"O futebol une uma causa bonita". Este é o mês em que só há uma Bélgica

Estão no topo do ranking da FIFA, mas para serem campeões da Europa têm de ser mais fortes que as lesões e saber capitalizar uma equipa de craques que estão a envelhecer. Os Diabos Vermelhos não têm um estádio em Bruxelas, mas são capazes da proeza de fazer de francófonos e flamengos apenas belgas. Pelo menos durante um mês
A última vez que foi à Rússia, a seleção belga voltou de lá com um terceiro lugar do Campeonato do Mundo. Este sábado, os Diabos Vermelhos jogam de novo em São Petersburgo, cidade onde França lhes travou o caminho para a final, em 2018, mas que lhes deu também um lugar de destaque no pódio. Agora, a Bélgica vai lá para ganhar ao país de Vladimir Putin, no arranque de um Europeu em que apesar das lesões e dúvidas, a bola faz mira à taça principal. "Prometo ganhar a final", disse o capitão Hazard ao Rei, no centro de treino em Tubize, antes da partida para a Rússia.
"O Hazard está sempre na palhaçada", conta o comentador Filip Joos à Tribuna Expresso. O jogador de 30 anos é um dos ases da equipa, mas os problemas físicos não lhe têm facilitado a vida. Com o Rei Philippe, que não é propriamente especialista em bola, Eden Hazard usou do sentido de humor, mas nunca se sabe quando é que uma promessa, mais teimosa que realista, acontece - basta lembrar Fernando Santos, em Marcoussis, cheio de empates, a dizer que só voltava para Portugal a 11 de julho.
O Hazard "é um génio nos relvados", diz Joos. É um daqueles "casos estranhos" que tem "qualidade" para surpreender e "fazer uma grande exibição durante este campeonato, mesmo sem ter jogado muito nos últimos dois anos". O capitão é uma das preocupações do treinador espanhol Roberto Martínez. As outras chamam-se Axel Witsel (a recuperar da rutura do tendão de Aquiles) e Kevin de Bruyne (quase refeito da dupla fratura na face). Dois nomes de peso que não estão no seu melhor. Nenhum dos dois foi convocado para São Petersburgo, mas há a expectativa de que pelo menos De Bruyne possa jogar o jogo seguinte, em Copenhaga, contra a Dinamarca.
Os Diabos Vermelhos têm a seu favor as estatísticas. Em sete jogos, ganharam cinco contra a Rússia. São também a equipa número um do ranking da FIFA. Mas o primeiro lugar não dá qualquer garantia de que vão conseguir suceder a Portugal como campeões. "A confiança é elevada, mas não demasiado", diz Filip Joos. "Os jogadores sabem que ainda assim é muito difícil ganhar este campeonato".
O melhor é manter os pés no relvado. A equipa sabe disso, mas os belgas permitem-se sonhar durante as próximas semanas. Jerôme Andre tem esperança na vitória e não vai perder o jogo de estreia este sábado. A televisão do restaurante onde trabalha vai estar ligada. Em Bouillon, no sul da Bélgica, a três quilómetros da fronteira com França, os valões são apenas belgas.
"O futebol une uma causa bonita", diz Jerôme. Não há religiões, nem regiões, nem línguas a separá-los. É sempre assim quando joga a seleção. Flamengos, francófonos e bruxellois são apenas 100% belgas, com as cores das bandeiras em todo o lado. "Durante o campeonato, todo o país estará unido", diz Joos. "É um país estranho", continua. Uma vitória na final poderia dar um "boost ao feeling belga", mas dificilmente chegaria para unir um país no resto do tempo em que não há Europeus nem Mundiais para jogar.
Jerôme Andre acha que quem separa os francófonos dos flamengos são mais os políticos e os governos regionais. Ele não faz distinção em relação aos amigos "néerlandophones". Na seleção também é assim. Que seria desta equipa se a Bélgica fosse, afinal, dois países?
Witsel e De Bruyne não jogariam certamente lado a lado. Um nasceu em Liège, na Valónia, e o outro em Drongen, na Flandres. Também Lukaku e Hazard não seriam trunfos do mesmo baralho.
É um daqueles exemplos em que unidos valem mais: uma equipa de milhões de euros que tem agora a oportunidade para capitalizar. Muitos dos craques ou já ultrapassaram a casa dos 30 - caso de Witsel, Mertens ou Vertonghen - ou estão quase lá - como Lukaku e de Bruyne. "Se não for agora, não sei", diz Jerôme. A equipa está envelhecida, mas cheia de opções no banco, onde se sentam novas esperanças como o jovem Youri Tielemans.
Da Rússia, les Diable Rouges seguem para a Dinamarca. Andar de um lado para o outro não ajuda e apanhar um avião em véspera de jogo não é o melhor treino nem o melhor descanso. Mas também não é um drama. Esta seleção joga em clubes mais do que habituados às milhas aéreas.
"Deveríamos ter tido um estádio em Bruxelas para participar neste campeonato, mas, por causa das três regiões e da dificuldade que é tomar decisões ao nível político, isso não aconteceu", lamenta Filip Joos. Tem a ver com a estrutura do país: não é fácil formar governos, uma geringonça federal única que surpreende pelo simples facto de funcionar, mas que justifica muitas das confusões e decisões insólitas.
Joos lembra que aquando do Euro 2000 - que a Bélgica organizou com os Países Baixos - os holandeses aproveitaram para conseguir "uma série de estádios novos", enquanto os belgas "só renovaram os velhos", que estão agora num estado "triste de se ver".
"Perdemos o comboio em 2000 e agora perdemos outra vez", considera o comentador de futebol. Foi perdida a oportunidade para a equipa nacional jogar em casa e para Bruxelas entrar no Europeu das 11 cidades. "Mas no relvado somos bons, mesmo que o relvado não seja na Bélgica", remata.
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