Stade de France et Portugal
Portugal volta a defrontar uma seleção que lhe anda atravessada desde 1984, a França, num jogo muito especial para os emigrantes portugueses no país
Portugal volta a defrontar uma seleção que lhe anda atravessada desde 1984, a França, num jogo muito especial para os emigrantes portugueses no país
Mariana Cabral, enviada ao Euro 2016
Jornalista
Havia alguém no seu perfeito juízo que imaginasse, a 11 de outubro de 2014, que Portugal ia regressar ao Stade de France para disputar a final do Europeu? Não, não é uma pergunta retórica, havia mesmo: Fernando Santos. “Lembro-me perfeitamente da conversa que tive com os meus jogadores nesse primeiro jogo, em que lhes disse que iríamos voltar a Saint-Denis”, recordou o selecionador quase dois anos depois do seu jogo de estreia por Portugal. “Para isso teríamos de ficar em primeiro lugar do grupo na qualificação e depois prepararmo-nos para a fase final. Agora temos a final e vamos disputá-la e vencê-la.”
Se o engenheiro da obra (prima) portuguesa diz, é difícil contrariá-lo. Fernando Santos sempre disse e repetiu que só ia para casa a 11 de julho e — soube-se depois do jogo contra Gales — também sempre disse e repetiu (dentro de portas) que Portugal ia voltar ao Stade de France. “Estive na bancada nesse jogo, Portugal perdeu mas foi um jogo muito especial, com muitos portugueses no estádio”, recorda ao Expresso Jeremy da Silva, irmão do internacional português Adrien Silva. “Fomos — a família toda — ver o Adrien, mas infelizmente ele não jogou. Se já era especial nessa altura, então agora, numa final, logo contra a França...”
Tanto Jeremy Clément Perruchet da Silva como Adrien Sébastian Perruchet Silva nasceram e cresceram em território francês, mas são portugueses. Primeiro passaram por Angoulême e depois por Bordéus, onde ambos começaram a jogar nos girondins. Falavam francês, mas — como tantos emigrantes em França — também aprenderam a falar português. “O nosso pai nunca se esqueceu de onde veio e passou-nos sempre a cultura portuguesa, tal como os nossos avós, que já estavam há muito tempo em França mas falavam português e davam-nos bacalhau”, graceja.
Até 2001, Portugal “era sinónimo de férias” para os manos Silva, mas o pai português e a mãe francesa decidiram então mudar-se para Arcos de Valdevez. Adrien tinha 12 anos e Jeremy tinha 16, e ambos continuaram a jogar futebol nos clubes da terra e a sonhar com os ídolos portugueses: “Víamos os jogos na televisão e gostávamos muito do Figo, do Rui Costa, do João Pinto, do Nuno Gomes... Eram as grandes referências e deram muitas alegrias à seleção.”
Só faltou mesmo a maior alegria possível no Euro-2004, que os irmãos Silva, então com 15 e 19 anos, seguiram de perto. “Fui com o Adrien a alguns jogos do Europeu. Estávamos na bancada feitos malucos e agora ele está lá no campo! [risos] Acho que ele está muito concentrado no torneio, por isso ainda nem se apercebeu bem disto, mas é incrível, não é? Na família temos falado sobre isto”, explica. “Acho que até podemos fazer um filme, de tão incrível que é.”
Jeremy regressou a França há alguns anos e trabalha em Valenciennes, onde abriu uma clínica de fisioterapia que também tem influência nas boas exibições de Adrien no Europeu. É que é o irmão mais velho que trata do físico do mais novo ao longo da época, assim como do de outros jogadores de topo, como Kevin Gameiro e Daniel Carriço, por exemplo. “Viajo para vários países para ajudar os jogadores, e o Adrien e eu vamos trabalhando muito. Penso que esta foi a melhor época que ele teve, primeiro no clube e agora na seleção”, diz. “Não era fácil impor-se depois de não ter jogado na fase de grupos, mas ele entrou bem com a Croácia e soube agarrar a oportunidade que lhe deram. Está muito bem fisicamente e psicologicamente e agora seria um sonho conquistar a final”, acrescenta.
Tal como Adrien tem ascendentes franceses e é português (como Anthony Lopes e Raphaël Guerreiro), há uma figura da seleção francesa que tem a herança contrária: tem avós portugueses e é francês. Antoine Griezmann, neto de um ex-jogador do Paços de Ferreira nos anos 50, Amaro Lopes, tem sido a maior figura da seleção francesa (do Euro?) e já vai com seis golos marcados.
Para a reanimação do ataque francês depois das pálidas exibições na fase de grupos em muito contribuiu a passagem do avançado do Atlético de Madrid das alas para o meio, onde passou a colaborar com o avançado Olivier Giroud, que, em (curtas) declarações ao Expresso na zona mista do França-Alemanha, deixou muitos elogios ao colega e admitiu que ainda nem tinha pensado na seleção portuguesa: “Tivemos uma noite emocionante, foi soberbo o que fizemos. Tive medo na primeira parte, porque os alemães podiam ter marcado, mas esperámos o nosso momento e batemos os campeões do mundo. Foi duro para eles, mas o futebol é assim. Primeiro precisamos de recuperar energias e só depois pensaremos na final.”
Giroud ainda não tinha pensado em Portugal, mas é provável que Griezmann já o tivesse feito, porque já em 2014 — no tal jogo de estreia de Fernando Santos no Stade de France — o avançado francês tinha reconhecido que a seleção portuguesa não é uma qualquer para ele. “Vai ser especial, porque o meu avô foi jogador em Portugal. Vou pensar nisso quando entrar em campo”, disse então ao “L’Équipe”, assumindo que não sabe falar português, apesar de ter passado algumas férias em Portugal (e de ter no Twitter um vídeo com duas das poucas palavras que sabe dizer em português: uma começa por ‘f’ e, dita por ele, soa como “fede-se”; a outra começa por ‘c’ e soa a “carrai”).
Apesar de haver ligações portuguesas e francesas de ambos os lados, não há dúvidas sobre quem apoiar. Certo? Errado. “A nossa mãe é francesa, mas tem de apoiar Portugal”, graceja Jeremy. “E para os nossos amigos franceses também é esquisito, mas dizem que vão apoiar o Adrien e Portugal”, acrescenta, ressalvando que vai ao Stade de France com a família — “não era possível faltar a uma coisa destas” — e que tem falado com Adrien, que “quer muito levar a taça para Portugal”. É certo que Portugal não ganha à França há 41 anos, mas os franceses também não ganhavam aos alemães desde 1958. Por isso, agora, é acreditar. No engenheiro, claro.
“A verdade é que o mister desde o primeiro dia de trabalho como selecionador disse logo ao grupo que ia ser campeão europeu”, confirma ao Expresso o internacional português Danny (e, aqui mais ao lado, Beto faz o mesmo), que ficou fora do Euro por lesão mas também esteve naquele jogo no Stade de France. “Disse que nos íamos qualificar e que depois no Euro íamos ganhar, que não tinha medo de nenhuma equipa, só tinha respeito. E disse também que dificilmente haveria uma equipa que nos ganharia. E aí está. Estamos na final e vamos ganhá-la”, conclui alegremente. Se Fernando Santos disse, está dito. Este engenheiro não brinca com os prazos das obras.
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