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Egan Bernal e a montanha mais alta da sua vida

Egan Bernal e a montanha mais alta da sua vida

O ciclista colombiano, vencedor da Volta a França em 2019 e do Giro de Itália em 2021, sofreu um grave acidente enquanto preparava no seu país uma temporada em que o regresso às vitórias no Tour era o grande objetivo. Um prodígio habituado a voar nas escaladas mais empinadas, a recuperação das múltiplas fraturas e operações será a etapa mais difícil da sua carreira

É possível que os ciclistas colombianos só não dominem coletivamente o mundo por causa de um ligeiro calcanhar de Aquiles: se não contarmos com a honorável exceção chamada Santiago Botero, campeão mundial em 2002, quase todos têm no contrarrelógio uma certa debilidade que não raras vezes se reflete nas classificações gerais das grandes voltas – os dois segundos lugares de Nairo Quintana no Tour são disso prova. 

Era precisamente essa disciplina que coloca em luta direta um ciclista e a passagem do tempo que Egan Bernal treinava afincadamente na segunda-feira, nos arredores de Bogotá, com outros ciclistas sul-americanos da INEOS. Apesar do seu habitat natural estar nas montanhas, Bernal nunca foi um mau contrarrelogista, pelo menos para os parâmetros colombianos, e por isso mesmo em 2019 tornou-se no primeiro ciclista do seu país a vencer a Volta a França. Tinha apenas 22 anos e surpreendeu até aquele que era o campeão em título e líder da INEOS, Geraint Thomas. 

Acontece que as quedas e lesões travaram o jovem colombiano que parecia preparado para comer o mundo e nesse intervalo apareceu outro miúdo: Tadej Pogacar. E Pogacar não tem evidentes falhas, nem na montanha, nem no contrarrelógio. Venceu o Tour em 2020, com apenas 21 anos, e repetiu a dose em 2021, ano em que Bernal “fugiu” ao confronto com o esloveno. Foi ao Giro, que venceu, e à Vuelta, onde terminou em 6.º. 

2022 seria o ano do grande duelo entre ambos no maior dos palcos, o Tour, e Bernal afinava, por isso, a técnica de contrarrelógio, o seu ponto menos forte, o que o separa do prodígio Pogacar. Mas o azar, tão incompreensível quanto fortuito, fará com que muito dificilmente o colombiano possa estar presente na Volta a França, em junho. Numa estrada na zona de Gachancipá, a 30 quilómetros da capital da Colômbia, Egan Bernal treinava a alta velocidade, com os olhos postos no chão, como tantas vezes fazem os contrarrelogistas, não percebendo que à sua frente um autocarro travava bruscamente para deixar um passageiro.

Bernal na última edição da Volta a Itália, com João Almeida na roda (FOTO: TIM DE WAELE/POOL/AFP via Getty Images)

O choque foi tremendo. Bernal fraturou o fémur da perna direita, a rótula, sofrendo ainda uma lesão torácica que afetou um pulmão. Depois de uma primeira intervenção cirúrgica, nas últimas horas o ciclista foi também operado à coluna vertebral e passará os próximos dias nos cuidados intensivos da Clínica La Sabana, em Chía, perto de Bogotá, curiosamente o hospital da Universidade de La Sabana, onde Bernal ainda estudou para ser jornalista, antes de se dedicar em definitivo ao ciclismo. 

Época em risco

Com uma renovação de contrato recém-assinada com a INEOS até final de 2026, Bernal via em 2022 o ano de regresso ao Tour, depois de ter abandonado em 2020, quando defendia o título, devido a uma grave lesão nas costas. O colombiano deveria arrancar a temporada daqui a duas semanas na Volta à Provença, em França, seguindo depois para o Paris-Nice, na segunda semana de março. 

De acordo com o diário colombiano “El Tiempo”, a recuperação do atleta poderá durar seis meses, devido à complexidade da operação para fixar o fémur. Perderá, por isso, grande parte da época. Com apenas 25 anos, a juventude deverá ajudar Bernal a fazer uma recuperação total, mas na memória daqueles que seguem o ciclismo estará ainda o acidente de Chris Froome. Em 2019, durante o Dauphiné, o britânico embateu contra um muro e fraturou o fémur, a bacia, o cotovelo e várias costelas, sofrendo ainda lesões internas, falhando assim o Tour – o que abriu as portas à promoção de Bernal na cadeia de comando da INEOS, que o colombiano aproveitou da melhor maneira. Froome voltou a competir, mas desde aí com resultados muito pobres.  

E, por isso, Egan Bernal terá nos próximos meses a contagem de montanha mais importante da sua ainda curta carreira. Aquele que era visto no final da década passada como o futuro grande dominador da modalidade tem acumulado azares atrás de azares. O tão esperado confronto com Pogacar terá de esperar.   

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