Fechado numa sala, sem telemóvel e com dois agentes da polícia à porta. Assim esteve Novak Djokovic durante, pelo menos, cinco horas à chegada ao aeroporto de Melbourne, onde a suposta isenção médica concedida ao sérvio (que não estará vacinado) lhe bloqueou a entrada no país. No final, a confirmação: visto cancelado e entrada negada. Os advogados do sérvio ainda vão recorrer, mas está difícil a sua participação no Open da Austrália
Diogo Pombo
Novak Djokovic está recostado no trólei da bagagem, a pose trabalhada por uma mão dentro do bolso das calças e a outra pendurada, por ter o cotovelo apoiado no saco das raquetes. Fotografado num aeroporto de algures, em teoria prestes a embarcar num dos aviões que o levaria à Austrália, o tenista injetou boa-disposição na mensagem que acompanhou a imagem publicada nas suas redes sociais: “Estou a encaminhar-me para Down Under com uma permissão de exceção”. A feição cansada do sérvio, sorridente mas, em simultâneo, com cara de não estar nem aí, terá ficado mais carregada em Melbourne.
O sérvio das muitas das costelas tenísticas enraizadas na Austrália, onde está uma espécie de quintal privado da sua carreira, tantas foram as vezes (nove) que já saiu de lá com o primeiro Grand Slam da temporada conquistado, nem terá ultrapassado o controlo de passaportes no aeroporto de Tullamarine. Ao aterrar por volta das 11h30 portuguesas, Djokovic foi questionado pelas autoridades e fechado numa sala, deixado a olhar para as paredes e sem acesso ao telemóvel. Ficou retido por um imbróglio logístico que é quase o culminar de um desastre anunciado. Greg Hunt, ministro da saúde australiano, confirmaria mais tarde, ao início da manhã que já acontece na Austrália, que o visto do sérvio foi cancelado e que o tenista tem ordem para deixar o país.
Até antes de a Taça Davis terminar, em dezembro, marcando oficialmente o final da época, já se falava dos quês e comos da ida à Austrália do número um do ranking ATP. Porque há mais de ano e meio que Novak Djokovic se recusa a divulgar se está vacinado contra a covid-19, incógnita que foi a marinar ao longo da pandemia com declarações feitas pelo sérvio, aqui e ali, a defender a liberdade de escolha ou a criticar os julgamentos feitos a quem opta por não se vacinar. O seu pai, Srdjan, chegou a dizer que não jogaria o Open da Austrália: “É um direito pessoal de cada um sermos vacinados, ou não. Ninguém tem o direito de entrar na nossa intimidade”.
O Open da Austrália é o Grand Slam predileto de Djokovic. O sérvio já ganhou nove edições do torneio
Foto: Cameron Spencer/Getty Images)
A meio da tarde desta quarta-feira, o progenitor de Djokovic dizia ao “B92”, um site sérvio, que o filho estava trancado na tal sala do aeroporto de Melbourne, com dois agentes da polícia à porta. Provavelmente nas imediações, Goran Ivanisevic, o treinador de Novak, publicava uma selfie no Instagram, escrevendo que “não é a viagem mais usual” à Austrália. Com tantas incertezas, jamais o seria e a equipa que trabalha com o sérvio piorou a situação.
Terá sido um erro no pedido do visto — para se viajar para o país, o governo australiano disponibiliza várias versões de vistos — a inviabilizar que Djokovic fosse elegível para ter a isenção médica que disse ter recebido, escreveu o jornal “Sydney Morning Herald”. Porque, de momento, qualquer viajante só pode entrar na Austrália se tiver a vacinação completa e as exceções aplicam-se, entre outros casos, a pessoas que tenham comprovadamente tido covid-19 nos últimos seis meses. Os documentos trazidos por Novak, aliados ao tipo de visto pedido, terão feito o sérvio ser barrado no aeroporto. Proibido de entrar, Djokovic deverá agora, através dos seus advogados, contestar a decisão.
As autoridades fronteiriças pediram, por escrito, ao governo de Victoria, estado cuja capital é Melbourne, para apoiar a isenção médica de Djokovic. Que foi rejeitado, escreveu Jaala Pulford, ministra regional do Desporto, no Twitter: “Não vamos dar um apoio individual no visto a Novak Djokovic. Sempre fomos claros em dois pontos: a aprovação de vistos é do governo federal e as isenções médicas competem aos médicos”. Ou seja, passava a batata quente para o governo australiano, que cedo encarrilou a sua posição na mesma direção.
No meio do turbilhão de reações surgidas pouco depois da aterragem de Novak Djokovic, o primeiro-ministro do país, Scott Morrison, disse que o tenista tinha “de apresentar provas aceitáveis de que não pode ser vacinado por motivos médicos”, quase confirmando o que o sérvio há muito evita dizer. “Se essa prova for insuficiente, então não será tratado de forma diferente a qualquer outra pessoa e estará no próximo avião a caminho de casa — não deveria haver regras especiais”, acrescentou, sem asseverar bons augúrios para o número um do ranking mundial, que horas depois seria mesmo impedido de entrar no país.
A ainda suposta recusa de Novak Djokovic em vacinar-se contra a covid-19 apanhou-o na Austrália, onde se viu detido no aeroporto de Melbourne. Sozinho, fechado numa sala, sem telemóvel e à espera de sair do limbo com que o país o recebeu.