Oito boas razões para ver os jogos do Grupo B

Jornalista
Há um exercício que se exige a todos os adeptos de futebol em vésperas de Europeu ou Mundial, que consiste em olhar para os nomes das seleções e parar dez segundos: qual é o primeiro jogador, craque, semi-herói de outros tempos que se lhes atravessa o pensamento em cada uma delas?
A prática não se afigura simples: se para algumas seleções, dez segundos bastam para fazer um 11 titular só de estrelas do firmamento, outras há em que é preciso rebobinar várias vezes a fita.
Estes são quatro nomes marcantes do passado de Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Rússia, a que se juntam quatro do presente a ter em conta no grupo B. São oito boas razões para ver os doze jogos que começam este sábado — às 17h, Dinamarca vs. Finlândia, às 20h, Bélgica vs. Rússia.
1. Saint Michel
Existe uma categoria de jogadores de tal forma brilhantes, elegantes e respeitáveis que conseguem a proeza de colher elogios de todas as cores. É nela que sempre esteve o homem que defendeu as redes do Benfica entre o verão de 1994 e o de 1999.
Preud’Homme nem era nome que se pronunciasse fora da Bélgica, não só pelo desafio linguístico como porque quase toda a carreira tinha sido feita no país natal. Algumas exceções: uma vitória inesperada na Taça das Taças frente ao Ajax, pelo modesto Mechelen, e um Mundial de 1990 onde deu nas vistas.
Mas foi na Copa seguinte, já Michel estava acima dos 30 anos, que começou a nascer o mito. Como é que o guarda-redes de uma seleção eliminada nos 16-avos de final é eleito o melhor do torneio? É ver qualquer um dos quatro jogos belgas, sobretudo aquele 1-0 frente à Holanda, à torreira do sol da Flórida, em que os caracóis de Michel saltaram com ele aos tiros de canhão de figuras como Koeman, Rijkaard, Frank de Boer, Overmars. A Holanda caía, a Bélgica embebedava-se de felicidade.
O mito que ganhou asas nesse torneio em Portugal virou santo. Olhado com desconfiança por causa da idade, a Preud’Homme bastou um par de anos para ficar com uma alcunha que diz qualquer coisa sobre o Benfica daquela altura (numa década, ganhou apenas uma Taça de Portugal), mas diz mais do homem elástico e de perna longa: “Saint Michel”.
2. Romelu Lukaku
Como o Brasil de 1982 ou o Portugal de 2004, a Bélgica dos dias de hoje faz questão de lembrar que a vitória está sobrevalorizada. Não que os belgas não possam fazer uma gracinha no Euro 2021, mas, se tudo correr como esperado, é pelo futebol espetáculo, e não pelos títulos, que esta geração ficará na história.
A coleção de craques começa na baliza e acaba no ponta de lança que, sem surpresa, foi o melhor marcador de uma equipa que ganhou 10 vezes em 10 tentativas na fase de qualificação — sete golos para o avançado de ascendência congolesa.
A nível interno, Lukaku rebentou a escala, tornando-se o sétimo jogador a marcar mais de 20 golos em duas épocas seguidas pelo Inter de Milão (o primeiro foi Giuseppe Meazza, “apenas” o homem que dá nome ao estádio nerazzurri), além de ter ultrapassado os números de ninguém menos que Ronaldo Fenómeno. O estilo de Romelu, porém, é mais o do Imperador Adriano: possante, ainda assim veloz, encontra espaços onde ninguém os vê e tanto pode driblar um guarda-redes com pés de bailarino como disparar uma bomba de canhota.
Tal como Preud’Homme, Lukaku é elegância dentro e fora de campo. Em entrevista ao The Players’ Tribune, contou qual é a maior tristeza da carreira: não ter o avô a vê-lo jogar. Perdeu-o quando tinha 12 anos, com a promessa de tratar bem da filha desse avô, a mãe de Lukaku. Assim tem feito, juntamente com o irmão, Jordan, que não foi convocado, mas está de reserva para qualquer eventualidade. É para o avô que Romelu olha sempre que marca um golo, beija a mão e aponta para o céu.
3. The Great Dane
Mais um guarda-redes de quem se disse quase tudo, sobretudo depois de ter sido coroado como melhor do mundo por duas vezes (em 92 e 93, tendo ficado no pódio outras tantas). Está ao lado dos irmãos Laudrup, Michael e Brian, como o melhor futebolista alguma vez nascido na Dinamarca, o que não é dizer pouco numa seleção que nos finais da década de 80 era conhecida por “Dinamáquina” e que limpou com pinta, e contornos singulares, o Europeu de 1992.
Em Inglaterra, Peter Schmeichel é até hoje “The Great Dane” — em tradução literal, “O Grande Dinamarquês”, ainda que a alcunha seja um jogo de palavras com a raça de cães em português chamada dogue alemão. Pelo Manchester United, fez quase 300 jogos, ganhou cinco vezes a Premier League, uma Liga dos Campeões e várias taças nacionais e internacionais.
Quando tinha a carreira feita, apareceu sem aviso em Portugal e rasgou os corações sportinguistas. O resultado foi o que se imaginava de um guarda-redes que não tinha sofrido golos em quase metade dos jogos disputados na Premier: o Sporting foi a equipa menos batida do campeonato. Menos esperado era que, ao fim de 18 anos, o título ficasse em Alvalade. Muito graças a Peter, ficou, o que, mesmo para ele, não é um feito menor.
4. Christian Eriksen
É à volta do ex-Tottenham que tudo gira. A época até nem foi das melhores, já que encontrou certa resistência em Conte, mas acabou por ter participação ativa no scudetto do Inter de Milão, onze anos depois do último. Na seleção, é só liberdade, seja para comandar a equipa, seja para atirar à baliza, momento em que é especialista.
Para que o Europeu corra bem a uma Dinamarca sem grandes expectativas, Erikssen terá de estar em dias bons. Não é nenhum Laudrup, mas é a esperança de uma equipa que tem a vantagem de jogar os três jogos na capital Copenhaga.
Menção honrosa para o guarda-redes, Kasper Schmeichel, primogénito do rapazinho lá de cima.
5. The Man of Glass
Jogadores filhos de ex-craques há muitos, mas poucos se podem dar ao luxo de ter tido pai e mãe a encher relvados. Assim nasceu Jari, filho de Olavi e Alice Litmanen, que fizeram carreira no Lahti, clube da primeira divisão finlandesa e terra onde, em 1971, nascia a grande estrela do futebol do país.
Com o 10 nas costas, Jari Litmanen era um dos homens que cuspia fogo no vulcão que explodiu em 1995. O Ajax era futebol total, misturava a experiência de um Rijkaard com a irreverência de um Kluivert, a que se juntavam Van Der Sar, Frank de Boer, Davids ou Seedorf. Com frequência, porém, era Liti quem 'roubava a cena'.
O finlandês não era bem canhoto, não era apenas destro. Era o tipo de jogador capaz de toda a sorte de proezas com o pé que estivesse mais à mão. Em sete anos na Holanda, marcou 91 golos, e ficou conhecido como “o finlandês voador”, que jogava como quem sonha.
Antes de regressar à Finlândia, e homenagear os pais ao atuar pelo Lahti, Litmanen atuou ainda por Barcelona e Liverpool, não com o mesmo fulgor, porque as lesões nunca o largaram. Assim passou de Merlin, o mágico, para “The Man of Glass”, o homem de cristal, que se partia a qualquer toque. Litmanen foi, de facto, feito de matéria preciosa.
Em 2000, o The Guardian dizia que Jari era como o Papa: aparecia poucas vezes e parecia sempre mais frágil a cada uma delas. Porém, tal como o emérito João Paulo II, de cada vez que Litmanen se juntava, os adeptos do futebol sabiam que era dia de festa.
6. Teemu Pukki
Foram 109 jogos disputados em qualificações para Campeonatos da Europa, que se saldaram em 55 derrotas, 24 empates e apenas 30 vitórias — as últimas seis foram quanto bastou para pôr a Finlândia num Europeu pela primeira vez na história.
Como não é raro acontecer no futebol, a geração de ouro finlandesa, de Litmanen e Sami Hyypia, falhou um feito que uma equipa sem estrelas consegue agora alcançar, para um país de pouco mais de cinco milhões de habitantes. Além do guarda-redes, Lukas Hradecky, do Bayer Leverkusen, é em Teemu Pukki que se centram as atenções. Titular no Norwich, que milita no Championship, de Inglaterra, o avançado de 31 anos fez 26 golos esta época, depois dos 11 na Premier League há duas temporadas, também pelo Norwich.
Pela seleção, onde se estreou em 2009, leva 91 jogos, apimentados com 30 golos. Na qualificação marcou dez dos 16 da seleção debutante.
Inserida num grupo de equipas experientes, a Finlândia parte com a vantagem de já se considerar vencedora, mesmo que nada ganhe.
7. “Is My Love”
Perdoe-se o autor destas linhas pela referência a um jogador que esteve longe de fazer uma carreira parecida com a dos outros três ex-magos. Em Marat Izmailov, quase tudo foi mistério. A passada curta, o andar pontuado por ligeiros tiques de cabeça, a fazer lembrar um pombo, o olhar quase sempre frio, a sombra do mau profissionalismo. Mas é também desse mistério que é feita a história dos predestinados.
Antes de se mudar para o FC Porto, o russo, nascido em Moscovo, de origem tártara e fé muçulmana, esteve seis anos no Sporting, onde foi desde golos que levantam bancadas e dão títulos, como o da estreia, em 2007, aos processos em tribunal. Apesar dos percalços, para o universo sportinguista era Marat “Is My Love”.
Pé direito com precisão de sniper, Izmailov prometeu o mundo na Rússia do início do século. Em entrevista ao Observador, o empresário Paulo Barbosa confidenciou que Mourinho “andava louco com o Marat”, que aos 17 anos já era titular da seleção. Aos 19, foi coroado melhor jogador jovem do país. Saiu de cena em 2011, sem coroa nem glória.
Outros russos já tinham feito história no campeonato português, como Iuran e Kulkov no Benfica. Mas a menção honrosa vai para outro artista da precisão de passe e de remate, que jogava com o pé oposto ao de Marat. Deixou saudades a canhota de Dmitri Alenichev.
8. Mário Fernandes
Longe vão os tempos da Rússia de Guus Hiddink, que em 2008 só caiu nas meias-finais frente à vencedora Espanha, e que combinava a magia de Andrey Arshavin com a frieza na cara do golo de Roman Pavlyuchenko. E ainda mais longínquos são os dias da União Soviética, a primeira seleção a vencer o torneio — foi em 1960, curiosamente contra outro Estado-Nação já extinto, a Jugoslávia.
A Rússia de 2021 não definha, mas também não impressiona. Na fase de qualificação, calhou-lhe a Bélgica, um duelo que os caprichos do sorteio quiseram agora repetir. Nos dois jogos, duas vitórias para os belgas, 3-1 em Bruxelas e 1-4 em São Petersburgo. E numa equipa que não é conhecida pelo grande futebol, talvez venham da defesa alguns dos melhores momentos.
Mário Fernandes nasceu no Brasil, foi internacional pelas camadas jovens e até chegou a ser chamado por Dunga, em 2014, para um jogo da canarinha. Depois de uma depressão que lhe atravessou os primeiros anos de carreira, de ter estado à beira do Real Madrid, o lateral direito optou por escrever o destino em russo, idioma que, admitiu recentemente, continua a não dominar.
Ao futebol do país está mais do que adaptado, tendo somado 231 jogos pelo CSKA de Moscovo, com seis golos. Pela seleção, tem cinco, um deles decisivo, quando voou de cabeça frente ao Cazaquistão, para selar o apuramento da Rússia para este Europeu. Já marcou mais dois no apuramento para o Mundial do próximo ano.
Com 1,89 metros, Fernandes é homem ágil e rápido, o que lhe permite jogar no flanco e ainda ajudar ao meio nas bolas paradas, defensivas ou ofensivas.
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