Há uma ponte entre a Madeira e Budapeste para os amigos de Mauro. Mas é por eles que não irá ao estádio ver Portugal jogar

Diogo Pombo, enviado ao Euro 2020
Jornalista
Mauro Sousa levanta-se da cadeira e tem o telemóvel em punho, está entusiasmado enquanto dá a volta à mesa. Chegado à nossa beira, inclina-se para dar a varridela definitiva no pó digital que tem no ecrã: a foto é de um recorte de jornal onde ele, gadelhudo e caçula, surge a assinar um contrato de formação com o Marítimo em 2000 e troca o passo. “Era bom se ainda tivesse este cabelo”, brinca, a meio caminho do regresso à sua cadeira desta esplanada, em Mester Utca.
É uma rua comprida e com cerca de dois quilómetros, um quê de paralela ao rio Danúbio. Divide o bairro de Ferencváros em partes desiguais, a casa do clube histórico de Budapeste não fica longe do café que junta Mauro e Maja, a namorada húngara, a dois Guilhermes (Barrios e Fernandes) para o rotineiro café da pausa de almoço.
A cidade está encalorada e todos garantem que aquecerá mais, lá irão os húngaros continuar a descascar camadas de roupa como o fazem nesta terça-feira. Deixam a pele possível à mostra e a de Mauro está ao lado da de Maja, conheceram-se no Porto, ele lá trabalhava, ela lá foi em Erasmus, depois viveram na Madeira e ele acabaria por vir para a terra dela quando a sugestão apareceu.
Faz cerca de dois anos que chegou a Budapeste. Já aterrou com contrato para trabalhar numa multinacional de Tecnologias de Informação, onde "90% da equipa é imigrante". É a mesma empresa onde estão os amigos de nome igual. São os três madeirenses e outros dois vieram, também, da ilha para a capital húngara - e a culpa é dos benefícios e da pessoa que Mauro é.
Diz ser alguém "de improviso". Também é caloroso e conforta-se em ajudar o próximo, isso não o diz à mesa da esplanada, mas é-lhe tão óbvio, nem o seu "gosto de conhecer pessoal" é um resumo que lhe faz jus. Apesar de todos os benefícios que a empresa lhe dá e que enumera - "o seguro, os cuidados de saúde, o reembolso de uma viagem por mês a Portugal, o dia da fruta, acesso ao ginásio e a sala de jogos" -, é o programa de indicação que lhe aquece o discurso.
Haja posições por ocupar na empresa e qualquer trabalhador pode recomendar "amigos ou conhecidos". Falar português tem sido valorizado e, ao todo, já conseguiu "trazer cinco amigos para este programa", quatro dos quais madeirenses. "É gratificante", admite, gosta de "receber bem" e de "estar integrado nesses programas". Vindo para longe, Mauro puxou pelas afeições antigas enquanto corria por novas, todo ele uma forma de agir que tem nas entrelinhas não ditas a explicação.
Os amigos.
E antes de o Euro 2020 virar mentiroso por culpa da pandemia, ser adiado e manter o nome em 2021, um grupo desses amigos tinha marcado viagem para visitar Mauro. "Fiquei inicialmente muito contente por Portugal jogar aqui", disse. Até os bilhetes para os jogos foram comprados, mas todos os amigos cancelariam os planos, salvo um, levado entretanto por uma leucemia. "Então, decidi devolver os bilhetes à UEFA, pedir um reembolso e ir de férias à Madeira durante o Euro, para ver os jogos com os meus amigos, num bar, e estar junto com eles".
Porque Mauro não chegou à Hungria pela bola, nem para fazer vida da bola. Esses tempos já foram há muito, apesar de ainda jogar.
Agora tem o cabelo rente, há traços de grisalho na cabeça, já são 34 os anos de vida e conta que começou num clube da sexta divisão do país, quando chegou, mas joga hoje dois degraus acima e não é, apenas, por gostar de futebol desde os tempos do Marítimo, da seleção da Madeira e do "ser federado desde os 8 anos".
Também joga para conhecer pessoas novas, arranjar amigos.
A constatação não mudou: o futebol dos húngaros é de bola para a frente, com muitas linhas retas para a baliza, “mais direto, em profundidade e físico”. É um frenesim patológico, não são tão atraídos pela sedução de sentir a bola no pé. Mauro resume com um “não são tão dotados tecnicamente”, mas nunca refreia o contentamento, até porque tem algo de sortudo no facto de ter no Svábhegy FC um clube para jogar. “As equipas amadoras não podem ter estrangeiros se tiverem escalões de formação e forem subsidiadas pelo governo. Agora estou numa equipa da 4.ª divisão, é amador, mas estou a adorar”, explica.
Teve receio, é normal que um pulo geográfico na vida os traga à baila e Mauro Sousa temeu coisas como as "poucas horas de luz no inverno", as temperaturas negativas e o idioma vindo de um "alfabeto com o dobro das letras". Hoje, em nada teme as pessoas, "regra geral", mais "frias, tímidas e introvertidas".
Porque está feliz, tem vários amigos por perto e está prestes ir ter com aqueles que era suposto encontrar na Puskas Arena, na próxima semana, mas com quem deve estar, não importa onde. Por isso voará de Budapeste para a Madeira, invertendo a ponte que há dois anos faz por manter aberta.
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