Um homem contra um tanque

Jornalista
Não haverá muitos avançados por aí que pareçam grandes ao lado de Pepe. Ao lado dos 1,88 metros de carne absolutamente depurada de qualquer gordura que vemos em Pepe, porque às vezes os gigantes não têm de ter um corpanzil, às vezes é o olhar que torna os outros pequeninos, que os deixa desde logo em desvantagem.
É possível que isso, por si só, não seja suficiente para Romelu Lukaku. Porque Lukaku tem mais uns quantos centímetros que Pepe, ganha-lhe em proteína e, mais importante que tudo, tem técnica, sabe mexer-se, é muito provavelmente o mais temível dos avançados da atualidade. Um tanque, mas daqueles com lagartas destemidas, capazes de passar por cima de toda a folha, mas também de fazer um pião, se for preciso.
Só que esta noite, mal se viu Lukaku. E mal se viu porque a partir de certa altura a Bélgica teve menos bola, é certo, mas também porque, enquanto a teve, Pepe teve o discernimento de saber, do alto da sua experiência, que com Lukaku não se pode ir ao choque. Lukaku é para farejar, é para controlar ao longe, em podendo, quando não se pode também não convém agarrar muito, que ele, com a técnica e força que tem, usa o corpo para trocar as voltas ao seu marcador. Coisa que Pepe nunca permitiu.
Não vamos ver grandes números na estatística de Pepe, talvez não os vejamos em qualquer jogador português neste encontro que nos manda embora do Euro e em que ninguém foi mais decisivo que ninguém, pelo menos nas partes boas. Mas impressiona que, não deixando o mais poderoso jogador da Bélgica ter qualquer oportunidade para criar perigo, acabe o jogo com apenas uma falta, uma falta feia, é certo, e que lhe valeu um amarelo já a desbotar para outra cor, mas ainda assim apenas uma falta. De acordo com o Sofascore, tem ainda uma apreciável percentagem de passes acertados, 88%, 64 em 73 tentados. Houve um par de cortes decisivos mas, mais que isso, importante não terá sido o que Pepe fez, mas sim onde esteve. E esteve quase sempre no sítio certo.
Mas se Pepe está aqui escarrapachado neste texto também é pela arrancada que faz algures já perto dos 90’, a levar a bola lá para a frente naquele espírito de missão que continua a fazer dele parte essencial, aqueles momentos de fé que nos metem a pensar que embora ele pareça um rapazito, como o Tiago Ferreira disse ao Diogo Pombo ainda em Budapeste, já não vai durar mais cinco ou seis anos. Não sei se aquela arrancada nos descontos foi das últimas imagens que veremos de Pepe com a camisola de Portugal, mas se for ele sai como sempre foi: um inconformado, uma réstia de força e paixão. É Pepe, e Pepe é eterno.
N.B. - No final, enquanto os belgas festejavam a vitória, uma câmara vagueava pelos semblantes vazios dos jogadores portugueses. Pepe não só não se escondeu como encarou a câmara e com um simples olhar disse-nos, a todos nós portugueses: "Desculpem". Não tens de pedir desculpa, Pepe. A culpa está longe de ser tua.
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