“Quando nós ganhamos, todas ganham”: Seis anos depois, a seleção feminina dos EUA conquistou a igualdade salarial
A luta da seleção de futebol feminino dos Estados Unidos pela igualdade salarial não é de hoje, mas foi esta terça-feira que conquistaram aquela que será, provavelmente, a maior vitória da carreira destas jogadoras. Além do compromisso da federação, conseguiram ainda uma compensação no valor de 21 milhões de euros por todos os anos em que receberam menos do que a seleção masculina
A luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres protagonizada pelas jogadoras da seleção dos Estados Unidos já tem muitos anos, mas tornou-se ainda mais significativa há cerca de seis, quando cinco das maiores estrelas da equipa apresentaram uma queixa à Comissão da Igualdade de Oportunidades de Emprego, acusando a federação norte-americana de discriminação salarial. Alex Morgan, Megan Rapinoe, Carli Lloyd, Hope Solo e Becky Sauerbrunn, na altura membros da equipa campeã do mundo e olímpica, revelaram que ganhavam apenas 40% do que os jogadores da equipa nacional masculina recebiam.
Em resposta, a federação argumentou que a equipa masculina merecia receber mais porque fazia com que a receita fosse maior e conseguia atrair mais adeptos. As declarações não foram bem recebidas pelas jogadoras e pelo público, que se foi posicionando contra ou a favor da ideia ao longo do processo. Mas, mesmo com o apoio de parte do público, a partir deste momento a equipa só somou derrotas — fora do campo, porque lá dentro continuou a dar provas do seu valor.
Quando surgiu a opção de boicotar a ida aos Jogos Olímpicos de 2016, enquanto as jogadoras pressionavam por novos contratos, a federação ganhou o processo legal e a equipa marcou presença no Brasil. Em março de 2020, depois de a seleção se ter sagrado campeã do mundo pela segunda vez consecutiva, a federação argumentou que jogar pela equipa masculina exigia mais “habilidade” e “responsabilidade” do que o equivalente feminino.
“Ver essa flagrante misoginia e sexismo como o argumento usado contra nós é realmente dececionante”, reagiu Rapinoe: “Sei que estamos numa luta controversa, mas isso ultrapassou uma linha”.
Na final do mundial de 2019, que os Estados Unidos venceram, o estádio inteiro juntou-se à luta destas jogadoras e gritou “Equal pay! Equal pay!” (Foto: Ira L. Black/Corbis via Getty Images)
Pouco tempo depois, chegou aquela que parecia ser a derradeira derrota para o grupo de jogadoras. O juiz R. Gary Klausner rejeitou a moção de que a equipa feminina recebia menos do que a masculina, argumentando que as jogadoras tinham ganhado mais “numa base cumulativa e média por jogo” do que a seleção masculina durante os anos cobertos pelo processo judicial.
Parecia impossível vencer. Por um lado a equipa lutou para obter resultados, de forma a provarem que merecem ser compensadas pelo seu sucesso, por outro, ironicamente, foi esse sucesso que as fez perder. Ao escolherem lutar contra a federação num dos melhores momentos a nível de resultados para as mulheres e num dos piores para os homens, foi impossível comparar aquilo que seriam os prémios que os dois lados iriam receber pelas vitórias.
Foi preciso esperar até 2022, mas este grupo provou que nunca perderam realmente e que o impossível, na verdade, é muito possível.
Esta terça-feira, a seleção de futebol feminino dos Estados Unidos fechou um dos capítulos mais importantes da sua história, ao chegar a acordo com a federação. As jogadoras irão receber 24 milhões de dólares (21 milhões de euros), dos quais 22 milhões serão distribuídos entre elas. O resto do dinheiro servirá para apoiar futebolistas após o final da carreira e campanhas solidárias focadas no futebol feminino. O objetivo é que este montante sirva para compensar o grupo por todos os anos em que receberam menos que os homens.
Talvez mais importante do que esta quantia seja o compromisso assumido pela federação de equiparar os salários das equipas nacionais de ambos os géneros, em todas as competições, nos próximos acordos de negociação coletiva das equipas.
(Foto: David Berding/Getty Images)
O acordo ainda não foi finalizado, estando apenas dependente da aprovação de um novo contrato entre a federação e o sindicato das jogadoras. Assim que for assinado, todas as queixas por parte das atletas apresentadas nas denúncias anteriores ficarão resolvidas.
A federação e as jogadoras anunciaram o final da disputa através de um comunicado: “Chegar a este dia não foi fácil. As jogadoras da seleção de futebol feminino dos Estados Unidos alcançaram um triunfo sem precedentes, ao mesmo tempo que trabalharam em prol da igualdade salarial para si próprias e para as futuras atletas. Hoje, reconhecemos o legado das antigas líderes da equipa que ajudaram a tornar este dia possível, assim como as mulheres e raparigas que as seguirão. Juntos, dedicamos-lhes este momento”, lê-se.
“Não sou uma grande fã de montanhas-russas, na vida real ou figurativamente”, disse Megan Rapinoe, à “ESPN”, sobre o processo cheio de altos e baixos. “Pensei que iríamos chegar a este ponto, 100%. Pensei mesmo que íamos ganhar sempre nisto. É uma vitória para nós. E é uma vitória para as jogadoras da próxima geração e para as jogadoras de todo o mundo”.
Esta terça-feira fica para a história como um dos dias mais importantes do futebol feminino e do desporto em geral. Como completou Rapinoe no Twitter: “Quando nós ganhamos, todas ganham”.