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Pedri, o fenómeno fora de toda a lógica

Pedri, o fenómeno fora de toda a lógica
Quality Sport Images

É pequeno, franzino e dono de uma fraca figura que encantaria poucos ou nenhum treinador que, antes de tudo, olha para o físico. Mas, dentro da cabeça, Pedri sabe pensar e ver e jogar futebol como, talvez, nunca um futebolista de tão só 18 anos o tenha feito ao nível a que o espanhol está a fazer

As modas, no seu abstrato, são passageiras e têm do mais rápido passageirismo que há na vida, então falando em vestimentas, um personagem de uma série narradora sobre a vida de um dos mais marcantes estilistas dos EUA dizia que as modas até duram meros dias, mas, no futebol, essa efemeridade é trocada por alguma barba.

Na bola, as modas são mais geracionais e os espanhóis sabichões estão de o saberem, antes de Luís Aragonés ousar unir os pequeninos em torno da bola e Vicente del Bosque respeitar esse talento que se juntou, a Espanha jamais jogara como em 2008, 2010 e 2012, sobretudo nunca como nos Europeus que conquistou.

O tempo abranda para ninguém e, aos poucos, lá foi ganhando no jogo da apanhada a Xabi Alonso, Cesc Fabregàs, David Silva, Xavi e Iniesta, os subjugados ao íman da bola que foram um de vários motivos para a canonização de um estilo de jogo espanhol, uma forma de jogar à Espanha com a posse a ter o privilégio-mor antes de tudo o resto.

Com o tempo, os expoentes do toca, passa, mexe, atrai, fixa e solta outra a vez a bola foram minguando. Xavi já não joga, Iniesta joga o que resta dele no Japão e a seleção espanhola sofreu na decadência sem ambos. Mas algures, alguém parece ter pegado numa placa de petri, manipulado uma semente com genes desses dois da vida airada do futebol pensado, inseminou-a artificialmente no corpo de um rapaz de Tenerife e para toda a gente ver no que isso dará.

Deu, para já, uma grandiosa amostra precoce num tão aparentemente frágil corpo do adolescente que o espanhol ainda é, a mover-se em campo, a correr até com um engonço anormal para a idade - os braços mecanizam-se para diante, à frente do tronco, a testa a inclinar-se a cada passo dado e o pescoço hirto, parece um pequeno robô formatado para uma função.

A que Pedri executa, aos 18 anos, é a mesma que milhentos futebolistas não lograram cumprir durante uma vida. Porque o espanhol vai jogando futebol da forma mais simples e apropriada a todo o momento, que é a maneira mais difícil de jogá-lo.

Movendo-se no centro do campo e quase sempre com pendor para a esquerda, Pedri é um futebolista ambulante de receções orientadas na direção certa, de passes rasteiros com a força e velocidade certas para alguém, de pausas com e na bola certeiras para, quando a passar, o destinatário estar um sítio com melhores condições de vida.

Ele não finta malabarísticamente, nem evade corpos por ser o corpo mais veloz e muito menos se remata para fora de problemas (em seis jogos e 629 minutos no Europeu, tentou zero vezes pontapear uma bola à baliza). Não são as coisas mais anatómicas que abonam a favor da precoce grandiosidade de Pedri.

São as cerebrais, quase por inteiro.

Alex Morton - UEFA

A cabeça de 18 anos do espanhol pensa e matuta o jogo como se o visse computorizadamente de cima, revela uma noção espacial incomum e uma constância ainda mais rara em decidir pela ação mais apropriada para cada problema que lhe aparece à frente no jogo. E, com a idade que tem, acerta muitas vezes com a sua certeza simples, tem os pés calçados com simplicidade porque só pode ser um privilegiado que vê o futebol dentro da cabeça sem os nós e emaranhados que a maior parte das pessoas veem.

Pedri é a simplicidade excelsa em futebolista, simples também é a frase com que Blessing Lumueno nos resume como vê o espanhol ("as pessoas pensam sempre que são os treinadores a ajudar os jogadores, mas o Pedri é o tipo que, aos 18 anos, me ajuda enquanto treinador a entender melhor o jogo"), como é igualmente a de João Nuno Fonseca ("Pedri tem um software excepcional que, permite ordenar o seu jogo e complementar o da equipa").

Ambos são treinadores que nunca estiveram perto do médio a quem o corpo nem sequer está formado, disso saberá bem melhor Luis Enrique, que o treinou durante mais de um mês seguido e o manteve em campo, quase sempre. Quem faz do futebol um jogo simples a ele pertence e, livre-se Pedri de lesões e arrelias desse corpo que ainda cresce, para continuar a jogar como o o selecionador espanhol o descreveu:

"Nunca vi num jogador com 18 anos em nenhuma competição, seja um Europeu, um Mundial, uns Jogos Olímpicos, o que quiserem. Como render, como interpretar jogo, como ocupar os espaços, a qualidade e a personalidade que tem para jogar este tipo de partidas, nunca vi uma coisa igual. É algo fora de toda a lógica."

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