A seleção vai jogar em Munique, a 500 km do mar: onde as pessoas saem de casa para irem surfar ao rio
Diogo Pombo
No centro da cidade onde Portugal defronta, no sábado (17h, TVI), a Alemanha no segundo jogo da fase de grupos do Euro 2020, veem-se pessoas a passearem com pranchas de surf e fatos de neoprene. O rio Eisbach foi criado pelo homem e implica saltar diretamente para as ondas, que são mais como "um tapete rolante de água por baixo dos pés"
É de um cabelo loiro vivo e tem a pele rugosa na cara, estará já nos 50 da vida. Prefere que nada se grave e nenhum nome se escreva, nem diga, ganha expressão temerária quando se aproxima um tipo a apresentar-se como jornalista. A única veleidade que concede é responder a algumas perguntas enquanto desmonta da bicicleta, mesmo à beira rio.
Diz que não é fácil fazer o que a levou até ali, a ela e a mais umas 20 pessoas. Ser a água a passar debaixo dos pés em vez de empurrá-la na direção de areia, rocha ou coral é exigente, é desafiante e mais não acrescenta. Afasta-se um pouco da margem e resguarda-se entre árvores, procura o abrigo possível para vestir um fato de neoprene. Também tapa a cabeça com um capacete azul.
Quando chega a sua vez, nem um segundo se aguenta até o fluxo de água a levar sem piedade. Por segundos, embrulha-se na torrente de espuma que a arrasta por uns 20 metros. A meio da tarde de quinta-feira, esta senhora pegou numa prancha de surf e tentou surfar em Munique, no sul da Alemanha que não tem mar.
Mas ela não é o isco que nos conduz.
Diogo Pombo
Antes, no centro da cidade, Odeonsplatz é a primeira amostra de como tudo é plano e planamente aproveitado pelos muniquenses - há mesmo muitos a zarparem nas ciclovias que se alcatroaram em todo o lado. Onde pés pisam, as rodas rolam.
É assim também em Hofgarten, os jardins "do renascimento italiano do século XVII", diz a descrição googlada, que servem de verdejante sítio de passagem, à torreira do sol, aqui onde a continentalidade engorda os termómetros no verão.
Mas, às tantas, outra pessoa loira passa a pedalar, esta nos 20s ou 30s da sua vivência. Tem uma prancha de surf presa à bicicleta, aqui, onde para se chegar ao mar (Adriático) seriam pelo menos uns 500 quilómetros em linha reta.
Essa pessoa ia na direção da entrada do Englischer Garten. Iria para surfar no Eisbach, onde o homem se armou em batoteiro com a natureza e construiu um rio artificial, com cerca de dois quilómetros, desviando água do Isar, esse sim um rio natural. Só que fê-lo com certos declives no leito onde, certos sítios, o curso da água tem pressa suficiente para formar ondas que, algures nos anos 70, começaram a ser domadas.
A mais acorrida é mesmo à boca de onde a água é libertada no parque: diante de duas bocas gigantes de condutas subterrâneas, a ideia é saltar com os pés para cima da prancha e diretamente para a água. Não há remadas para a onda, nem take offs (colocar-se de pé).
É cada um por si e todos tem a sua vez, o próximo aguarda a que o prévio caia, ou se deixe ir na corrente e se alguma vez o surf tiver uma bancada de espetadores, a inspiração estará por aqui - a onda forma-se nem a 20 metros da estrada, ouvem-se buzinas e aceleradelas, os turistas param na ponte para espreitar, a gentes acumulam-se nas margens para assistirem.
Diogo Pombo
Há filas para o carrossel de natureza batoteira, a onda não é bem natural, ninguém exige moeda e muito menos há alguém a operar este tapete rolante de água onde há muitos olhos colocados. É por isso que Johana Fürst prefere ir uns 500 metros mais para norte, ao longo do Eisbach.
Afastada de onde o rio recebe a água emprestada há outra onda, mais mansa, menos espumosa, não com a mesma pressa. Chama-se Dianabadschwelle. "Basicamente, aqui também é um tapete rolante que tens em baixo dos pés", reconhece a alemã, de 30 anos, apanhada a arrumar a prancha no saco e a acomodá-la na bicicleta. Só por uma vez a parou junto à onda mais famosa de Munique.
Johana só se atirou a estas ondas de água doce em outubro, apesar de já surfar há muito. "Até acho que surfo ok para uma miúda alemã, então os meus amigos puxaram por mim", conta, sobre a experiência de se ter atirado à onde que reclama a maioria das atenções: "Não gosto de estar a ser observada assim tanto. Quase que parece que tens um público, sentes a pressão de ter de mostrar alguma coisa".
O nível lá é mais elevado, não sentes que podes levar o teu tempo", explica, encolhendo os ombros. "Aqui é mais tranquilo, as pessoas ajudam-se umas às outras."
Nesta onda de parede mais limpa, não tão rabugenta, há a peculiaridade de o salto para a água ser mais exigente - há que embalar um pulo para a frente, não apenas para a água, e "se fores goofy [pé direito à frente na prancha], estás virado para a parede no momento em que saltas".Johana Fürst teve que "arranjar uns truques", como toda a gente.
O salto para a água é o berbicacho mais referido, "se não andares de skate vai ser difícil". No oceano, onde a água é salgada e mais oxigenada e as massas de água dão boleia ao invés de arrastarem, "chegas a um ponto em que já não te frustras tanto, porque já sabes algumas coisas". No rio Eisbach é como "começar outra vez do zero".
O surf salgado já não gera frustração em Johana Fürst. Por motivos laborais e de amizade que não chega a aprofundar, diz que vai a Portugal "de seis em seis semanas". Ruma sempre à Lourinhã, ao oeste onde o vento é distúrbio frequente de ondulações. É lá que rema, mergulha debaixo de ondas com a prancha e se tem de pôr de pé sobre ela, num movimento a que o surf exige naturalidade.
Não em Munique, aqui Johana Fürst despede-se, encaixa a prancha na bicicleta e pedala jardim fora, sem um vestígio de sal no corpo. "No oceano, a onda empurra-te. No rio, tens de te habituar, às vezes parece que literalmente não te mexes e ficas sempre no mesmo sítio", chegou a resumir, erradamente - ao menos, estão no interior da Europa e podem sair de casa com uma prancha de surf.