Não há derrotas melhores ou piores, “perder custa sempre”. Frederico Morais eliminado de Supertubos pelo amigo que sairá de Portugal como líder do circuito mundial
Tivessem as ondas de Supertubos o mesmo carinho por Frederico Morais que o público na praia tem por ele, “já tinha ganhado o campeonato”. Palavras do português, após ser eliminado nos oitavos-de-final (9.º lugar) por Kanoa Igarashi, que sairá de Peniche, garantidamente, como líder do ranking mundial, devido à derrota do cinquentão Kelly Slater na mesma ronda
O conceito de ovelapping heats nisto do surf é uma mixórdia nem sempre de compreensão suave, muito menos quando Peniche se apresenta com um mar difícil para quem anda lá dentro e prazeroso para as almas que o vêm de fora. Ao quarto dia de competição, as vagas que desaguam nos Supertubos fidelizavam a praia ao seu nome, há ondas apontadas à direita e à esquerda que abrem grutas convidativas para os surfistas e até o speaker da praia, às tantas, quer alastrar o seu gáudio aos presentes. “De todas as edições, não me lembro de um dia tão bom como este”, ouve-se uma frase deste tipo.
Ele di-la pouco antes de a bateria de Frederico Morais e Kanoa Igarashi arrancar quando a de Conner Coffin e Callum Robson ainda decorre, uma mixórdia que se agrava quando a que começou primeiro destas termina para a que viria depois, com Nat Young e John John Florence, arrancar. Há momentos em que há seis surfistas ao mesmo tempo no mar, em grupos com licras da mesma cor, uma sobreposição de taco-a-tacos a que a World Surf League passou a recorrer, dizem, a bem do espetáculo e do aproveitamento de ondas das boas quando elas, de facto, aparecem em força.
E lá estiveram eles, lá ao fundo no mar, entre tubos que os escondem por completo e palavras a ecoarem das colunas, vindas do cicerone a quem pedem que se mantenha a par de tudo para ir comunicando com os surfistas: “red priority red”, “white priority white”. Ouvem-se coisas assim, porque a cada bateria é atribuída uma cor que coincide com as cores das licras e ter quatro surfistas em simultâneo a apanharem ondas “às vezes faz sentido, noutras é mais complicado” e “uma pessoa sente que no outro pico estão a apanhar melhores ondas”, diz-nos Frederico Morais no final, em terra seca, ele vestido e calçado e agastado com o que se passou.
Foto: Damien Poullenot/World Surf League
Pouco mais de uma hora depois de surfar para chegar aos oitavos-de-final, o português retornou ao mar, puxado pela pressa que a sobreposição de heats implica. Calhou digladiar-se com um amigo, um japonês nascido na América com casa na Ericeira, de onde muitas vezes parte para treinar com Kikas. Eles esgrimiram-se em tubos e contra-tubos, Kanoa a apanhar mais ondas e Frederico a tentar ser mais seletivo. Foi “super renhido”, resumiu, “ele começou bem, depois eu virei, depois ele virou, depois eu virei”, acrescentou, crente de que tantas manobras neste tango aquático “tenha sido um bom espetáculo para o público e isso acaba por ser o mais importante”.
Os tubos que mais fizeram de um surfista brincar mais às escondidas foram os descobertos por Igarashi, um deles valeu-lhe uma onda de 8.00 pontos, nota que virou a bateria em definitivo para o seu lado com uma avaliação que superou o 6.83 ou 6.73, combinação que Kikas retirou do heat. O português fartou-se de encostar bem o corpo à parede de qualquer onda, tentou atrasar o deslizar da prancha ao máximo, mas não encontraria forma de igualar o esconderijo do japonês. “Ele teve um pouco de sorte, apanhou aquela onda no fim que virou, acontece”, lamentou.
A praia rugiu a cada onda completada por Frederico, o sol a brilhar e o domingo colocaram na areia a maior enchente de pessoas da prova, cuja maioria vibrava vocalmente com tudo o que ele fazia.
Foto: EPA/JOSE SENA GOULAO
Tivessem as ondas “o mesmo carinho” e “já tinha ganhado o campeonato”, reconheceu, dizendo sem dizer que competir aqui em Peniche terá tanto de responsabilidade como de prazer — ao contrário de surfar e perder contra alguém com quem fala, convive e combina coisas fora da competição. “Perder custa sempre igual, seja para quem for, não há derrotas piores ou melhores, dói sempre. Estamos aqui horas a treinar de madrugada para fazer boas performances e ninguém gosta de perder”, explica.
A derrota tem um sabor que nenhum paladar aprecia.
Frederico Morais sai de Supertubos com o melhor resultado feito este ano, um 9.º lugar e 3.320 pontos para amealhar antes de passar um dia em aviões que o levem à Austrália, onde são as próximas duas etapas do circuito (em Bell’s Beach, na costa sul do país, e Margaret River, no lado oeste). Lugares distantes e produtores de ondas distintas aos monstros que Peniche fabrica até a maré vazar por completo à hora de almoço, encolhendo o ofertório que antes de Kikas ser batido por Kanoa até provocou uma desistência: o americano Jack Marshal saiu do mar à rasca, agarrado a um ombro e com esgar de dor, deixando Filipe Toledo a surfar sozinho enquanto deixava o tempo passar.
Depois dessa necessidade de levar a assistência médica até à beira-mar e de Frederico Morais sair de cena, outro dos crónicos geradores de palmas e berros na praia também deixou as licras de competição em paz por culpa de um rapaz que tem idade para ser seu filho.
Foto:. José Sena Goulão/LUSA
Quando a maré já se acercava do seu estado mais magro, os 23 anos de Griffin Colapinto lidaram melhor com a austeridade crescente das ondas. O americano domou mais e melhores ondas do que os 50 anos de Kelly Slater, que em meia hora só teve realmente uma com pés e cabeça e foi eliminado com praticamente metade da pontuação do jovem que não respeitou os mais velhos.
Não existindo para lá dos oitavos-de-final — e também já feitas as eliminações do primeiro (Barron Mamiya), terceiro (Seth Moniz) e quarto (Caio Ibelli) classificados do circuito —, o melhor surfista da história compôs as matemáticas para o atual segundo lugar do ranking sair de Peniche com a liderança quando o Meo Pro Portugal terminar. Os 4,745 pontos que, pelo menos, levará dos Supertubos já garantem a Kanoa Igarashi a vestimenta da licra amarela quando o circuito se for embora para a Austrália.