Euro 2020

Arnold, o segurança que guarda a Allianz Arena, estádio que já não é o seu

Arnold, o segurança que guarda a Allianz Arena, estádio que já não é o seu
Diogo Pombo

Se não está próximo da idade da reforma, estará quase. Arnold Lemke é um dos seguranças que trabalha na Allianz Arena, onde TSV 1860, o seu clube de Munique, já não joga devido a problemas financeiros, mas no sábado joga Portugal com a Alemanha. "Vou ler tudo sobre o jogo para me preparar", diz o senhor que habituado estará a estudar: sabe, por exemplo, a altura das torres de televisão de cidades um pouco por todo o mundo

"Skipping à frente, skipping atrás", tudo se ouve, o Allianz Arena só pode ter sido mimado por engenheiros de som e as suas pinças especiais para a acústica. A tribuna de imprensa do estádio fica colada ao relvado, a seleção nacional é gentil por escolher os metros quadrados de campo mais vizinhas das câmaras quando começa a contagem dos 15 minutos de treino aberto à comunicação social.

Os ouvidos dos presentes prezam-lhes a escolha. Arnold Lemke também os ouve.

Porventura não entenderá tudo, talvez até nada. O português do Brasil que acariciou um pouco devido a amizades de muitos anos não lhe vale para tanto. Está destreinado, lamenta, "faz-me falta praticar", diz, quando é confirmada a sua suspeita de estarem cá jornalistas portugueses. "Também quero melhorar o meu inglês, dá mais jeito", acrescenta.

Arnold é senhorial, a idade dá-lhe esse direito. O branco pinta-lhe o cabelo, onde assenta uma boina. Tem uma das orelhas furadas com um pequeno brinco de ouro, circular. O olhar é gentil, nem é preciso descobrir as feições escondidas pela máscara, a cara mais comum hoje em dia.

Trabalha para a mesma empresa de segurança "há muitos anos" e perdeu a conta aos jogos do Bayern Munique que presenciou, dizer que os viu será demasiado, ou sequer que transbordasse em vontade de os ver. "TSV 1860", lê-se no pequeno cartão de papel azul que entrega. Tem a sua morada, número de telefone e o e-mail carimbados, nota-se que é um recorte de uma folha.

Diogo Pombo

Arnold quer conversar, deseja comunicar. São uns bons 10, 12 minutos de esforço para fazer fluir o seu inglês um pouco soluçante. Encrava, mas é mais do que suficiente para levantar um pouco o tapete ao peculiar conhecimento trivial que tem.

Quando um voluntário da UEFA se junta à conversa e atira que é de Estugarda, a uns 200 quilómetros de Munique, algo agita Arnold, fá-lo exclamar - "É onde fica a mais velha torre de televisão da Alemanha". Acrescenta que foi erguida em cimento e que isso também a torna especial. Sabe quanto mede, conhece a diferença de metros que tem para a torre de Berlim, "a mais alta do país". E na cabeça guarda também que vencedora destas alturas está em Tóquio, no Japão.

- "Tenho uma coisa com torres de televisão".

Arnold também sabe o nome da firma de arquitetos suíça que projetou a Allianz Arena, quanto tempo demoraram e quando o estádio foi inaugurado, antes do Mundial de 2006. Ainda se recorda de ver o TSV 1860 jogar aqui.

É outro dos três clubes de futebol de Munique, que faz o que pode por entre a influência eucaliptal do Bayern. Hoje está na III divisão, a tentar não perder as estribeiras que estilhaçou, uma e outra vez, ao longo das últimas duas décadas. "Tivemos muitos problemas financeiros", resume Arnold Lemke, de forma simpática.

O TSV 1860 até foi campeão alemão em 1966. Entre o fim do século anterior e o início deste (de 1996 a 2004), deu um segundo representante a Munique na Bundesliga, até que desceu de degrau e, entre dívidas acumuladas, um investidor da Jordânia, baldrocas várias com presidentes, diretores desportivos e treinadores - Vítor Pereira esteve lá seis meses, em 2016/17 -, foi-se afundando.

E afastando do estádio onde já não jogam. Arnold solta um "ainda bem que fomos embora", lamenta que o clube "não tem condições" para poder usufruir da Allianz Arena, que abandonou de vez em 2017, quando o Bayern cancelou a espécie de contrato de aluguer que ainda os ligava.

O recinto já nem lhes pertencia, apesar de terem sido uma das razões para os tais arquitetos suíços que Arnold recorde o nome terem sido pagos para desenhar o estádio que, visto de fora, tem silhueta de nuvem: em 2004/05, quando foi inaugurado, Bayern e TSV 1860 ficaram ambos com 50% da propriedade.

O clube regressou ao velhote Grünwalder Stadion, arcaico nas estruturas, mas cativador das preferências de Arnold. "É muito melhor para nós, agora estamos na terceira divisão, tem quase 100 anos, há lá muita tradição. É bastante ok", reconhece, num suspiro contente, de quem prefere o afago dos antigos anfiteatros de futebol.

O clube decaiu com estrondo e a conversa também é abrupta a conhecer o seu fim, somos urgidos por diversos seguranças e voluntários da UEFA para nos calarmos e o jornalista ir dali para fora. Os 15 minutos de abertura do treino ao mundo terminaram, valeu a prudência de Arnold Lemke em deixar o seu cartão.

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: dpombo@expresso.impresa.pt