lida hoje. Porque já nessa altura Fernando Santos dizia que queria ganhar o Campeonato da Europa

Dizem-me que ele não é tipo que goste de dar entrevistas e que vem cansado, porque o dia já vai longo. Dizem-me, também, que ele não é tipo que se preste a fotografias e a poses e que o melhor é despachar a coisa o quanto antes. Mas o que se diz de Fernando Santos, que é rezingão e tem mau feitio, não é o que ele nos diz. E durante uma hora (de conversa) e meia (de fotografias) o selecionador nacional conta-nos a sua história, os seus feitos e defeitos e de onde vem a fé que o move. “Encontrei Cristo. Foi a sorte da minha vida.”

Acreditava que qualificar Portugal seria tão fácil?
Se me perguntas se eu sabia que ia ganhar sete jogos seguidos, não. Se me perguntas se eu tinha a certeza que ia qualificar Portugal, também não, porque não há certezas absolutas. Mas tinha uma forte convicção e coloquei como objetivo qualificar-me em primeiro lugar. Quis carregar no tom. Tracei esse objetivo para que os jogadores só pensassem em vencer.

Como convenceu os proscritos de Paulo Bento a regressarem à seleção?
Não gosto da expressão proscritos — eles não estavam era a ser convocados. Com quase todos eles foi apenas uma chamada, um telefonema, um contacto. Mas houve um caso especial, não vou negar, que foi o do Tiago, porque fora ele que tinha demonstrado essa posição publicamente de deixar a seleção. A conversa durou meia hora, uma hora, talvez. Ele disse que não fazia, talvez, sentido voltar à seleção nacional. Toda a gente conhece o Tiago como jogador, mas também é preciso conhecê-lo como homem de carácter. Não lhe fiz promessa nenhuma. Abri-lhe a porta, e ele disse que sim.

O objetivo que traçou publicamente de ser campeão europeu é real?
Queremos chegar à final e vencê-la. Tenho consciência de que não partimos como favoritos. As pessoas pensam que eu sou maluco, mas eu não sou propriamente maluco. Os favoritos são a França, que joga em casa, a Alemanha, a Espanha... E há sempre mais duas ou três equipas, como a Itália, a Inglaterra... O que eu sempre disse é que Portugal faz parte de um grupo de seleções que tem uma palavra a dizer. Penso que temos essas condições para alcançar esse feito.

E Ronaldo?
Para que isso aconteça, é preciso que algumas circunstâncias corram bem. Temos a felicidade de ter o melhor jogador do mundo, mas não temos um campo de recrutamento tão alargado quanto as outras seleções. Temos 10, 15 futebolistas que precisamos que estejam bem fisicamente e psicologicamente com vontade de jogarem mais sete, oito jogos depois de uma época que será, claro, desgastante nos clubes. E há um fator sorte. Futebol não é matemática, não é ciência exata. E Ronaldo? Sozinho, ele não chega para fazer tudo.

Onde é que nasceu?
Eu? Nasci na Maternidade Alfredo da Costa, em São Sebastião da Pedreira, um lugar mítico, sim. E, 57 anos depois, nasceu lá o meu neto, por acaso.

Por acaso?
Por acaso, não, nasceu lá. A gravidez da mãe tinha alguns riscos, e o médico que a acompanhou recomendou que fosse na Maternidade Alfredo da Costa.

Tem quantos filhos?
Tenho dois, a minha filha é juíza e o meu filho é economista.

E os seus pais?
A minha mãe era doméstica e o meu pai era vendedor de acessórios para automóveis.

Pegou cedo num carro?
Na realidade, comecei a conduzir quando tinha idade para isso, e o meu pai deu-me logo um carro no momento em que tirei a carta. Ele fez sempre muitos esforços para me dar o que eu precisava. E o carro foi importante para cumprir um compromisso que tinha com ele — tinha acabado de entrar no ISEL e de assinar contrato com o Benfica, para jogar nos juniores. Chegámos a um acordo: jogava, sim, mas tinha de estudar. Para isso, para andar de um lado para o outro, precisava de um carro, e logo que tirei a carta ele deu-me um carro, um Mini.

O seu pai era benfiquista?
Muito, muito. O meu pai e a minha mãe eram ambos sócios cativos. Levaram-me à inauguração do [antigo] Estádio da Luz, a 1 de dezembro de 1954, tinha eu 50 dias de idade. Ia para todo o lado com eles. O futebol era uma festa, naquela altura. Aliás, até aos meus 11, 12 anos... Bom, eu tenho um amigo, que se chama Fernando, que era um doente do Sporting, tal como a família dele, e íamos os dois ver todos os jogos do Benfica e do Sporting, um com o outro. Durante cinco, seis anos, vi todos os jogos do Sporting, em Alvalade, e o Fernando viu todos os jogos do Benfica, no Estádio da Luz.

E como nasceu o bichinho para jogar futebol?
Eu vivi sempre na Penha de França, e sabes que, nesse tempo, o que se fazia era jogar à bola na rua. Tudo servia para fazer de bola: as meias da mãe, um jornal embrulhado, a bolinha dos matraquilhos... Jogávamos nas sarjetas ou de porta a porta, a rua tal contra a rua tal, na Praceta António Sardinha. Mas nunca tinha pensado muito nisso, em ser jogador, apesar de o meu pai ter sido guarda-redes no Operário da Graça. E, depois, nos meus primeiros jogos nos torneios de juvenis de Lisboa, joguei a guarda-redes. Pedíamos uns trocos, e tal, para pagar umas camisolas, e eu participei e até cheguei à final. Só que, mais tarde, quando fui para a Afonso Domingos, um dia rasguei as calças, e quando cheguei a casa o meu pai ralhou comigo. Então, eu disse: “Pronto, não quero saber mais de ser guarda-redes.” E passei a jogar lá na frente e até fui à seleção da Escola Afonso Domingos — eu e outro que se tornou grande jogador e hoje é diretor do Sporting, o [Augusto] Inácio.

Começou tarde, portanto.
Tarde e um pouco por acaso. Porque eu queria estudar, e o meu pai, então, nem se fala. Estudar é o mais importante. Comecei por brincadeira. Aquele tal meu amigo, o Fernando, convenceu-me a ir para o Operário, e eu lá fui, depois de falar com o meu pai. Treinávamos duas vezes por semana. E do Operário fomos para o Graça. E eu tinha aquela ideia de ir para o ISEL e nada mais me passava pela cabeça. Só que uns amigos meus convenceram-me a ir a um torneio de captação no Estádio da Luz. Foi uma chatice. Entrei à candonga, porque era preciso um postal qualquer, e eu não o tinha. Eram trinta e tal miúdos, e eu já tinha 17 anos e só via os outros a correr atrás da bola. Não estava para aquilo e pus-me a defesa central, eu que era médio. Defesa central é uma força de expressão, estava lá para trás; eram tantos miúdos que eu sabia lá onde estava a jogar. E, às tantas, o senhor Ângelo [Martins, antigo futebolista do Benfica] chamou-me à parte, e eu fiquei nervoso e comecei a pensar que tinha entrado pela porta de trás...

TIAGO MIRANDA

Pensou que ia levar nas orelhas...
Pois pensei. E depois, quando disse a minha idade, 17 anos, ele perguntou-me: “E como é que vieste aqui parar?” E eu fiquei cada vez mais aflito. “Vim com uns amigos meus”, respondi. “Vai-te embora, vai-te embora. Depois, procura a sauna e vai ter comigo.” E eu pus-me a pensar: “Então vou para lá para levar um raspanete? Não tenho necessidade nenhuma disso.” Mas não quis ser indelicado e, sobretudo, também fiquei com um bocado de medo. Falei com ele. “Onde é que jogas?” “No Graça.” “E queres vir para o Benfica?” E eu fiquei a falar sozinho, porque pensei que ele estava a gozar comigo. “Olhe que eu estudo.” “Estudas o quê? Não há problema, o Benfica paga-te os estudos também.” E eu pensei que aquilo estava a ficar compostinho: ia para o Benfica e ainda me pagavam os estudos. Cheguei a casa todo contente da vida, a pensar que havia foguetes, mas apanhei foi ralhetes [risos]. Estudei, joguei no Benfica e acabei por sair de lá um ano e meio depois, quando o Jimmy Hagan [treinador], que gostava de mim, também deixou o clube. E daí saí para o Estoril, com ele, porque não era fácil encontrar equipa, já que não tinha jogado no Benfica e fizera apenas meia época como sénior — aquele plantel tinha Artur, Humberto, Messias, Adolfo, Eusébio, Jaime Graça, Vítor Baptista, Nené, Simões, Artur Jorge, Toni, João Alves, Matine, sei lá...

E treinava bem? Por causa dos estudos?
Hoje rio-me deste episódio... Durante uma época inteira fui titular no campeonato de juniores pelo Benfica e acabámos eliminados nas meias-finais, frente ao Sporting, num jogo a duas mãos. Na Luz, perdemos 3-1, e um dos golos foi inteiramente culpa minha. E, como tínhamos perdido, o senhor Ângelo pôs-nos a treinar de manhã e de tarde, e aquilo apanhou-me numa fase de exames. Disse-lhe: “Não aguento, estudo a noite toda.” Ele mandou-me embora. Acabei por ir jogar a Alvalade, e quando deram a constituição da equipa eu não estava no onze, coisa que não estranhei; só estranhei quando disseram que eu era o guarda-redes suplente. E lá fui eu... Equipei-me, aguentei 20 minutos no banco e saí. Não estava para aquilo.

Do Benfica foi para o Estoril e do Estoril para o Marítimo. E, depois, regressou ao Estoril novamente...
Durante dois anos estive no Estoril e, como me casei, precisava muito de dinheiro. Tinha pouco. Nem para comprar mobília tinha, paguei tudo a prestações. Custou-me 80 contos e oito escudos e paguei durante 10 meses. A minha mulher é professora. Nós vivíamos no Cacém, e ela tinha de ir dar aulas em Aldeia Grande, para lá de Torres Vedras... Coitada, saía de casa de manhã e chegava à meia-noite. E engravidou. Portanto, decidi ser profissional, e surgiu uma grande oportunidade, a do Marítimo, que dobrou a parada do que me pagava o Estoril. A minha filha era bebé. Fomos para a Madeira e durante um ano só joguei futebol, tornei-me profissional e até pensei que faria vida daquilo. Acontece que, no início dos anos 80, os meus pais foram assaltados em Espanha, e a minha mãe não ficou bem, aquilo afetou-a. Esteve comigo na Madeira durante um tempo, e o médico que a acompanhou disse-me que o problema também passava por ela estar longe de mim, da neta. Nessa altura, o Estoril desceu à segunda divisão, e o presidente, o Bento Garcia, que também era dono da sociedade Estoril Plage, que tinha o Hotel Palácio, o Estoril Sol e o Madeira Palácio, disse-me: “Anda cá falar comigo ao hotel.” Ele propôs-me voltar para o Estoril, e eu disse-lhe que não podia, porque ganhava bem no Marítimo e ele não teria forma de pagar-me.

Propôs-lhe um acordo?
Sim. Disse-lhe que só ia se me arranjasse emprego, e ele garantiu-me que isso não seria problema. Comprometeram-se por escrito que me iam arranjar trabalho na minha área [engenharia eletrónica e telecomunicações] e puseram-me três hipóteses: Câmara de Cascais, Estoril Sol e Estoril Plage. Contrato de três anos como futebolista e... nos primeiros dois meses não havia emprego. E eu aguentei, fiz a pré-época. Em agosto, comecei a não achar piada; em setembro, ainda menos piada; em outubro, parei. “Assim não dá.” E fui para o hotel, todos os dias, à espera de uma resposta, até que a secretária dele me disse: “Tem aqui um bilhete para ir para a Madeira.” E eu: “O quê? Voltar para a Madeira? Está a brincar comigo.” E ela: “Não, não. É que você vai estagiar no Madeira Palácio, para depois, em janeiro, entrar aqui, no Hotel Palácio, como diretor dos serviços técnicos.” Seria responsável pela parte elétrica do hotel, e eu tinha essas habilitações. Fiz o estágio na Madeira, durante um mês, e no dia 5 de janeiro entrei no Hotel Palácio, até 1998. Aliás, até hoje, porque tenho uma licença sem vencimento.

E percebia da poda?
Tinha 40 funcionários de 12 profissões diferentes. Eu dominava tudo o que era eletricidade e eletrónica e também percebia de mecânicas. Mas, da construção civil, o estofador, o pedreiro, o estucador, os carpinteiros, etc., não. Tive alguns problemas. Conto esta história: um dia, o diretor mandou-me fazer um plano para a manutenção dos pisos. Levei comigo o meu secretário e um pintor e começámos a falar de tintas. Às tantas, fala-se de “um litro de casca de ovo”, e eu pensei que estavam a gozar comigo, que eu era o saloio, o novato, que tinha de levar com algumas ‘bombocas’ de praxe. Então fui ao meu gabinete e peguei na lista telefónica para procurar o número da Robbialac, ou da Dyrup, e perguntei: “Expliquem-me lá o que é isso da casca de ovo!” Também me lembro do dia em que era preciso fazer um sofá, e perguntaram-me se eu o queria em estilo inglês ou capitonné, e eu fiquei sem saber o que era. “Quero é que me mostres o que é, para ver se gosto ou não”, respondi.

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Quando é que decidiu ser treinador?
Também aconteceu por acaso. Não acordei um dia e disse: “Eh, pá, quero ser treinador.” Quando o hotel foi vendido, o novo patrão comentou: “Então parece que têm para aqui um diretor que, ao mesmo tempo, é jogador...” E eu fiquei aflito. Tive uma reunião com o administrador e expus a situação. E ele: “Tens é de cumprir com o teu trabalho, e parece-me difícil fazeres as duas coisas.” E eu: “Ó senhor Mota dos Santos, fique descansado que, a partir daqui, o futebol fica arrumado na gaveta.” Comecei a treinar menos vezes, apenas de vez em quando, e passei a efetivo no hotel. Esqueci o futebol e tornei-me o diretor técnico da cadeia de hotéis. Mas quando o Estoril caiu, outra vez, para a segunda divisão, pediram-me para ajudar a equipa, mexer um bocadinho naquilo, como era da casa... Convidaram-me para ser treinador, mas eu sugeri o [António] Fidalgo, e o presidente do clube achou que sim. Só que o Fidalgo, que é meu afilhado de casamento, impôs uma condição: eu seria o seu adjunto. Fizemos uma época fantástica, de tal maneira que o Salgueiros convidou o Fidalgo para treinador a seis meses do fim.

E pediram-lhe para tomar conta do barco...
Pois. Fui falar com a administração da Estoril Plage, que tem uma relação estreita com o clube, e eles concordaram e deram-me seis meses. Seis meses que acabaram por tornar-se seis anos. Do Estoril fui para o Estrela e do Estrela para o FC Porto.

E como foi para o FC Porto?
Estava num jantar, com amigos, e um deles ligou para o senhor Pinto da Costa. “Olhe, está aqui um homem de quem você gosta muito, presidente”, disse ele. Passaram-me o telefone, e eu falei com o senhor Pinto da Costa, que acabou por dizer-me que devíamos ter uma conversa. O presidente ressalvou que o António Oliveira era o treinador até não querer continuar mais, mas quando ele saísse seria eu. E assim ficou.

Gostou da alcunha que lhe puseram? O “Engenheiro do Penta”...
Gostei, pois. Quem não gostou foi a minha secretária, a Carla, que ligou para um jornal, penso eu que o “Record”, e disse: “Olhe que ele não é engenheiro do [Hotel] Penta, mas do Palácio!” [gargalhada]

Lá treinou o Jardel...
Tipo supertranquilo, e era ótimo para mim. Quem não gosta de ter um jogador que marca muitos golos? Mas tinha as coisas dele, as suas particularidades. Muitas vezes, ninguém o compreendia. Um dia, ele foi chamado à seleção brasileira, que ia, salvo erro, jogar ao Japão. O Jardel, que não ia à seleção muitas vezes, disse-me que queria ir, para ter lugar na Taça das Confederações, e que, por isso, não podia jogar contra o Marítimo, por problemas no voo. “Eh, pá, não pode ser, temos um jogo importante, não pode ser.” No dia seguinte, ele insistiu, e eu voltei a dizer-lhe que não. Depois, ele arranjou um voo qualquer que lhe permitia jogar apenas a primeira parte contra o Marítimo. “Esquece.” “Então e se eu fizer dois golos?” “Se fizeres dois golos, podes ir.” Ele fez dois golos, e quando chegou o intervalo já não o vi. Foi um ponta de lança, ou, melhor, um ponta de mama, que está ali à espera da bola, excecional, do melhor que já vi.

Foi, também, treinador dos outros dois grandes. O que lhe faltou no Benfica e no Sporting?
Ganhar, naturalmente. No FC Porto, conquistei cinco títulos em três anos. É verdade que o plantel do Benfica e do Sporting não tinham a mesma qualidade daquele que tivera no FC Porto. No Benfica, perdi Simão, Manuel Fernandes, Rui Costa [por lesão], Ricardo Rocha [transferido], Nuno Assis [castigado seis meses] e Luisão, que se magoou frente ao PSG, no jogo em que se estreou o David Luiz. Mas, pronto, o futebol é isto. O que é verdade é que não ganhei. Mas tanto no Benfica como no Sporting deram-me um contrato de dois anos com o compromisso de construir uma equipa campeã. Acabei despedido [risos].

Passou muito tempo na Grécia, entre clubes e seleção. O que é que aprendeu e o que é que ensinou?
Olha, o que eu sempre disse foi que, quando cheguei à Grécia, eles tinham maus hábitos de trabalho. Tinha uma explicação... cultural. O grego janta muito tarde, nunca antes das 22h30; o grego gosta de ficar a falar até tarde e de deitar-se às duas, três da manhã... Eu marquei um treino para as oito da manhã, e vieram dizer-me que às oito não dava, porque havia muito trânsito. Então, fui ao quadro e marquei para as sete da manhã. E eles ficaram a olhar para mim, espantados. Até um médico veio falar comigo, a dizer-me que treinar de manhã não era bom fisiologicamente [risos].

TIAGO MIRANDA

A Grécia fê-lo crescer?
Sim, muito, como homem.

E mudou-o muito? Pergunto-lhe isto porque o Fernando Santos das conferências de imprensa antes de ir para a Grécia não é o mesmo de agora. Parece mais solto.
Vais sempre evoluindo e reconhecendo algumas coisas que fazes bem e mal. Os gregos são muito mais informais do que nós, e voltei a adquirir um gosto, na Grécia, que tinha perdido em Portugal: ter contacto com os jornalistas, depois dos treinos, e falarmos uns com os outros.

Ainda é um homem de fé?
Ainda? Ainda? Sempre. Sou um homem de muita fé. Não se perde a fé.

E continua a ir à missa aos domingos?
Sim, e aos dias de semana, quando posso, também.

Nunca se atrasou para um treino por causa de uma missa?
Não, se tenho um jogo à tarde, vou à missa às sete da manhã. Só não vai à missa quem não quer. Podemos conciliar tudo na vida.

Encontrou igrejas católicas na Grécia?
A primeira coisa que fiz, quando cheguei, foi procurar uma. Ficava a dez minutos de minha casa.

Nos balneários, encontram-se todas as religiões. Sendo o Fernando um homem de fé, acha que terá influenciado algum jogador?
Converter, talvez tenha convertido. Admito que sim. Agora, não sei se foi no balneário, mas há uma coisa que sempre norteou a minha vida: o respeito. E se eu quero que respeitem a minha convicção religiosa, parto do princípio que tenho de respeitar as convicções dos outros. Não há religiões melhores ou piores, apenas diferentes.

Reza todas as noites?
E todas as manhãs, quando acordo. É a primeira coisa que faço. E quando me deito também. Se eu ofereço o meu dia a Deus, tenho de agradecer-Lhe à noite.

E ainda canta os parabéns a Cristo na noite de Natal?
Sim, embora não seja uma coisa que tenha feito sempre. Até que percebi que a festa era Dele. Na realidade, nós comemoramos é o aniversário de Cristo, o seu nascimento. Também cantamos os parabéns aos nossos filhos, não é?

Há pouco, disse que o António Fidalgo era seu afilhado de casamento. É padrinho de muita gente?
Sou, embora cada vez menos. O padrinho é a figura mais importante do batismo, além do batizado. É ele quem assume a responsabilidade de educar as crianças na fé. Agora, só o sou se tiver a certeza da parte dos pais de que querem que os seus filhos cresçam na fé.

TIAGO MIRANDA

Mas essa fé que tem foi algo que lhe foi transmitido pelos seus pais?
Não. Sou cristão desde o meu batismo, a 16 de janeiro de 1955. Depois, o meu percurso é igual ao teu ou ao de qualquer outro: fiz a Primeira Comunhão, o Crisma e, entretanto, desapareci. É verdade que casei pela Igreja e batizei os meus filhos, porque a semente estava lá, depois podia ou não brotar. Até que, em 1994, percebi que Cristo está vivo, uma realidade distante daquela que eu percebia.

Porquê?
Porque eu acredito que Ele ressuscitou. Porque ser cristão não é mais nem menos do que ter a certeza que Cristo ressuscitou. São Paulo diz isso de uma forma bastante clara: se não ressuscitou, a nossa fé é vã. Portanto, está vivo. É tão simples quanto isso, nós é que o tornamos complicado. Acredito na ressurreição, que a vida é uma passagem, algo que não acaba, que a morte não existe. Ele está no meio de nós, em todo o lado.

E porquê em 1994?
Porque fui despedido do Estoril e porque tinha uns amigos que me desafiaram a fazer um curso de Cristandade, e eu lá fui. Pensei que era uma boa oportunidade para estar três dias descansado e, olha, encontrei Cristo. Foi a maior sorte da minha vida.

Continua a jogar à sueca?
Sim. E a jogar bridge, e a comer caracóis, e a ir à pesca... E a fumar.

Fuma muito?
Nunca fumei mais do que um maço de tabaco por dia, salvo raríssimas exceções, quando ia beber uns copos até às tantas. Ou até hoje, porque ainda gosto de beber copos com os meus amigos. Gosto de fazer as coisas que sempre fiz, e faço-as, com a exceção de jogar ténis, porque já não tenho idade para isso.

Como é que quer ser recordado?
Quero ser lembrado como bom pai, como bom filho, como bom marido, como bom amigo...

E o futebol?
Não importa. O futebol não significa nada, se o compararmos à paternidade ou à amizade. Nada. Zero.

Artigo publicado na edição do Expresso de 14 novembro 2015

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