João Sousa: “São 30 semanas de competição por ano, 300 torneios ao longo de 10 anos e as vezes em que não saímos derrotados são muito poucas”
Mais do que a confiança que admite ter em alta, após vencer o quarto torneio ATP da carreira em Pune, na Índia, entre 11 finais “das quais as pessoas nunca se lembram”, João Sousa diz que, com este título, sobretudo “não surgem tantas dúvidas”. Porque, em entrevista à Tribuna Expresso, o tenista português, de 32 anos, também lembrou como as últimas duas épocas o massacraram com lesões e hesitações sobre a carreira. E garante que não vai relaxar, porque sabe como “o ténis é um bocadinho injusto” e “todas as semanas” coloca os jogadores “em cheque”
Quando a cabeça quer e o corpo não deixa, soluçando e encravando, é a mente que por vezes sucumbe, falível perante as manigâncias de mazelas e a de João Sousa, durante coisa de dois anos, pôs-se a duvidar. Uma teimosa lesão no pé apoquentou-o e tirou-lhe a hipótese de ter pré-épocas normais, também a covid-19 o parou durante uns tempos e o português que se habituou a competir entre os 40, 50 ou 60 melhores do ranking começou a ter dúvidas sobre o seu ténis.
A dor, ou o receio de a sentir, até o obrigaram a alterar um pouco o seu estilo de jogo. Sobretudo, este caldo de contrariedade tirou-lhe confiança e tranquilidade, as duas palavras nas quais resume muito do que diz ser fulcral para um tenista manter o nível e não baixa da bitola que definiu para si próprio. Mas, 1.372 dias depois, João Sousa voltou a conquistar um torneio ATP no piso rápido de Pune, na Índia, o equivalente a quase quatro anos volvidos desde que vencera na terra batida do Estoril Open.
Voltou-lhe a confiança, a tranquilidade e o nível de jogo que já sentira a regressar aos seus arraiais entre o final do ano passado e o início deste. No domingo, João Sousa venceu um adversário 10 anos mais novo do que ele e também com menos uma dezena de presenças em finais do que o português — e, mesmo que não tivesse ganhado, seria um bom resultado. “Já era quase como um prémio extra. Claro que fui para lá a querer vencer, com ambição e com nervos, mas era um prémio para o trabalho que tínhamos realizado e o facto de estar numa final dizia-me muito”, diz-nos, dias após a vitória, confessando estar “muito contente com o nível e a forma” apresentados no torneio e ciente de que, agora, “há pouca margem para celebrar e relaxar”.
O Frederico Marques, teu treinador, disse que era uma questão de tempo até voltares a uma final. Também achavas o mesmo e tinhas essa ‘fezada’? Sim, ou seja, tanto eu como o Frederico acreditamos muito no nosso trabalho. Sabemos que, quando é bem desenvolvido, os resultados aparecem e sempre foi o nosso lema, a nossa maneira de estar no ténis e na vida. Sabíamos que estávamos a desenvolver um bom trabalho, à semelhança dos últimos anos e estava consciente de que era uma questão de tempo e de confiança até conseguirmos alcançar mais um grande feito. Obviamente que podia ter perdido na meia-final, estive a um ponto, não deixava de ser um bom resultado porque joguei bom ténis e a um nível que realmente quero, e sei que consigo jogar, mas acabar com um triunfo é sempre muito especial.
É o melhor combustível? Sabes bem que, na carreira de um tenista, há poucas semanas em que vencemos a não ser os três grandes. São 30 semanas de competição ao ano e, durante 10 anos, são 300 torneios e desses 300 somos campeões umas 10, ou 15 vezes. Portanto, as vezes em que jogamos um torneio e não saíamos derrotadas são muito poucas. É sempre especial acabar com um título porque, infelizmente, as pessoas nunca se lembram das finais que realizamos e só se lembram dos títulos. A verdade é que são 11 finais ATP e, felizmente, consegui vencer quatro. Estou muito contente pelo resultado, pelo nível e pela forma como consegui estar no torneio, demonstrei-o a mim e às outras pessoas, foi um acrescentar de confiança ao meu ténis para me dar força para continuar a trabalhar e a tentar os meus objetivos.
Quando falámos no final de 2020, uma lesão no pé estava a tirar-te muita confiança e até admitiste que estava a obrigar-te a mudar o estilo de jogo no court. Esse lado imponderável das lesões já te deixou em paz? Sem dúvida, foi uma fase da minha carreira em que consegui tirar ilações positivas, outras se calhar nem tanto; pensei muito sobre a minha carreira e ponderei muitas coisas. São situações que nos fazem crescer. Apesar de já ter alguma idade e experiência no circuito, não deixamos de crescer e de aprender. Acabou por ser, de certa maneira, bom para o que espero que ainda possa vir a acontecer. Este início de temporada foi muito bom após dois anos em que não conseguimos fazer uma pré-época boa, este ano, apesar de ter sido pequena, foi boa e já com alguma confiança [trazida] de 2021, por já ter feito duas finais, com alguns jogos nas pernas e algumas rotinas. Tudo isso acabou por somar para a minha confiança crescer. E, obviamente, vencer encontros e torneios ajuda, mas não quer dizer que na próxima semana não possa perder à primeira ronda. Agora tenho mais confiança em mim porque as vitórias fazem isso mesmo. Mais do que a confiança, não surgem tantas dúvidas.
Ultrapassada essa fase, achas que este ano é aquele em que partes com mais bagagem de aprendizagem feita? É quando se passa um mau bocado que uma pessoa mais aprende. Claro, é óbvio. Todos os anos em que se consegue manter no topo como aconteceu em todos os outros anos, em que fiquei no top 50, top 60, o objetivo acaba por ser alcançado e isso dá-nos tranquilidade. Essas são as palavras, confiança e tranquilidade. Depois do bom e do mau, consigo fazer a colheita, digamos assim, e acabo por ficar mais experiente ainda, não só pelos anos de circuito, mas pelas experiências que tenho na carreira. Sinto-me preparado para uma boa época, começando com um bom pé, e agora há que continuar a trabalhar, porque o ténis é um bocadinho injusto nesse sentido. Todas as semanas somos postos em cheque, as expetativas são altas e os nossos objetivos também, existe a pressão e há pouca margem para celebrar e relaxar. Esta não é uma palavra que exista muito no ténis.
Agora, cada vez mais, vais apanhar tenistas muito mais novos do que tu e em arranque de carreira, com muita fome. Há jovens que vêm com muita força, que têm muito talento e nós temos tentado adaptar da melhor maneira o nosso estilo de jogo a essa mudança constante, porque se pararmos, vamos morrer. Temos de constantemente estar a inovar e é o que temos feito. O Emil Ruusuvuori [tenista finlandês que derrotou na final em Pune] tem menos 10 anos do que eu, não pensei muito nisso, mas a verdade é que, se fizer uma analogia, ele tinha 10 anos quando eu já tinha 20.
Já jogaste em 11 finais. Consegues descortinar quando, do outro lado da rede, está um miúdo a acusar um pouco a pressão? Nota-se, sim. Sabia que para o Emil uma final ATP era algo que ia pesar muito, lembro-me perfeitamente da minha primeira e os nervos estão à flor da pele. Para mim também estavam, mas de uma maneira diferente, em que já passei por aquela situação, já perdi, sei o que é estar no lugar dele, sei o que é vencer, sei o que é perder uma final, já estive no lugar dele e isso acaba por me dar uma bagagem que ele ainda não tinha. E eu estava consciente que partida em vantagem nesse sentido. Isto acaba por passar pela experiência, já tinha passado por isto 10 vezes.
Vi-te a ajoelhares-te no court, no final, com uma bola na mão. Levaste-a como recordação? Não, a bola tinha-me ficado no bolso do primeiro serviço, foi um gesto intuitivo, não foi por nenhuma razão em especial.
Foto: Mackenzie Sweetnam/Getty Images
O público indiano parecia estar a torcer bastante por ti. Sentiste isso? Só foi permitido ter público no sábado e no domingo, na meia-final e na final. Acho que isso veio do encontro da meia-final. O apoio até estava repartido, mas penso que até mais pelo [Elias] Ymer. Esse jogo foi muito emotivo para mim porque consegui a qualificação para uma final novamente e, depois, emocionei-me um bocado nas declarações e acho que esse sentimento chegou às pessoas. Quem estava na meia-finai e foi à final acho que acabou por levar isso para o lado sentimental e por isso é que me estava a apoiar tanto, a verdade é que o público foi incrível, o ambiente foi notório e tanto eu, como o Emil, tivemos oportunidade de falar. Eu já tinha tido muitas presenças em finais, ele nunca, mas o ambiente foi muito agradável, super respeituoso nos pontos.
Estavas mais emocionado após a meia-final, do que na final? Sem dúvida [ri-se], porque consegui estar na final. Depois, a final já era quase como um prémio extra. Claro que fui para lá a querer vencer, com ambição e com nervos, mas era um prémio para o trabalho que tínhamos realizado e o facto de estar numa final dizia-me muito, daí emocionar-me. Depois, estando lá, óbvio que dei tudo para vencer e sabia que era importante para mim, porque sei que das finais [perdidas] ninguém se lembra, mas, enfim, realmente a meia-final tocou-me muito.
Tu e o Frederico Marques trocaram um longo abraço nesse jogo. O que te disse ele? Acho que nem houve grandes palavras, foi só mesmo “vamos” e o Frederico disse-me: “És grande, mereces isto e gosto muito de ti”. Acho que foi isto que ele me disse. Sinceramente, não me lembro o que lhe disse, mas foi mais um abraço sentido do que propriamente palavras.
Nesta altura da tua carreira, ganhar um torneio ATP é o melhor combustível que há ou já importam mais outras coisas? O melhor para qualquer desportista é vencer. Somos competitivos, queremos ganhar jogos e torneios e que desfrutem do nosso ténis, isso é a nossa gasolina e acaba por fazer diferença.
Estás com 32 anos. A idade deu-te outra perspetiva destas vitórias? Valorizo cada vitória da mesma maneira como quando tinha 22 anos. Sinceramente, não penso muito na idade, agora sinto-me bem fisicamente, já passou a fase em que realmente estava a pensar, “ah e tal, será que…”, mas agora não. Desde que me sinta bem fisicamente, e a verdade é que sinto, porque depois de uma meia-final de três horas e meia acabei por estar muito bem na final, em mais um jogo de quase três horas. Isso também me dá confiança e tranquilidade a nível físico.
Que tipo de aspetos, a nível técnico, te vais focar esta temporada? Pequenos ajustes que podemos fazer. Por exemplo, esta semana a minha esquerda esteve muito bem, foi uma arma que tive a jogar muito comprido.
Também usaste muito o slice de esquerda.
Sim, porque hoje em dia é tudo muito rápido e, às vezes, temos de ralentizar um bocadinho o jogo. Acho que não há grandes mudanças a fazer nesta fase da minha carreira, mas sim pequenos ajustes, seja no serviço, na direita, na esquerda, todas as pancadas.
O que têm planeado para os próximos meses? Vamos disputar o torneio de Doha, neste caso, vou eu e o Frederico vai ficar em Portugal. Depois, em princípio, vou ao Dubai, neste momento estamos alguns lugares fora do qualifying, pelo que não sei se vou conseguir competir. Depois há a Taça Davis, na Maia, e o Indian Wells e Miami, que será o mês todo nos EUA.
Como é que é essa experiência de ires para torneios sem o teu treinador? Estão juntos há muitos anos. É bom, foi algo que decidimos fazer este ano e já tínhamos pensado há algum tempo. Porque acaba por nos dar outra perspetiva de estarmos longe um do outro, de descansar, o Frederico tem uma família grande e acho que é importante para ele passar algum tempo com a família, desfrutar mais deles, porque é uma pessoa muito dedicada ao trabalho e às vezes descura um bocadinho a parte pessoa dele. Até tenho vindo a insistir com ele e agora está a perceber que faz parte e é importante, tanto para ele, como para mim. Já na semana anterior a Pune viajei com o meu preparador físico e, portanto, vamos fazer algumas semanas em que o Frederico vai ficar em Portugal, a desfrutar mais da família.
Mas, durante os jogos, não é estranho olhares para a tua box e não teres lá o Frederico? O Marc [Martí] é uma pessoa com quem já trabalhamos também há muitos anos, já há 10 anos e sabe perfeitamente estar no mundo do ténis, acaba por ser muito familiar para mim.
O que achas do coaching, sendo o ténis tão solitário a partir do momento em que o jogador mete o pé no court? Apesar de existir uma grande tradição do no coaching, acho que existe uma necessidade do ténis de inovar nesse sentido, muito sinceramente. Hoje em dia, todos os treinadores fazem coaching. Apesar de ser proibido, há muitas maneiras de o fazer, seja por gestos, por olhares e acaba por ser normal fazerem isso. É algo que acredito que deveriam normalizar, mas de uma forma, se calhar, não tão brusca, porque já sabemos como são os americanos, começa o treinador a entrar quase no campo. Tem de existir uma barreira, mas uma barreira um bocadinho transparente.
Por tradição, não achas que quem manda no ténis vai estar um bocado avesso a que se caminhe nesse sentido? A regra está lá e toda a gente a respeita, mas, ao mesmo tempo, ninguém a respeita. Em todo o circuito sabemos que não é permitido, mas toda a gente o faz. Ninguém insiste tanto em mudar porque, na realidade, já existe uma certa abertura para isso. O que faz parte e não é só de agora, já vem de há muitos anos. Acho que é algo que não é assim tão importante para estarmos a falar, não sei se me faço entender. É algo que acontece naturalmente e já toda a gente entendeu.